Entretenimento

Uma combinação inseparável

Diário da Manhã

Publicado em 28 de setembro de 2018 às 03:04 | Atualizado há 6 anos

A migo literato, tradicional­mente jornalismo e litera­tura apoiaram os cotove­los em balcões de bares. Pode ser a espelunca da esquina ou aquele tal gourmet do outro lado da cidade. Aliás, é praticamente impossível de­sassociar um do outro. É como falar em futebol, mas se esquecer da sele­ção tricampeã do mundo, em 1970. É como discorrer sobre samba, mas sem citar Martinho da Vila.

Todavia, caro leitor, lembre-se: nem todo mundo é Hunter Thompson ou Paulo Leminski. O pai do jornalismo gonzo tinha tolerância ao abuso de ál­cool. Já o poeta curitibano selou um pac­to com seu fígado. “Ele não me incomo­da, e eu não o incomodo”, salientou o curitibano. Para ser etílico e exercer ple­namente o ócio, é necessário um árduo trabalho e, muitas vezes, o aconselhável é ser pago para exercer o ofício.

Nada mais justo. Cartunista do Pas­quim na década de 1960, durante a dita­dura militar, Jaguar era famoso por secar várias garrafas de biritas pelos bares ca­riocas. Tinha fama de ser um dos maio­res beberrões, já que se viu na história da boemia brazuca. “Fui corneado pelo meu fígado”, sentenciou ele, que já disse ter tomado porres homéricos com Gra­ciliano Ramos, Leminski e Vinícius de Moraes, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo.

Ruy Castro, autor de biografias de Garrincha e Nelson Rodrigues, tam­bém era fã de um uísque. Mas o escri­tor encaretou ao longo das últimas dé­cadas. Atualmente, o jornalista é autor da máxima de que grandes obras da li­teratura poderiam ter sido mais geniais sem a ajuda de um Scotch. Ao parar de beber, conta ele, ainda conseguiu pro­duzir outros livros.

Ora, amigo boêmio, hoje é sexta­-feira, dia obrigatório de travar o dis­co sem peso na consciência.

Chega de blá-blá-blá.

Vamos lá. Confira a dica de gran­des obras da literatura que são mo­lhadas à birita.

Diário de um jornalista bêbado (L&PM) – História do gonzo no Cari­be que vai deixar sua vida tediosa. De­bochado, irônico e sarcástico, a obra de Hunter lhe embriagará logo no primei­ro capítulo. “Sentia a cerveja escorrendo pelas veias”, narra o protagonista, Paul Kemp, logo ao chegar em San Juan, em Porto Rico, no Caribe. É uma boa intro­dução à obra do gonzo.

Paris é uma festa (Bertrand Bra­sil) – Papa das letras estadunidenses, Ernest Hemingway era conhecido por se embriagar homericamente. Suas peripécias foram contadas nesta obra. Inclusive, Hemingway detalha um viagem que fez com Scott Fitzge­rald – que também tinha gosto pela bebida, mas tentava disfarçar o háli­to etílico à sua esposa, Zelda Fitzge­rald. Recomendável.

Paraísos artificiais: o haxixe, o ópio e o vinho (LP&M) – O poète mal­diti Charles Baudelaire é tido como um dos caras que mudaram o curso da li­teratura no século XIX. Famoso por fre­quentar os cafés parisienses, ele discor­re sobre os efeitos das três substâncias citadas no título da obra. O texto é cons­tituído por ensaios e evidencia todo o lado ensaístico de Baudelaire.

Pornopopeia (Objetiva) – Em cada esquina há de ter uma saideira. Este é o lema de todo bebum que tenha o míni­mo de dignidade. Autor de Tanto Faz, clássico da literatura contemporânea bra­sileira, Reinaldo Moraes apresentou uma nova forma de escrever romance. Em Pornopopeia, ele narra a saga de Zeca, um cineasta que faz qualquer coisa por alguns minutos – ou horas – de prazer.

Crônicas de um louco amor (L&PM) – Poderia ser qualquer coisa do velho Bukowski, mas escolhi este por causa do primeiro conto, A Mulher Mais Linda da Cidade. Lírico, poético e niilista, Buk é era um bêbado, com li­cença Xico Sá, estou me apropriando de sua frase, mas nem todo bêbado é um Bukowski. Isso deve estar bem claro na cabeça de qualquer um que se aventu­re na saga boêmia de cada dia.

A pátria de chuteiras em sandálias da humildade (Realejo Livros & Edições) – Escrito pelo jornalista botequeiro Xico Sá, o texto, pela capa da obra, tem tudo para ser só sobre futebol. Mas, ao longo das frases e deboches do cronista, o leitor se depara com histórias hilárias de sofri­mento e bebedeira. Afinal, nada melhor do que amaciar a derrota do seu time com umas biritas. No livro, há crônicas que contam histórias sobre o convívio de Sá com o doutor Sócrates.

Medo e delírio em Las Vegas – uma viagem ao coração da América (LP&M) – O doutor Hunter Thompson era um demente. Uma espécie refinadíssima de demente, melhor dizendo. Depende da ótica, um cidadão quase respeitável. Al­coólica e jornalisticamente, Medo e De­lírio é como um cara que pensa na cer­veja durante o expediente.

Bem, meus caros, se não houvesse álcool no mundo, amigo leitor, a crônica nem sequer teria existido. A maioria das histórias – de João do Rio a João Antônio, passando por Paulo Mendes Campos e Nelson Rodrigues – foi influenciada pela “mardita” cachaça. Sem mais.

Sentiu falta dealgum livro? Mande seu comentário no e-mail que está na capa deste caderno.

 

]]>


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias