Opinião

No meio da multidão tinha uma faca

Diário da Manhã

Publicado em 12 de setembro de 2018 às 01:19 | Atualizado há 6 anos

(Esfaquearam o corpo, mas não o sonho)

 

I

Ao baque do golpe, o choque.

E no meio da tarde a luz caída,

esfaqueada – de teu semblante

tombando-se, abrupto, sobre

os ombros do povo.

 

A cena vi, e me condói

nos ferimentos daquele rasgo

sangrando em vascas de dor:

a chaga. E dentro da vida,a faca

 

(de horror que se espalhou

em pânico na multidão).

 

II

Tentaram rasgar o sonho,

naquele corte. Não deu.

a liberdade vitoriou-se,solerte.

 

III

E seco como um torrão

fumegante de ódio, eu me afundei

na cisterna do meu pranto

à procura do poema.

Mudo. A cena vi, estupefacto,

com iracúndias de motim

nos olhos do povo.

 

Não tive ganas do louco.

Tive ascos, compaixão.

Assim me queimando, a ferro e fogo,

aos gritos: “Ó infeliz de alma

entenebrecida! Afastes de nós,

ó carnicento, sanguinário e corvo!

Tu, ali, atocaiado (de covarde)

dentro da turba”.

 

Mas as mãos do povo,

socorristas e alígeras,

acudiram-te, a salvo,

ó ascendente líder!

 

IV

Tinha uma faca no meio da multidão.

No meio da multidão tinha uma faca.

 

Não era pedra. Era faca.

Não era Tiro. Era ódio.

Aturdido, então,

eu me inqueri:

 

– E agora Jair?

Já – já-indo (já de ir)

Bolsonaro no/e quando?

No Planalto?

 

Com o teu palavreado

de ferinas farpas –

e de boca solta ao

microfone dos comícios,

na tevê, ruas ou conclaves:

 

o teu verbo

de bélico

estopim,

prodigaliza

aversões e fúrias,

sedentas de verdade?

 

Vamos. Levantas-te!

Tu que tens na palavra

o chumbo da coragem.

 

Ditoso. Intrepidoso.

Feriram-te o corpo,

mas não sonho.

 

(Gabriel Nascente, poeta. Tarde de 7 de setembro de 2018, Caldas Novas)

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