Opinião

A #hashgtag entrou na urna

Diário da Manhã

Publicado em 5 de outubro de 2018 às 23:26 | Atualizado há 6 anos

Ho­je é dia de elei­ção. Um dia que faz to­do mun­do vol­tar a aten­ção pa­ra a es­co­lha do pre­si­den­te do pa­ís, por­que sa­be­mos que é mais do que is­so. Tra­ta-se de uma de­ci­são que in­flu­en­cia­rá o fu­tu­ro de to­dos. Aque­le pa­po cli­chê que vo­cê já es­tá ca­re­ca de ou­vir.

Só que ho­je tam­bém é o dia que mar­ca o fim de uma pe­que­na gran­de re­vo­lu­ção na ma­nei­ra de fa­zer cam­pa­nha po­lí­ti­ca. Mais do que is­so, na ma­nei­ra de fa­zer co­mu­ni­ca­ção. An­tes mes­mo do re­sul­ta­do das elei­ções já po­de­mos de­cla­rar um ven­ce­dor: a in­ter­net.

Em 2010 e 2014, a in­ter­net já des­pon­ta­va co­mo or­ga­nis­mo es­sen­cial de uma dis­pu­ta elei­to­ral, mas na­da com­pa­ra­do com ao que acon­te­ceu ago­ra, em 2018, ao que a cam­pa­nha do can­di­da­to lí­der nas pes­qui­sas foi ca­paz de fa­zer no am­bi­en­te on­li­ne e nas no­vas mí­di­as em ge­ral.

E mais do que sim­ples­men­te anun­ci­ar, foi uma cam­pa­nha que re­es­cre­veu as re­gras de co­mo atin­gir os elei­to­res, ar­re­ca­dar di­nhei­ro, or­ga­ni­zar vo­lun­tá­rios, mo­ni­to­rar e mol­dar a opi­ni­ão pú­bli­ca, além de li­dar com ata­ques po­lí­ti­cos, mui­tos de­les fei­tos por blogs que nem exis­ti­am há qua­tro anos atrás.

O tre­cho que vo­cê aca­bou de ler, quan­do es­cri­to, não se re­fe­ria à cam­pa­nha elei­to­ral de Ja­ir Bol­so­na­ro. Ape­nas fo­ram fei­tos pe­que­nos ajus­tes de tex­tos e da­tas pa­ra que pa­re­ces­se atu­al. Mas na ver­da­de é par­te de um ar­ti­go es­cri­to pe­lo jor­na­lis­ta Car­los Me­ri­go so­bre a cam­pa­nha exi­to­sa de Ba­rack Oba­ma pa­ra a Pre­si­dên­cia dos Es­ta­dos Uni­dos, ocor­ri­da 10 anos atrás.

Em 2008, Ba­rack Oba­ma re­es­cre­veu o jei­to de fa­zer cam­pa­nhas elei­to­ra­is nos Es­ta­dos Uni­dos, usan­do a In­ter­net e as mí­di­as so­ci­ais.

O Sa­u­do­so mé­di­co e po­lí­ti­co Enéi­as Car­nei­ro par­ti­ci­pou de 3 cam­pa­nhas pre­si­den­ci­ais, e se tor­nou par­te do fol­clo­re elei­to­ral bra­si­lei­ro com seu bor­dão “Meu no­me é Enéi­as”. No ho­rá­rio elei­to­ral gra­tui­to, nun­ca te­ve mui­to tem­po pa­ra se fa­zer co­nhe­ci­do e apre­sen­tar su­as idei­as. Em 1989, com 15 se­gun­dos na pro­pa­gan­da elei­to­ral gra­tui­ta, Enéi­as te­ve 0,53% do to­tal de vo­tos. Em 1994, com mai­or tem­po no ho­rá­rio gra­tui­to, 1 mi­nu­to e 17 se­gun­dos, con­se­guiu 7,38% dos vo­tos. Em 1998, com ape­nas 35 se­gun­dos pa­ra fa­lar su­as pro­pos­tas e re­pe­tir o seu bo­dão, ter­mi­nou com 2,14% dos vo­tos.

Em 2018, te­mos um can­di­da­to (Ja­ir Bol­so­na­ro) que pou­co tem­po an­tes era des­co­nhe­ci­do de gran­de par­te do elei­to­ra­do bra­si­lei­ro, as­sim co­mo era Enéi­as em 1989. Ja­ir Bol­so­na­ro tem ape­nas 15 se­gun­dos no ho­rá­rio elei­to­ral gra­tui­to, o mes­mo tem­po que Enéi­as te­ve em 1989. Mas, ao con­trá­rio de Enéi­as em 1989, Ja­ir Bol­so­na­ro li­de­ra as pes­qui­sas pa­ra a elei­ção pre­si­den­ci­al bra­si­lei­ra em 2018, e com pos­si­bi­li­da­de de vi­tó­ria no pri­mei­ro tur­no.

Mas a fal­ta de tem­po no ho­rá­rio elei­to­ral não foi o úni­co de­sa­fio que o can­di­da­to Ja­ir Bol­so­na­ro te­ve que en­fren­tar. So­freu tam­bém um aten­ta­do à sua vi­da, que o re­ti­rou do dia a dia da cam­pa­nha, e te­ve tam­bém que ad­mi­nis­trar uma cam­pa­nha mui­to es­par­ta­na, na qual fo­ram gas­tos cer­ca de R$1 mi­lhão de re­ais (da­dos do TSE con­so­li­da­dos até 26/09).

