Padre Almir, o missionário de Patos de Minas -II
Diário da Manhã
Publicado em 27 de agosto de 2016 às 03:04 | Atualizado há 8 anosPassavam-se os primeiros meses de ‘Seminário’, e Almir ia notando, discretamente, que alguns de seus colegas e conhecidos das variadas Salas que frequentavam o ‘Seminário Maior’, olhavam-no de maneira diferente, com ares de julgamento, ou mesmo de uma maneira excludente. Isso porque o Seminário do Rio de Janeiro tinha a fama de ser ‘marióloga’, ou seja, aprofundava-se em detalhes sobre o estudo da vida de Maria, o que, na observação de Almir, era uma injustiça e uma realidade distante da verdadeira história. Influenciado pelo Padre Juvenal Arduini, tido como ‘cristólogo’ e uma das maiores inteligências do Clero do Século XX, falecido em outubro de 2012, Almir passou a se dedicar com enorme esforço aos estudos, visando a tornar-se, um dia, amplo conhecedor de Teologia e Liturgia, com apoio na inspiração ‘cristóloga’. Sua admiração por Juvenal era tamanha que, mesmo anos após ter-se ordenado, repetia aos quatro cantos: “Não tivesse saído do Rio, não teria tido a melhor coisa que me aconteceu, no Seminário: Ter convivido com Padre Juvenal Arduíni. Foi ele quem me ensinou a ser ‘cristólogo’!”
O período em que Almir viveu e estudou no Rio de Janeiro foi marcado por uma constante disciplina e acentuada severidade, como era no Seminário, devido ao sistema de trabalho de Dom Jayme de Barros Câmara. Almir chegara a Uberaba trazendo um pouco dessa característica, que fora armazenada desde aqueles tempos. E, em Minas, guiado pela figura de Dom Alexandre Gonçalves Amaral, muito mais severo que Dom Jayme, Almir passou, então, a ter receio de tornar-se um sacerdote tão rígido como eram aqueles com quem convivia e, mais ainda, diante da seguinte formação recebida: ‘…Fora da Igreja não há salvação’, como preconizava o Concílio de Trento. Nos quatro anos do Curso de Teologia, apenas três colegas freqüentavam a Sala de Aula: Flávio Silva, Antônio Severo Alves e Almir Neves de Medeiros, que ficou conhecendo Antônio Severo e Almir Neves de Medeiros. Os cursos realizados por eles e respectivos professores eram: Teologia Dogmática, com Padre ‘Juvenal Arduíni’; Escritura ou Bíblia, com Padre José Fernandes de Araújo; Teologia Moral, com Monsenhor Genésio Borges; Direito Canônico, Oratória Sagrada, com Padre Juvenal Arduíni: e Grego, com Padre Jorge Tomaz Filho. No dia 30 de setembro de 1953, duas correspondências foram expedidas por Almir. Uma delas com destino ao Reitor do Seminário, Padre Juvenal Arduíni, manifestando-lhe o desejo de receber a Tonsura Clerical; noutra, escrita de próprio punho, Almir fez idêntica manifestação dirigida ao Bispo Diocesano de Uberaba, Dom Alexandre Gonçalves Amaral.
Nas férias de julho e dezembro, sempre ia ao encontro da nova família. Dona Isaura mostrava e demonstrava o seu amor materno, acompanhada de seu esposo Jorge e dos filhos. No início do ano de 1954, Almir foi convidado pelo Reitor do Seminário, e começou, imediatamente, a ministrar aulas de Português Francês e Latim.
Em data de 27 de março de 1955, Almir recebeu, na cidade de Uberaba, as Ordens do Exorcistado e Acolitato. Mas, assim como na infância e na adolescência, Almir continuava a se sentir só. Seus únicos três colegas de Sala eram individualistas, fato que deixava Almir um tanto quanto triste. A ausência da família no quotidiano era um peso a mais nos acontecimentos. Mas havia um amigo, prestes a se ordenar, preenchia parte do tempo solitário de Almir. Era o ‘primo’ Josias Tolentino, da cidade de Presidente Olegário, com quem, às vezes, ele desabafava sobre “o que esperar do futuro para si e para a juventude”. Josias sempre foi solidário com seus sonhos, encorajando-o ao máximo, e prometendo apoio total, após a ordenação na cidade de Patos de Minas. Antes mesmo de se ordenar, mil idéias religiosas batiam em sua mente. Almir não pretendia mudar o mundo, mas achava que a juventude merecia um mundo bem melhor. Uma constante fuga para ele sair da rotina eram as correspondências dirigidas a amigos e familiares. Talvez fosse esse o maior desabafo diário que encontrara. Padre Wilsom e Antônio Caixeta, da cidade de Sapucaia, recebiam esses desabafam com freqüência. Neles, Almir sempre citava os jovens, acreditando serem, eles, os pilares para uma mudança radical, em diversos segmentos. Mesmo distante da juventude de Uberaba, mas já tendo a certeza de que a mocidade de Patos de Minas o esperava, seus olhos brilhavam. Sentia que, em breve, a Igreja iria sofrer alguma mudança: O povo exigia! E o padre seria um portador importante nessas transformações. Ele sentia que um papa daria uma guinada na história religiosa, acordando o cristão para uma vida mais fraterna e mais ‘cristóloga’. Dom Alexandre Gonçalves Amaral, Bispo Diocesano da cidade de Uberaba, escreveu aos vigários das paróquias de Presidente Olegário e Sapucaia, uma correspondência data de 21 de abril de 1955, solicitando um levantamento de conduta do diácono Almir Neves de Medeiros, com os quesitos que foram respondidos pela Paróquia de Presidente Olegário, no dia 20 de maio de 1955, e pela Paróquia de Sapucaia.
