Inversão de valores assola a política brasileira
Diário da Manhã
Publicado em 12 de outubro de 2018 às 00:44 | Atualizado há 6 anosHá oito anos mais de um milhão e meio de paulistas elegeram deputado federal o cômico Tiririca. A candidatura dele quase foi impedida sob a alegação de ser analfabeto, incapaz de assinar o próprio nome. Mas essa arguição não prosperou, porque sua assinatura foi satisfatória. Quatro anos depois ele se reelegeu com mais de um milhão e trezentos mil votos. Recentemente declarou que não seria candidato à reeleição. Tiririca fez declarações sobre a inutilidade do mandato que estava a exercer, dizendo que: “deputado federal não faz nada”. Mas voltou atrás, candidatando-se. E agora neste último domingo alcançou o terceiro mandato com mais de meio milhão de votos.
No Rio de Janeiro em 2014 o jogador de futebol Romário viu-se eleito senador. E neste último dia 7 disputou o cargo de governador do Estado, obtendo apenas oito ou nove por cento dos sufrágios.
Os dois – Tiririca e Romário – não têm escolaridade alguma.
Em Brasília a linda e simpática ex-jogadora de voleibol Leila concorreu as eleições de 2014 como candidata à Câmara Distrital. Não se elegeu. Mas agora acaba de ser eleita senadora. Em política ela é absolutamente leiga.
Ainda no Rio de Janeiro as eleições do último domingo deram a Flávio Bolsonaro o mandato de senador. Ele é filho do candidato à presidência Jair Bolsonaro e já exerceu de forma apagadíssima dois mandatos de deputado estadual. Seu irmão Eduardo vai para a Câmara Federal, onde sua mediocridade se traduzirá na absoluta ausência de proposições e de pronunciamentos.
Em São Paulo, estado campeão de aberrações eleitorais, o ator de produções cinematográficas do gênero pornô, Alexandre Frota ganhou também o mandato de deputado federal, aberração que desola.
A verdade é que a política brasileira projeta uma inversão de valores que o longo período de governos militares germinou e fez crescer de forma entristecedora. Após 30 anos sem eleição para presidente da República – 1960 a 1990 – o primeiro presidente em eleição direta foi Fernando Collor de Melo. Decepção inapagável das páginas da história do Brasil. Apresentando-se perante o eleitorado brasileiro como o “caçador de marajás” o então medíocre governador de Alagoas se viu alçado à presidência da República, num pleito em que no segundo turno derrotou Luiz Inácio Lula da Silva. A decepção foi gigantesca. O governo Collor teve a duração de 2 anos e pouco, marcado por históricas nódoas de corrupção que o levaram ao impeachment. Após os mandatos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff nossa história política teve o capítulo do golpe civil de 2016. Ao longo de todo aquele período – mais ou menos um quarto de século – os legislativos brasileiros sofreram grande desgaste moral. O povo brasileiro assistiu a tristes episódios de empobrecimento moral dos parlamentos. A CPI dos anões do orçamento, a presidência da Câmara Federal nas mãos de Severino Cavalcante, o episódio Ibsen Pinheiro, a presidência de Eduardo Cunha, Renan Calheiros no Senado e os casos de corrupção envolvendo dezenas de parlamentares de quase todos os partidos, projetaram um triste quadro de degenerescência política.
As eleições presidenciais, cujo primeiro turno ocorreu neste último domingo suscitam graves reflexões. O próximo artigo as terá como tema nuclear.
(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal à sextas-feiras. E-mail: eurico_barbosa@hotmail.com)
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