Opinião

Há profissões em que, se não houver moral, só pode haver picaretagem

Diário da Manhã

Publicado em 29 de julho de 2016 às 02:12 | Atualizado há 8 anos

Eu acho que não é possível ser um bom médico, psiquiatra, sem ter uma estrutura moral. Para ilustrar isso, cito casos concretos que atendi ainda esta semana]

1- Muitos pacientes fragilizados, por exemplo, mulheres com problemas afetivos, emocionais, conjugais, familiares, sexuais. Algumas irão apaixonar-se, propor vinculações. O psiquiatra sem moral, assim como o pedófilo, dirá: “Não fui eu quem busquei, foi ela quem quis.”

2- Como lutar contra a busca de prazer desenfreada dos pacientes (hedonismo, toxicomanias, alimentação, hipersexualidade), se você não controla a sua?

3- Como mostrar para uma mãe solteira, alcoolista/tabagista/ninfomaníaca, que a vida de seu filho depende dela abandonar prazeres e uma vida que lhe é tão cara, que é a única que ela conhece?

4- Como convencer alguém que ser útil para os outros, cuidar dos filhos, zelar pela saúde mental de seu/sua companheira, é espiritualmente mais rico do que a simples satisfação dos próprios prazeres ? Como diz Dostoievski, “se Deus não existe, tudo é permitido”. Isto é, “se eu não tenho de prestar contas a Deus nenhum, por que vou trocar o que me dá real prazer por algo que só me dará prazer depois da morte” ?

5- Uma mãe solteira, alcoolista/tabagista/festeira/ninfomaníaca, nos diz: “Sei que meu filho precisa de mim, mas para mim, o prazer desta vida é mais forte do que uma promessa de vida futura.” “Não consigo sair de tanto prazer, e é tão bom que não me sinto forçada a isso; meu filho acaba se virando, algum parente irá tomar conta dele, ele acaba se virando sozinho, alguém ajuda…” Eu pergunto: “Mas e seu papel de mãe perante Deus?” Ela diz: “Não preciso pensar e não penso nessa possibilidade; e se Deus não existir?” “E se a gente tiver só esta vida para curtir e fazer o que a gente gosta?”

6- Ou seja, sem querer, ela usou o mesmo argumento que o genial Laplace, explicando o funcionamento do Universo para Napoleão e sendo indagado por esse: “Mas, Laplace, e o papel de Deus nisso tudo.” Ao que o cientista respondeu: “Não precisei lançar mão dessa hipótese.”

7- Sem moral, na maioria dos casos, o psiquiatra perde o pé da situação. Remédio sozinho controla muito pouca coisa. Chega num momento em que o paciente tem de fazer uma escolha entre o prazer e o bem-estar, seja do seu corpo , seja dos outros. E esta é uma escolha moral, não tem nada de biológica.

 

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)

 

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