Estão rindo de quê?
Diário da Manhã
Publicado em 10 de outubro de 2018 às 00:10 | Atualizado há 6 anos“A euforia dos vitoriosos não pode converter-se em comemoração ao desalento dos que perderam. Nem a amargura dos que não se elegeram pode desmerecer a celebração dos que venceram”,
(Batista Custódio, em A Voz do Tempo da Paz, Diário da Manhã, 07/10).
Engraçado -e muito preocupante- ver tantos sorrisos nas bocas dos candidatos que se elegeram. Vemos o Zé e a Maria do povo começando uma luta de vida ou morte a cada manhã e os seus políticos lá, sorrindo na foto, como se ignorassem as condições em que vive a maioria da população que representam.
Justamente eles, sorridentes, os políticos que pelo voto foram escalados e se tornam os responsáveis pelas melhorias que nunca chegam. E eles sorriem largamente, de eleição a eleição, sem suprir minimamente as carências de serviços e necessidades básicas dos que não sorriem porque não tem motivo algum para isso.
É tanto sorriso que dá para desconfiar. Pois ao assumir um mandato executivo ou legislativo, mesmo uma secretaria ou um cargo de relevância na função pública (destes que os fazem sorrir), os políticos, estes seres tão sorridentes, não deveriam demonstrar tanta satisfação, pois sabemos todos que é muito trabalho à vista, só problemas e muita responsabilidade, ou eles não estão pensando nisso? Por acaso não sabem eles que ser político no exercício de mandato é ser trabalhador de entrega total, e pensar não somente em si e sua família, mas amparar o grande emaranhado coletivo que é a sociedade?
Dá para desconfiar dos que comemoram a vitória nas urnas com sorriso solto. Certamente são os que, ao tomar posse do mandato ou assumir postos chaves, estarão pensando mais nos privilégios e na vaidade do empoderamento do que nos deveres a que se comprometem ao aceitar suas funções.
Alto lá. A política e seu exercício merecem uma revisão urgente do ponto de vista das pessoas que a exercem. Pois quando se quer de verdade, quando se é dedicado e competente, as dificuldades são vencidas e as coisas acontecem. E quando se quer apenas festejar e aparecer, nada acontece.
É preciso que os agora eleitos de Goiás se deem conta de que assumem uma responsabilidade gravíssima perante a população que os elegeu. Se isso é motivo para comemoração, entendo que ela deva ser discreta, de reconhecimento da gravidade da nova função -e não de festividade, com essa explosão efusiva, tão fogueteira quanto suspeita, que vemos da parte dos eleitos e seus apoiadores.
Ao conseguir se alçar a um posto legislativo ou executivo, o sujeito certamente vai ter mais pesares para encarar, que deleites para comemorar. Tal é a nossa realidade.
A comemoração desmedida de uma vitória eleitoral é o resquício de uma era em que ser eleito representava mais privilégios à vista do que deveres a serem cumpridos. Significava mais vaidade desperta do que o exercício da honradez e a dedicação desmesurada ao trabalho.
Pelos sorrisos registrados nestes momentos vitoriosos (uns comedidos ou semi disfarçados, de Mona Lisa; outros descarados, de quem não vê a hora de ceiar), os vemos dando adeus às preocupações, pois eleitos foram. Passa longe pensar que uma vitória nas urnas simboliza o fim da tranquilidade com a família, o fim de possíveis períodos de descansos e, em troca, uma entrega ao “outro” que precisa ser total e permanente até o último dia do mandato.
O “outro”, no caso, é a população carente e afetada pelo histórico de letargia dos agentes públicos. O vitorioso sorridente, talvez ele ainda não saiba, se é de primeira viagem, se compromete tacitamente a tirar do seu tempo e usar suas competências contra os inúmeros problemas que deve enfrentar em nome do coletivo.
E mais. O eleito tem o dever de trabalhar não só por aqueles que o elegeram, mas pelo conjunto da população. Em um Estado como Goiás, isso representa uma enorme tarefa, extenuante e insone. Como ficar feliz e sorridente?
A alegria desta hora, como nos alerta o jornalista Batista Custódio, não pode denotar um projeto para obtenção de privilégios ou de satisfação de um orgulho vaidoso que se contentará com o posto, com os privilégios e com as aparências. As notícias não são boas, muito pelo contrário. Não terão tempo bom e, pelo que deles se espera, a realidade é bem outra, é de fazer chorar.
Só louco -ou quase, de querer um mandato popular e ter que abandonar seus momentos de lazer com a família, por exemplo, e se dedicar como nunca ao trabalho. Susceptível às falhas, vai ter que dobrar a vigilância. Propenso ao cansaço, que é humano, terá que redobrar o esforço. E terá que viver aceleradamente pelos 4 anos que desejou como trabalhador social.
E que assim seja. Os mecanismos de controle da função pública, a população e a imprensa estão aí, vigilantes com seus chicotes, para fazer com que os políticos eleitos e seus indicados exerçam devidamente suas funções. Faça chuva ou faça sol. Rindo de quê mesmo?
(Px Silveira, Instituto ArteCidadania, presidente. pxsilvei[email protected])
]]>