Frango de granja x galo de quintal
Diário da Manhã
Publicado em 26 de setembro de 2018 às 23:13 | Atualizado há 6 anosEm primeiríssimo lugar, a culpa pela derrota é dele mesmo. Daqui a alguns dias, quando soar o implacável veredito das urnas, vão todos sair à procura de argumentos para justificar o desastre, a começar pelo próprio Zé. Ele e seu grupo mais chegado, provavelmente, vão esparramar que o fardo depositado nas costas do candidato foi pesado demais, no coroamento de uma longa e desgastante cadeia vintenária de poder. Que nem ele nem Hércules seriam capazes de tamanha tarefa, a de carregar a cruz dos desgastes do Tempo Novo e do seu fundador Marconi Perillo.
Não se pode negar: Zé herdou um Estado em condição financeira precária, mantida em segredo, mas escancarada quando deixa de pagar até seringas e agulhas nos seus hospitais para garantir a qualquer custo a quitação da folha de pessoal, pelo menos até a eleição. Que não repassa aos bancos as mensalidades de empréstimos consignados descontadas dos salários dos seus servidores – inscritos no Serasa em razão de um atraso que não é deles. Que não libera o dinheiro da Bolsa Universitária e não recarrega os cartões do Passe Livre Estudantil. Que não cumpre com miudezas tais e nem com enormidades como o recolhimento das milionárias parcelas da dívida estadual (a de agosto, ainda não honrada foi de R$ 200 milhões). Um cheiro de quebradeira paira no ar.
O Estado que foi repassado para a gestão do Zé – e ele nada fez para tentar corrigir alguma coisa, apenas continuou bovinamente tocando do jeito que recebeu – não tinha como não tem solução e só reencontrará o caminho através de uma ruptura política que através de uma radical alternância de poder. Esse é o caminho para a recuperação da credibilidade e da governabilidade e é por isso que Ronaldo Caiado lidera e prepara-se para vencer a eleição no 1º turno ou, remotamente, no 2º turno, não importa. Zé tem responsabilidade porque engoliu calado essa situação, de olho em uma eleição que imaginava fácil para quem estivesse sentado na cadeira de governador. Depois de dois mandatos de vice, achou que tinha tirado a sorte grande na loteria e automaticamente se autopremiaria com mais quatro anos na titularidade da posição.
Mas, perguntarão os leitores, isso significa que Zé se derrotou sozinho? Que se autoderrotou? Também. Zé é uma pessoa totalmente inapropriada para a missão que erroneamente foi entregue em suas mãos, a de representar o maior grupamento político de Goiás, sob a liderança do PSDB, nas eleições. Não nasceu para a política e não a aprendeu nos mais de sete anos que passou na confortável e privilegiada função de vice-governador. Zé é advogado, é na advocacia que sabe como se sair bem e é para lá que deve voltar o mais depressa possível, abandonando qualquer veleidade no campo onde se meteu sem ter qualquer mérito ou vocação.
Se consciência fosse o seu forte, Zé deveria ter resistido à tentação da candidatura. A partir do momento em que a admitiu, começou a trilhar um caminho de erro atrás de erro, dada a sua natureza pouca afeita a conselhos e opiniões e à sua índole de inassessorável. Ao seu espírito autoritário, enfim. Não daria certo jamais. Não é talhado para isso. Certa vez, Ronaldo Caiado, em um bate boca com o ex-secretário de tudo e atual secretário de Saúde Leonardo Vilela, chamou-o de “frango de granja”, para ressaltar a sua falta de estofo político. Não é necessário dizer mais: Zé, nesse terreiro, também não passa de um belo frango de granja.
REJEIÇÃO DE MARCONI
Mas há mais responsáveis pela derrota do Zé, além dele mesmo. O maior de todos é o ex-governador Marconi Perillo, candidato majoritário mais rejeitado nesta eleição. Quando a pergunta feita ao eleitor pelos institutos de pesquisas é “Em quem você não votaria de jeito nenhum?”, o nome mais citado é o de Marconi (lógico, em seguida vem o do Zé). Graças a isso, a candidatura do Zé foi acolhida como mais uma manifestação da sede de poder de Marconi, que deixou o governo, mas almeja seguir mandando através de uma marionete. É certo que qualquer um, no lugar do Zé, perderia do mesma forma, impregnado pela reprovação que emana do tucano principal.