Dez meses antes da ordenação de Almir, o Bispado de Patos de Minas enviou a sua primeira carta-circular informando que, no dia 8 de abril, iria conferir as ordens sacras aos quatro Seminaristas da Diocese, dentre eles o subdiácono Almir Neves de Medeiros. No Natal e na passagem do ano, Almir ficou no aconchego familiar, na cidade de Presidente Olegário.
A ordenação de Almir Neves de Medeiros ocorreu na manhã de domingo, dia 28 de outubro de 1956, na Catedral de Santo Antônio, em Patos de Minas, juntamente com o Clérigo Antônio Severo Alves. Almir foi o primeiro sacerdote da nova Diocese, sendo consagrante o Bispo Dom José André Coimbra. Padre Almir sabia que, pelo sacramento da Ordem, receberia um caráter indelével que lhe conferiria o poder de Cristo, na terra, e que ele deveria satisfação tão e somente a seu Bispo, a quem obedeceria de forma absoluta. O vigário de Presidente Olegário, Padre José Bento Guimarães, publicou extenso folheto, com a extensa programação das solenidades referentes aos meses de outubro e novembro, encerrando-a dia primeiro de dezembro.
O principal poder do sacerdote é consagrar e distribuir o Corpo e o Sangue do Senhor Jesus. Ao lado desses ritos santificadores fundamentais, os Sacramentos que o padre está sempre disposto a ministrar ao fiel sequioso de bênçãos celestiais.
À época da ordenação de Padre Almir, Patos de Minas era uma cidade de pouco mais de cinqüenta mil habitantes. E logo após a sua ordenação sacerdotal, ele foi convidado pelo Bispo Diocesano, Dom José André Coimbra, para ser o Chanceler do Bispado, cargo que exerceria de 1956 a 1964. Também a pedido de Dom José, assumiu o jornal semanário ‘Folha Diocesana’, já na sua terceira edição, publicada a 23 de dezembro de 1956, como seu diretor-responsável. Logo na primeira edição sob sua direção, Padre Almir, contrariando as diretrizes tradicionais do jornal, adotou a causa estudantil, reservando uma coluna para os jovens estudantes. Logo depois, em 1957, sendo Instrutor do Tiro de Guerra 91, hoje 04-013, o Sargento Haroldo Batista convidou o novo sacerdote para ser o Capelão. Padre Almir foi, assim, o iniciador dessa Capelania, e permaneceu até 1969, recebendo o título honorífico de ‘Soldado Paisano do Brasil’. Com o encerramento da Escola Técnica de Comércio ‘Pio XII’, Maria da Penha de Castro Olivieri, Secretária daquele educandário, sentindo vários segmentos em atividade no meio estudantil, convidou Padre Almir para fundar um colégio na cidade, convite aceito, daí surgindo o Colégio Comercial Sílvio de Marco, criado em 1958.
A Juventude Estudantil Católica (JEC) foi um movimento que teve por finalidade a redescoberta da Igreja pelos estudantes, e a difusão do Cristianismo dentro das escolas. Em seguida, por meio de encontros, deliberou-se que os seguidores da JEC deveriam, juntamente com a evangelização, levar às pessoas da comunidade a mensagem da Justiça social. Esse movimento foi trazido para Patos de Minas por Padre Almir e seu amigo Padre Josias, no início de 1958. Padre Almir começou a fazer reuniões com a Juventude, falando sobre sexo, e fazendo pregações. Também no ano de 1958, a Rádio Clube de Patos de Minas abriu o seu microfone para que pudesse usá-lo na missão religiosa. A cidade de Patos de Minas estava num período de efervescência de idéias e múltiplas reuniões. Foi nessa época que o Bispo Dom José André Coimbra fundou o Seminário ‘Pio XII’. E, no dia da inauguração, convocou Padre Almir para ser professor do estabelecimento, e também Diretor Espiritual do Seminário.
No ano de 1958, com a renúncia de Monsenhor Manuel Fleury Curado como Pároco, Padre Antônio Alves de Oliveira foi nomeado para substituí-lo. Padre Antônio Alves, natural de Patos de Minas, foi nomeado para substituí-lo. Padre Almir foi afetado pelo espírito romântico da época: Apaixonou-se pelo gênero musical ‘Bossa Nova’ que explodiu no final da década de ’50 e início de ’60, com João Gilberto, Vinícius de Moraes e Tom Jobim. E continuava a pensar que a sua Igreja necessitava de mudanças; o católico preocupava-se apenas com a missa aos domingos. Sempre com idéias brilhantes, o padre encontrou-se com Ordalina Vieira, professora de Francês na Escola Estadual Antônio Dias Maciel, na calçada do antigo Hotel da Luz, Rua Major Gote, e apresentou-lhe projeto de uma festa para angariar verba para a construção do Colégio Municipal de Patos de Minas. Dali, Ordalina encontrou-se com a sua amiga Lia Brochado Dias, natural da cidade de Paracatu, proprietária da Loja ‘Rio Modas’; e as duas amigas seguiram para a ‘Churrascaria Brasileira’, de propriedade de Paulo Portilho, natural de Monte Carmelo, onde a idéia de Padre Almir se tornaria realidade. A primeira sugestão foi a ‘Festa da Colheira’, depois a ‘Festa do Feijão’ e, finalmente, a ‘Festa do Milho’, nacionalmente celebrada.
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail liciniobarbo[email protected])
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