Será que Freud explica?
Diário da Manhã
Publicado em 13 de outubro de 2018 às 02:08 | Atualizado há 6 anosA violência é um tema que vem despertando o interesse de tudo que é especialidade de gente, Primeiro, porque hoje ela se generalizou, pondo em risco a integridade física do povo; segundo, porque não escolhe cara, fazendo vítimas entre os ricos, os pobres, os feios, os bonitos, os educados e os xucros.
Assim, o interesse que as autoridades têm na solução dos pro¬blemas de segurança pública não é questão de espírito humanitário; elas estão tratando de querer acabar é com uma coisa que está assustando é elas próprias.
Como epidemia, existe uma onda de assaltos em toda cidade grande. No interior, quando ocorre um crime, é coisa rara, levando-nos a crer que isto é estimulado por uma série de fatores: a televisão, que incen¬tiva a criatividade e exibe violência o tempo todo: a vida difícil: o desem¬prego e até a desvalorização da moeda.
Quando morava em Belo Horizonte, um dia saí para o expediente da tarde do trabalho. A meninada, na escola. Tínhamos uma excelente vizinhança no prédio, pois compráramos o apartamento em construção e todos nos conhecíamos meses antes de nos mudarmos, de tanto nos encontrarmos na obra atucanando o empreiteiro para correr com o aca¬bamento.
Ao retornar à tarde, quase caí de costas: a porta dos fundos estava aberta, e logo na área de serviço já existiam indícios de fôramos visitados possivelmente por um amigo do alheio: roupas esparramadas pelo chão e pela cozinha, as coisas da geladeira (ovos, queijo, comida etc.) estavam derramadas com as vasilhas de qualquer jeito. Na sala, os quadros foram arrancados com prego e tudo, levantando tampos na parede, e o sofá com as poltronas estavam breados de ovos e manteiga, que o espírito atrasado do visitante não deixara por menos, fazendo um estrago em regra. No corredor, uma passarela de papel higiênico saía do banheiro até a sala, passando pela estante de livros inteiramente desarrumado e jogados alguns pelo chão.
Botamos as mãos na cabeça: no nosso quarto havia um dinheirinho guardado, além de joias, num porta-joias na gaveta da pentea¬deira.
Não deu outra coisa; a penteadeira parecia um ninho de joão congo, de tanta bagunça. A impressão era de que uma galinha gigante havia cis¬cado ali. E pior: pegaram ovos na geladeira e quebraram-nos nas roupas, lambregando tudo e botaram bem uma dúzia dentro da bolsa de passeio da mulher, e, pelo godó que havia dentro, parece que sapatearam em cima.
Imaginem uma coisa dessas! As joias tinham ido pro beleléu, e até umas revistinhas infantis de meus meninos e eu lermos na hora de dormir havia sumido.
Chamamos a Polícia Técnica: vieram com mil perguntas, a vizi¬nhança toda curiando, num “que-que-foi” natural!
Botamos o caso na conta do Abreu (“se a polícia não apurar, muito menos eu”) e demos por perdido tudo, pois nunca vi polícia apurar nada.
No dia seguinte – vejam como são as coisas! – um vizinho morador no segundo andar, cuja mulher se dava muito bem com a minha, trocando receitas, contando casos e fazendo dever de menino pra ela, chamou-nos nervosos a sua casa. Nossa surpresa foi bem maior do que o arromba¬mento e a devassa da véspera: aos prantos, ele nos devolveu as joias, as revistas e tudo fora subtraído, prontificando-se a pagar todos os prejuízos do vandalismo praticado lá em casa, pois o homem (com quem me dava muito bem, por sinal) era dono de uma construtora.
Sabem quem tinha feito o espalhafato? Sua filha de doze anos, uma inocência de criança, que assistira impassível ao nosso desespero, quando estávamos às voltas com a polícia no nosso apartamento. Era uma menina tão cândida e meiga, que malmente conversava: era tratada como um vaso chinês, como um filhote desprotegido de pardal. A mãe precisava levá-la para escola, dava-lhe o prato nas mãos, a roupa passada, tudo na mais absoluta dependência. Seria a última pessoa capaz de uma coisa daquelas, pois ainda brincava com boneca e cativava pela feminilidade.
Será um daqueles casos que nem Freud explica?
(Liberato Póvoa, Desembargador aposentado do TJ-TO, Membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras escritor, jurista, historiador e advogado,liberatopo[email protected])
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