“A nossa sociedade vai em uma direção muito diferente do teatro”
Diário da Manhã
Publicado em 29 de agosto de 2018 às 23:33 | Atualizado há 2 semanasCesare Lievi é conhecido ao redor do mundo pelo seus feitos teatrais. Ele é diretor de teatro, poeta e dramaturgo. Já trabalhou em remontagens e peças autorais na Europa e em muitos países da América, inclusive no Brasil. O dramaturgo, em entrevista exclusiva ao DMRevista, falou sobre sua trajetória, a história do teatro, sua correspondência com o público e o futuro desta expressão da arte.
“Eu sou principalmente diretor de teatro, de prosa e ópera. Trabalho na Itália, mas também na Suíça, na Áustria e na Alemanha como diretor de teatro. Eu ensino teatro de prosa e música, mas sou autor de teatro, eu escrevo peças. As peças que escrevo são representadas também em várias partes do mundo. Depois de ser dramaturgo sou poeta, escrevi livros de poesia e sou autor de um romance”, declara Cesare a respeito da sua complexa ligação com o universo das artes.
O dramaturgo conta que já integrou apresentações nos teatros mais conceituados do globo: “Como diretor de ópera trabalho em todo o mundo, como no Scala de Milão, na Ópera de Viena, na grande Ópera de Paris. Também trabalhei em Berlim, Tóquio, São Paulo, Bolonha, os melhores teatros de ópera do mundo”. O Scala de Milão é o teatro lírico mais famoso do mundo, conhecido pelo título de “o teatro dos teatros”, principalmente no campo da ópera. Viena divide com Milão o título de capital mundial da ópera com uma grandiosa história que se estende desde o século XIX.
Os irmãos Cesare e Daniele Lievi, que cuidou da cenografia e figurinos, construíram uma apresentação de “Barbablù” de Georg Trakl. Uma produção emocionante com 70 minutos de duração, feito com exclusividade para a Bienal de Veneza em 1984. Barbablù originalmente foi concebida como uma performance de marionetes pelo poeta austríaco Trakl, na montagem dos irmãos Lievi transformou-se em um poema visual. Após a morte de Daniele o Burgtheater, em Viena, reviveu a apresentação em sua homenagem, em um show de grande sucesso.
Os palcos brasileiros também já foram agraciados com o trabalho do dramaturgo. “Em São Paulo, há dois ou três anos atrás trabalhei na remontagem da ópera “Manon Lescaut” de Puccini” menciona Cesare. O espetáculo teve a direção musical e a regência do Maestro John Neschling e a direção cênica de Cesare Lievi, com importantes intérpretes italianos como os tenores Marcello Giordani e Giuseppe Valentino Buzza.
A RELAÇÃO TEATRO E PÚBLICO
Cesare aponta que existem diferenças essenciais entre o público na Europa e na América devido ao fato do velho continente ser o berço do gênero em sua forma moderna: “O teatro em sua forma moderna é nato da Europa. O desenvolvimento do teatro está ligado ao desenvolvimento da sociedade burguesa. A primeira manifestação de teatro, exceto as manifestações na Grécia Antiga, vem com o renascimento italiano e depois se expande por toda a Europa”.
Em relação ao elo entre classe social e teatro o diretor explica: “É um dos gêneros de arte, primeiramente, preferidos da aristocracia, depois pela burguesia. A burguesia utilizou este meio para expressar-se a si mesma. Mas esta arte ao gosto da burguesia foi alcançando uma expressão popular, atendendo a parcelas populares. Tanto que existem expressões populares de teatro, como a commedia dell’arte”. A commedia dell’arte surgiu na Itália do fim do século XVI, trata-se de um gênero que contém elementos de mímica e influências da arte circense, marcadas pelo improviso do diálogo e da ação a partir de uma trama preestabelecido.
Cesare explica que apesar de suas raízes aristocratas o teatro desenvolveu-se para outras direções, guardando suas particularidades em diferentes lugares do mundo: “O teatro não é uma instituição da burguesia. A burguesia brasileira por exemplo não usou o teatro como um meio de difundir sua ideologia, como foi na Europa. Seria muito difícil explicar a estrutura do teatro, como ele surgiu na Europa e como é cultivado aqui no Brasil, inclusive no sentido popular. Foram surgindo depois outras modalidades de teatro, com outros interesses de comunicação, ligados inclusive a problemáticas sociais”.
Cesare explica as questões estruturais que diferem a correspondência do público ao teatro aqui e na Europa: “A estrutura do teatro italiano de prosa por exemplo, existe o teatro público financiado pelo Estado. Na Alemanha essa estrutura também é financiada pelo Estado. Mas se for comparar a estrutura oficial da Itália com a Alemanha, se na primeira vinte instituições públicas financiam o teatro, na segunda são 200”.
“Eu trabalho muito na cidade de Viena, lá tem muitos teatros, mas o grande teatro de Viena se chama Burgtheater, um espaço que tem mais de duzentos anos e financiado com dinheiro público. A estrutura mantém duzentos atores, muitos técnicos e faz espetáculos diários onze meses por ano. A cidade vive em relação com o teatro, fala com o teatro” completa o diretor.
SOCIEDADE E TEATRO EM CAMINHOS DIFERENTES
Cesare se mostra preocupado com o futuro desta expressão artística: “Eu acho que é um gênero, que inclusive na Europa, vai morrer. Não é somente um problema da participação dos jovens, pois eles são interessados, se você leva um jovem no teatro ele gosta da experiência, se ele tem essa possibilidade. Mas necessita de tempo para despertar o interesse no teatro, ir esporadicamente não é o suficiente para provocar esta interação”.
O diretor explica que o principal fator de decadência de público no teatro são às novas formas de consumo da informação: “Eu disse que o teatro vai morrer e eu explico o motivo e não é culpa do jovem. A questão é que a nossa sociedade vai em uma direção muito diferente do teatro. Por exemplo, o teatro precisa de um tempo muito lento, você deve sentar, ter paciência, estar lá, olhar, escutar, são imagens, palavras que juntos formam a apresentação, mas tudo muito lento. Os olhos modernos gostam de uma velocidade, a informação é consumida de uma forma muito rápida. O teatro é um lugar do pensamento. Nós somos bombardeados pela imagem e a essência do teatro não é esse bombardeamento”.
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