Opinião

A criança e a consciência ecológico-cristã

Diário da Manhã

Publicado em 13 de outubro de 2018 às 02:25 | Atualizado há 6 anos

Cin­co  de ou­tu­bro é o dia de­di­ca­do às Aves do Bra­sil, e foi cri­a­do pe­lo De­cre­to nº 63.234 de 19.09.1968, as­si­na­do pe­lo en­tão pre­si­den­te Ar­tur da Cos­ta e Sil­va, en­tran­do em  vi­gor ape­nas em 03.10.2002.  To­da ini­ci­a­ti­va e mo­vi­men­to nes­se sen­ti­do foi bem acei­to, opor­tu­no e sim­pá­ti­co na de­fe­sa e pre­ser­va­ção das nos­sas pe­que­nas ir­mãs de asas. A ave na­ci­o­nal (do Bra­sil) tem seu sím­bo­lo no sa­biá. As nos­sas aves, nos seus mais va­ri­a­dos e be­los ma­ti­zes – 17 mil es­pé­ci­es  -, en­fei­tam e dão gra­ça sin­gu­lar às nos­sas ma­tas, ao nos­so céu, e às nos­sas  vi­das, ain­da mes­mo que nas ci­da­des. Con­tu­do, as aves bra­si­lei­ras, des­de os tem­pos dis­tan­tes da nos­sa his­tó­ria, en­con­tram-se ex­pos­tas às mais con­de­ná­veis e in­cle­men­tes per­se­gui­ções sem que te­nham pra­ti­ca­do ne­nhum cri­me con­tra o ho­mem, ou que te­nham pro­fe­ri­do, se­quer, dis­cur­sos in­con­ve­ni­en­tes ou pro­mo­vi­do gre­ves. Os pa­pa­gai­os, por exem­plo, so­frem im­pi­e­do­sa­men­te, atra­vés dos tem­pos,  a pe­na ter­rí­vel de de­por­ta­ção. Mer­ca­do­res de­sal­ma­dos tro­cam-nos por ob­je­tos ou os ven­dem a quem pa­gar mais, em qual­quer pon­to ou lo­ca­li­da­de do Pa­ís. E eles, exi­la­dos, ven­di­dos pe­los seus ir­mãos hu­ma­nos, co­mo Jo­sé do Egi­to aos mer­ca­do­res, con­ti­nuam, dis­tan­te da Pá­tria, gri­tan­do e can­tan­do na lín­gua na­tal.

Um ou­tro nú­me­ro mai­or des­tas pe­que­ni­nas cri­a­tu­ras de Deus, tais co­mo os sa­bi­ás, ca­ná­rios, azu­lões, graú­nas, cu­ri­ós, pa­pa-ca­pins, car­de­ais,  tu­ca­nos, pe­ri­qui­tos, ara­ras, bem-te-vis, as sa­ra­cu­ras da bei­ra d’água, as se­ri­e­mas do cam­po, as ara­pon­gas com seu gri­to es­tri­den­te e for­te, o ui­ra­pu­ru que traz na gar­gan­ta o ge­mi­do do co­ra­ção. E não fi­ca só por ai: as ro­li­nhas com a sua can­du­ra, os pom­bos com a sua fe­li­ci­da­de, o jo­ão-de-bar­ro, mo­de­lo de hon­ra an­ti­ga, pro­te­ge a com­pa­nhei­ra nu­ma al­co­va de bar­ro, a ce­go­nha que pre­vê as es­ta­ções do ano e co­nhe­ce bem to­das as ro­tas, a an­do­ri­nha dos cam­pos, tra­ba­lha­do­ra ru­ral, co­lo­no sem sa­lá­rio que, pa­ra ter mo­ra­da, lim­pa das pra­gas, com o seu bi­co, to­dos os ca­fe­zais, ha­bi­tam ho­je na sua ter­ra, co­mo os már­ti­res dos pri­mei­ros sé­cu­los, sob Ne­ro e Do­mi­ci­a­no. A es­pin­gar­da, a ara­pu­ca e o al­ça­pão des­po­vo­am as ma­tas e os ser­tões. Um dis­pa­ro trai­ço­ei­ro, o aper­tar do ga­ti­lho com o de­do da mor­te ou da mal­da­de, uma ar­ma­di­lha cru­el, ani­qui­la os do­nos do es­pa­ço co­mo ani­qui­lou o ín­dio, o do­no da ter­ra. E as co­pas das ár­vo­res, as fron­des, das mais al­tas às mais bai­xas, vão fi­can­do des­po­vo­a­das e ca­la­das. A vi­da so­bre a ter­ra vai se tor­nan­do me­lan­có­li­ca, si­len­cio­sa. O céu per­de seu en­can­to e a sua gra­ça. A na­tu­re­za vai des­pin­do-se dos en­fei­tes vi­vos que Deus lhe deu, e, amor­ta­lha­da por um man­to si­nis­tro, se­rá en­vol­ta pe­lo mais pro­fun­do si­lên­cio do mun­do dos as­tros mor­tos, on­de num re­su­mo da vi­da to­das as vo­zes se ca­la­rão.