Nos últimos 20 anos, Marconi erigiu-se à condição de líder político número um do Estado e isso ninguém pode contraditar. Fez coisas boas e coisas ruins, reconhece-se, mas a exposição exagerada acabou em cansaço. Sua presença passou a ser sufocante. Deixou de ser moderno, a tal ponto que hoje quer ganhar uma vaga no Senado exigindo do eleitor um voto de gratidão por tudo o que fez, pela Bolsa Universitária, pelo Vapt Vupt, pelo Hugol, pela Renda Cidadã, pelo Crer, pelas estradas que asfaltou, pelas indústrias que vieram para Goiás e por mais dezenas ou talvez centenas de realizações. E daí? dizem os goianos. Se fez, foi porque foi colocado em um cargo onde tinha a obrigação de fazer, tendo até recebido um bom salário para isso. E, mais ainda, se fez, fez com o dinheiro dos impostos que pagamos, em certos casos não tão bem aplicado.
Tudo isso significa que nem discurso propositivo Marconi tem mais, ao se limitar a cobrar uma retribuição do eleitor à sua extensa folha de serviços. Ele virou carga negativa para o Zé, que, por fidelidade, assim que tomou posse no cargo de governador, assinou como primeiro ato da sua administração o decreto de nomeação do cunhado Sérgio Cardoso para uma conselharia de Contas. Decisão legal, diga-se de passagem. Mas de um simbolismo perverso em termos de moralidade, passando o Zé para a sociedade a imagem concreta da absoluta submissão ao seu senhor. Esse passo inicial enterrou o futuro do governo-tampão e plantou, lá atrás, nos idos de abril, o insucesso como seu destino final. O que começa mal, termina mal.
Zé e Marconi são os grandes responsáveis pela derrota do Zé. Mas não só os dois. Tem a plêiade de joões furtados, jaymes rincons, raquéis teixeiras, leonardos vilelas e todo um rebanho de vacas sagradas que se tornou intocável ao longo das duas décadas que senilizaram o Tempo Novo. Que Estado é esse onde pouco mais de meia dúzia de personagens são as únicas qualificadas para compor uma equipe de governo, ano após ano, em regime de rodízio, troca-troca de cargos e ação entre amigos?
Portanto, chega, diz o eleitor que resolveu adotar a mensagem de mudança pregada por Caiado. Em cada 10 goianos que pretendem comparecer às urnas, um votará branco ou nulo, um escolherá Daniel Vilela, um ficará com Zé Eliton e seis teclarão o número do candidato democrata. É muito, constituindo-se em uma maioria que tem raízes profundas na sociedade e por isso, há meses e meses não se altera, a não ser para inflar ainda mais. Para o Zé, a eleição se tornou a luta inglória do frango de granja contra o galo de quintal.
VEREDITO DAS URNAS
Depois que uma eleição passa e os resultados são proclamados, não é difícil, em retrospectiva, analisar o que houve e entender o veredito final das urnas. Mas esta que está em andamento em Goiás é uma exceção à regra: desde já, não há dificuldades para compreender o que está se passando e qual tende a ser a decisão final do eleitor.
Depois de 20 anos de poder, o Tempo Novo de Marconi Perillo afadigou os goianos. Mesma conversa, nomes tais e quais, mesma soberba, os acertos e erros de sempre. Zé Eliton recebeu essa carta e, sem qualidades e força para levar o fardo adiante, vergou. A sua candidatura de continuidade não pegou. A cabeça do eleitor voltou-se para Ronaldo Caiado, sinônimo e garantia de mudança administrativa. Caiado, a 10 dias da data da eleição, continua onde sempre esteve, no 1º lugar das pesquisas, léguas à frente dos concorrentes. É ele que Goiás quer.
A derrota do Zé está posta na mesa. E agora ameaça também Marconi e Lúcia Vânia (esta, na avaliação deste jornalista, já dançou), o que representará uma faxina completa na velha política estadual. Como isso está acontecendo? Simples: os tucanos fazem campanha apresentando como trunfo o passado, prometendo fazer o que já foi feito e repetir tudo o de bom que houve nas últimas décadas – e o eleitor, que não é bobo, logo imagina: e tudo o que de ruim houve também. Sendo assim, basta. Chega. Vota-se pelo futuro e não com os olhos para trás, como exigem Marconi, Zé e Lúcia.
Viu, leitor? Não é fácil entender? Nem foram necessárias muitas palavras. Marconi saiu do governo, em abril, com aprovação baixa. Zé está no governo com aprovação menor ainda. Quem é que vai dar mais quatro anos para um tipo de gestão que não agrada mais? Poizé… o resultado da eleição virá daí.
(José Luiz Bittencourt, jornalista e autor do Blog do JLB – blogdojlb.com.br)
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