Transcodificando e desmistificando o crime de receptação
Diário da Manhã
Publicado em 7 de setembro de 2018 às 22:33 | Atualizado há 6 anosHá algum tempo, quando a magistrada Drª. Placidina Pires anunciou a presença dos esboços firmes de um possível crime de receptação por aqueles que adquirem o que se conhece por “carros finan” – que nada mais são que os carros financiados pelos estabelecimentos bancários com alienação fiduciária – sem a intenção de pagar – ver entendimento da magistrada na íntegra no sítio: http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-tribunal/16260-adquirir-carro-finan-sem-a-intencao-de-pagar-as-prestacoes-configura-crime-de-receptacao -, alguns bochinchos e burburinhos começaram a dominar os corredores do Judiciário e da respeitável instituição advocatícia goiana.
Entretanto, humilde e sinceramente confesso que não entendi o motivo do alarde, pois a questão repousa única e exclusivamente sobre questões de fato e de direito – o que novamente conduz ao artigo de minha autoria, “Revisional De Veículos – E Se Eu Pretender Pagar Um Real Pelo Meu Carro Na Justiça?”, encontrado em minha página do Facebook;onde alerto sobre o fato de que muitos desconhecem realmente o que vem a ser uma revisional – e, consequentemente, uma busca e apreensão.
Para quem já financiou algum veículo, deve ter observado que, no documento do veículo consta a seguinte observação: “Al. Fid. Bac. ‘X’”.
Pois bem: essa observação existe porque, ao financiar o veículo, você não possui a propriedade do veículo – apenas a posse dele. Somente após a quitação do bem, essa observação – que o DETRAN e as instituições bancárias dão o nome de “gravame” – é retirada do documento do carro.
Quando financiamos um carro e não conseguimos pagar as parcelas, corremos o risco de que a instituição bancária bata às portas do poder judiciário solicitando a reintegração dessa posse originária, ou seja: que seja devolvida a posse originária do veículo que lhe foi dada como garantia de um empréstimo ou de um pagamento – esse procedimento é que se chama Busca e Apreensão. Ou seja: é a via judicial que o banco ingressa para solicitar na justiça a tomada do carro em razão da falta de pagamento.
E não é esse procedimento que configura o crime de receptação.
Mesmo porque, inexiste ilegalidade em financiar um veículo e, por motivos de força maior e alheios à nossa vontade, não conseguir arcar com o compromisso inicialmente assumido (pois a natureza da revisional e da consignatória são justamente para discutir situações como essa).
A situação desenhada pela magistrada é totalmente aversa da ora norteada: trata-se de alguém que adquiriu veículo roubado (pois conforme se extrai da sentença, a placa do carro era adulterada e o chassi do mesmo era raspado), e que provavelmente pagou alguma quantia pouco substancial pelo veículo e não o transferiu para seu nome, pois a reportagem veiculada pelo site do Tribunal foi cristalina ao dizer que “Jhonatan foi abordado por policiais enquanto dirigia o veículo roubado” e que o adquirente do veículo “não tinha a intenção de pagar as prestações, mas para andar até que houvesse a apreensão do carro por força de decisão judicial”.
Nesse toar, colaciona Guilherme de Souza Nucci [Prática forense penal. 1ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 23], Mirabete e os grandes estudiosos do assunto em seu magistério – bem como os Tribunais Superiores – que para formar um juízo de convicção pleno, todo procedimento judicial acusatório criminal deve fornecer elementos mínimos de materialidade e autoria delitivas e, pelo teor das informações contidas no corpo da notícia veiculada no sítio do Tribunal Goiano supra identificado, não houve comprovação legítima da posse desse veículo.