Cri­e­mos, pois, o mais bre­ve pos­sí­vel, em nos­sa ju­ven­tu­de, uma con­sci­ên­cia eco­ló­gi­ca e cris­tã pa­ra a sal­va­ção da nos­sa na­tu­re­za, e da vi­da. Dia 12 de ou­tu­bro, é tam­bém um dia de­di­ca­do às cri­an­ças, e pa­ra fe­li­ci­tá-las, dei­xo-lhes aqui e ago­ra, a se­guin­te sa­u­da­ção: Cri­an­ças!… Sin­tam na sua bon­da­de ino­cen­te, os gran­des ma­les que os adul­tos já fi­ze­ram e fa­zem aos pás­sa­ros e, por ex­ten­são, à na­tu­re­za. Cri­an­ças!… Con­de­nem à des­tru­i­ção os vi­vei­ros que apri­si­o­nam nos­sas aves. Inu­ti­li­zem as ar­mas de ca­ça e as ar­ma­di­lhas.  Pro­tes­tem con­tra os ca­ça­do­res, re­jei­tem a co­mer­cia­li­za­ção das aves sil­ves­tres. Ini­ci­em, em su­ma, por to­dos os mei­os pos­sí­veis e pa­cí­fi­cos, uma no­va era de vi­da re­po­vo­an­do as fron­des, pa­ra que as ma­tas vol­tem a ter a mes­ma mu­si­ca­li­da­de har­mo­ni­o­sa e a mes­ma ale­gria tra­ves­sa de an­tes. Cri­an­ças!… não em­pres­te o teu amor às coi­sas más da vi­da. Nun­ca po­nha em teu jar­dim, ou num ga­lho de uma ár­vo­re, um al­ça­pão, por­que ne­le uma ave des­cui­da­da cai­rá na es­cra­vi­dão. Em­bo­ra vo­cê lhe dê por mo­ra­da uma be­la gai­o­la, co­mi­da, água fres­ca, te­nha a cer­te­za de que ela fi­ca­rá mu­da, tris­te, do­en­te. É que os pás­sa­ros não fa­lam, ape­nas pi­pi­lan­do eles de­mons­tram a sua dor, sem que as pes­so­as pos­sam en­ten­der. Se fa­las­sem, os ou­vi­dos hu­ma­nos ou­vi­ri­am eles di­ze­rem: não que­ro a tua co­mi­da. Gos­to mais dos ali­men­tos que pro­cu­ro na ma­ta, lá te­nho água lim­pa que sai de um ri­a­cho ou de uma fon­te. Nas ma­tas on­de nas­ci te­nho tu­do que pre­ci­so pa­ra vi­ver e ser fe­liz. Não que­ro a tua es­plên­di­da mo­ra­da, pois ne­nhu­ma ri­que­za me con­for­ta. Pre­fi­ro o ni­nho hu­mil­de e cons­tru­í­do de fo­lhas se­cas, es­con­di­do en­tre os ga­lhos das ár­vo­res ami­gas. Li­ber­ta-me, que­ro o sol, o ar li­vre, que­ro sen­tir o per­fu­me das flo­res da ma­ta. Com que di­rei­to me obri­gas à es­cra­vi­dão? Que­ro vo­ar na imen­si­dão da na­tu­re­za em fes­ta, que­ro can­tar ao ama­nhe­cer e ao ca­ir da tar­de. Por­que me pren­des?… Sal­ta-me! Não rou­be a mi­nha li­ber­da­de. Era is­so que as aves di­ri­am se pu­des­sem fa­lar. E, a tua al­ma, cri­an­ça, sen­ti­ria uma imen­sa afli­ção, e com as mãos trê­mu­las lhes abri­ria a por­ta da pri­são.

 

(Ed­mil­son Al­ber­to de Mel­lo, es­cri­tor)

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