A tí­tu­lo com­pa­ra­ti­vo, o can­di­da­to com mai­or tem­po de TV, Ge­ral­do Alckmin, com 11 mi­nu­tos e 4 se­gun­dos di­á­rios, cu­jo no­me apa­re­ce nas pes­qui­sas com uma in­ten­ção de vo­to de cer­ca de 7%, gas­tou no mes­mo pe­rí­o­do a ci­fra de apro­xi­ma­da­men­te R$51 mi­lhões. Va­lor pró­xi­mo ao que gas­tou o can­di­da­to Hen­ri­que Mei­rel­les, que, com tem 3 mi­nu­tos e 50 se­gun­dos di­á­rios no ho­rá­rio elei­to­ral e com R$43 mi­lhões de gas­tos em cam­pa­nha, pa­ti­na com ape­nas 2% da pre­fe­rên­cia do elei­to­ra­do.

Ou se­ja, jun­tos, Alckmin e Mei­rel­les, com14 mi­nu­tos e 54 se­gun­dos de tem­po no ho­rá­rio elei­to­ral, já gas­ta­ram qua­se R$100 mi­lhões de re­ais. Por­tan­to, jun­tos, de­tém 54 ve­zes mais tem­po de TV que Ja­ir Bol­so­na­ro, e gas­ta­ram, jun­tos, 98 ve­zes mais que o va­lor gas­to na cam­pa­nha de Bol­so­na­ro. Mas a in­ten­ção de vo­tos de am­bos (Alckmin e Mei­rel­les), so­ma­da, não che­ga a 1/3 do que a pes­qui­sa in­di­ca pa­ra Ja­ir Bol­so­na­ro.

A con­clu­são sim­ples e ló­gi­ca é de que es­ta é a pri­mei­ra elei­ção re­al­men­te de­mo­crá­ti­ca no Bra­sil. An­te­rior­men­te o elei­tor so­men­te po­dia es­co­lher en­tre as pes­so­as que se apre­sen­ta­vam a ele. E pa­ra is­so era ne­ces­sá­rio tem­po de TV (ou se­ja, par­ti­ci­par de um gran­de par­ti­do) e pos­su­ir gran­des ver­bas pa­ra gas­tos em cam­pa­nha (ou se­ja, par­ti­ci­par de um gran­de par­ti­do e/ou pos­su­ir gran­des fi­nan­cia­do­res de cam­pa­nha).

Es­ta elei­ção já fi­cou mar­ca­da co­mo a pri­mei­ra elei­ção on­de o elei­tor bus­cou o can­di­da­to que o re­pre­sen­tas­se, mes­mo que es­te can­di­da­to não ti­ves­se tem­po no ho­rá­rio elei­to­ral, não ti­ves­se di­nhei­ro pa­ra uma gran­de cam­pa­nha elei­to­ral, não ti­ves­se a es­tru­tu­ra de um gran­de par­ti­do com su­as ban­ca­das e di­re­tó­rios.

Se­rá que che­ga­mos à de­mo­cra­cia do fu­tu­ro? On­de qual­quer um po­de ser um de­pu­ta­do, se­na­dor, go­ver­na­dor, pre­si­den­te? Não se po­de ne­gar que o mun­do co­mo to­do, e as elei­ções tam­bém, es­tão su­jei­tas ao po­der e in­flu­ên­cia da tra­di­ção, do no­me (e do so­bre­no­me), e do ca­pi­tal fi­nan­cei­ro. Mas é um fa­to a co­me­mo­rar que es­tes fa­to­res não se­jam su­fi­ci­en­tes, por si só, pa­ra in­flu­en­ciar de for­ma de­ter­mi­nan­te uma elei­ção.

Quem sa­be, em 2022, vo­cê lei­tor pos­sa ser Pre­si­den­te do Bra­sil, bas­tan­do aten­der al­guns re­qui­si­tos le­gais, e con­se­guir ser lan­ça­do co­mo can­di­da­to por um par­ti­do, por me­nor que se­ja ele. Se não ti­ver di­nhei­ro, não é pro­ble­ma. Se não seu par­ti­do não ti­ver es­tru­tu­ra, não tem pro­ble­ma. Se não lhe so­brar vi­si­bi­li­da­de na TV, is­so tam­bém não é pro­ble­ma.

To­man­do co­mo re­fe­rên­cia a elei­ção pre­si­den­ci­al de 2018, o re­al re­qui­si­to pa­ra um can­di­da­to ser elei­to, pe­lo me­nos pa­ra car­gos ma­jo­ri­tá­rios (pre­si­den­te, go­ver­na­dor, pre­fei­to, se­na­dor) é que ele con­si­ga a iden­ti­fi­ca­ção do elei­tor, que se­ja vis­to pe­lo elei­tor co­mo a me­lhor pes­soa pa­ra re­pre­sen­tá-lo.

 

(Dê­ner­son Ro­sa, ad­vo­ga­do)

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