E, face a presença de materialidade e autoria delitivas robustas em desfavor do acusado, quais sejam: “o denunciado, (…) conduzia (…), 01 (um) veículo Peugeot 408, ostentando placa adulterada, (…) e ao consultarem a placa que ele ostentava (JIW-8432 DF), constataram que o chassi havia sido remarcado e que as tarjetas autodestrutivas, que ficam localizadas na coluna da porta do lado do passageiro estavam adulteradas”.
A Magistrada Placidina Pires, diante disso entendeu que se configurou o crime de receptação e, consequentemente, condenou o acusado nas penas que entendeu adequadas e necessárias ao caso concreto.
A situação foi somente essa e nada mais. Agora, muitos me perguntaram na época acerca do tipo de providência que se deve tomar para evitar a classificação do crime de receptação desenhado pela Drª. Placidina Pires.
Bem, o primeiro passo é tentar adquirir esse veículo em uma concessionária da marca do carro pretendido. Isso porque é um local onde geralmente se oferece alguma garantia e dados fidedignos do veículo – além de serem lugares onde se costuma fazer um filtro do que é essencial para entregar o carro ao futuro proprietário, como saber se ele foi recuperado de um sinistro e se há bloqueios administrativos – e até mesmo pendências judiciais.
Nesse toar, oportuno realçar que o veículo comprado de uma loja conta com uma garantia assegurada pelo Código de Defesa do Consumidor. O prazo é de 90 dias para reclamar de vícios em geral – e não apenas de problemas no motor e no câmbio. No caso de um vendedor particular, há a proteção do código civil, mas o trâmite é um pouco mais complicado, exigindo a contratação de um advogado e a abertura de um processo.
No que diz respeito à essas últimas, a forma mais usual são as consultas aos portais do Detran, da Secretaria da Fazenda e da prefeitura da cidade. Nesses endereços é possível consultar débitos do veículo por meio de CPF e/ou CNPJ.
Já no tocante à checagem de autenticidade do chassi e do motor, o Detran sugere ao comprador que entre em um acordo com o vendedor para a realização de uma vistoria. Ela é gratuita e atesta a autenticidade da legalidade do motor e do chassi do veículo, além dos equipamentos obrigatórios (como pneu, extintor e espelhos retrovisores, entre outros). O laudo da vistoria poderá ser usado por até 30 (trinta) dias após sua emissão no processo de transferência.
Comprar de locadoras também pode ser bom negócio, já que a maioria adquire os carros de um único dono – o único problema é que, em razão do veículo passar pela mão de várias pessoas, nem sempre são de procedência confiável.
O segundo passo é ir acompanhado de um mecânico de confiança no momento da compra, pois por trabalhar com veículos quase que diariamente, ele, ao ligar o veículo e dirigir, terá condições de avaliar com mais precisão.
Em termos de mecânica, é interessante ligar o carro em marcha lenta e verificar os níveis de ruído na cabine e de vibração do volante e da alavanca de câmbio – no caso de um modelo manual.
Oportuno também dar uma volta no quarteirão para checar também se há folga no pedal de freio e como o veículo se comporta quando passa em um buraco.
Caso isso tenha ocorrido com você, procure um advogado e lute pelo seu Direito!
Caso você tenha alguma dúvida ou sugestão, escreva aqui nos comentários. Se este artigo lhe ajudou, compartilhe nas redes sociais.
(Karina Bueno Timachi é advogada no partido MDB, presta assessoria jurídica para a dupla sertaneja Cleverson e Rodrigo, Secretária Geral da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente, Secretária Adjunta da Comissão de Direito Criminal na empresa OAB-GO; Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/GO e da Comissão de Direito de Família e Sucessões na empresa OAB-GO; Presidente Fundadora da AMU VIDA – Associação Nacional das Mulheres Vítimas de Violência Doméstica na empresa AMU VIDA – Associação Nacional das Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Presidente Fundadora da ABRA FAMA – Associação Brasileira de Direito de Família, Sucessões e Cível na empresa ABRA FAMA – Associação Brasileira de Direito de Família, Sucessões e Cível)
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