Opinião

O menino vírgula

Diário da Manhã

Publicado em 24 de setembro de 2016 às 02:54 | Atualizado há 8 anos

Qual é o jogo nos tempos de Pokémon? Encaminho a você este dilema e faço outra pergunta: que tipo de leitura você indicaria a um jovem que gosta de ler? Nietzsche para desvendar a alma das pessoas, Dostoievski para falar sobre política ou a poesia de Fernando Pessoa? Se fosse indicar alguma obra de tetro, o genial Shakespeare estaria na cabeça da lista. Que tal indicar Maquiavel para ensinar a enganar os outros? Respondo logo para que o pensamento de Maquiavel não prospere: Entre a filosofia arrivista de Maquiavel prefiro a humanista do apóstolo Paulo; questão ‘de peso e medida’.

Já que falo sobre hipótese, imagino um jovem entrando numa livraria de shopping. Na primeira estante estão Os 10 Livros Mais Vendidos do Ano. Na outra Os Romances que Deram Origem aos Filmes Mais Importantes dos Últimos 100 Anos. Na terceira estante Os Escândalos de Corrupção na Petrobras. A Livraria Leonardo da Vinci, do Rio de Janeiro, teve uma ideia brilhante: fez uma pilha de livros encapados com papel craft sem mencionar o nome do autor nem do livro. E deu informações sobre o conteúdo: “Não temos pokémons, mas seres fantásticos.” Depois uma provocação ao leitor: “Mussolini e seus herdeiros queimariam.” No último pacote: “Um livro desagradável.”

Talvez seja bom pensar muito antes de indicar um livro a alguém. Neste cenário jovem das redes sociais de 2016 duvido que Monteiro Lobato fizesso sucessos com as crianças. E Nelson Rodrigues que escrevia olhando “pelo buraco da fechadura” pode não ser o autor preferido das feministas. Mas o jogo de leitura proposto pela livraria do Rio é mais interessante do que procurar pokémon. Na literatura, muito mais do que poções, incensos, doces, ovos, existe a magia de fantásticos mundos interiores que nos levam ao conhecimento.

Conheci um garoto no colegial que se dizia o menino vírgula. Ele adorava ler Júlio Verne que lhe ensinara três coisas na vida: destacar, marcar e interpretar os momentos importantes. Ele separava textos e parágrafos para ter certeza do caminho que lhe indicava o autor. Pois é. E como está a crônica de jornal que consagrou dezenas de escritores? Eu percebo uma confusão de quem escreve nos jornais. Tem momentos em que fico na dúvida se o cronista quer dizer se o Lula soubesse o valor que tem o concursado, ficaria de joelhos à sua frente. Ou se o Lula soubesse o valor que tem, o concursado ficaria de joelhos à sua frente. Então…

Vou arriscar uns palpites jogados pela jornalista Marília Melz sobre alguns cronistas que escrevem sobre polêmicas, angústias e prazeres e são bons escritores. Xico Sá, escreve às sextas-feiras em El País sobre as mulheres e as fraquezas dos homens. Ivan Martins, às quartas-feiras na revista Época, mostra que amar, sofrer por amor, e, sobretudo, ser amado, tem os dois lados da mesma moeda. Fabrício Carpinejar usa frases curtas, suaves e simples para expressar sua maneira de ver a vida; confira no seu blog. Maurício Duvivier, contundente, o mesmo do Porta dos Fundos, escreve na Folha de São Paulo.

Pois é de novo. Uma livraria é mais cheirosa do que um caminhão de abacaxi ao sol neste começo de primavera no cerradão. E ler uma boa crônica é mais prazeroso do que caçar Pokémon. Sábado de luz para todos.

 

(Doracino Naves, jornalista; apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, PUC TV, sábado, 12h30. Reprise, domingo, 20h)

 

]]>

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias