À procura de responsáveis
Diário da Manhã
Publicado em 20 de julho de 2016 às 03:22 | Atualizado há 8 anosProposta do senador Jorge Viana (PT-AC) quer incluir como agravante a circunstância de praticar crime no interior de transporte público e nos terminais ou pontos de embarque de passageiros
Entrar no ônibus e se sentir seguro é algo muito distante para a realidade do goianiense. Crimes dentro do transporte público se tornaram tão comuns que deixaram de ser tratados com incredulidade e como problemas a serem resolvidos, e passaram a ser praticamente ignorados. A Polícia Militar não conseguiu resolver, os vigilantes contratados em todos os pontos do Eixo Anhanguera não parecem ter feito muita diferença e a Guarda Municipal pulou fora da responsabilidade, culpando a falta de estrutura.
E o problema não é apenas de Goiânia e Goiás, é uma situação nacional. Dadas as circunstâncias de cada cidade, a ineficiência de se garantir segurança dentro do transporte público é um caso a ser estudado. A culpa e a responsabilidade parecem migrar de tempos e tempos para alguém diferente. A empresa que fornece o serviço, a Polícia Militar, a Guarda Municipal, o governador, o prefeito e assim por diante.
Pensando nisso, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4765/16, do Senado, que inclui como agravante a circunstância de praticar crime no interior de transporte público e nos terminais ou pontos de embarque ou desembarque de passageiros. Tentando levar a responsabilidade da situação para o sistema jurídico.
Atualmente, o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) estabelece 11 circunstâncias para agravar a pena de um crime, como, por exemplo, motivação fútil ou a vítima ser criança, maior de 60 anos, enfermo ou grávida. Segundo o autor da proposta, o senador Jorge Viana (PT-AC), o número de crimes dentro de ônibus e metrôs tem crescido muito nos últimos anos. “As pessoas que utilizam o transporte público diariamente para o trabalho ou qualquer outra atividade lícita não podem ficar sob o domínio de indivíduos que utilizam o meio de transporte apenas para praticar crimes,” comentou o parlamentar à reportagem da Agência da Câmara.
No sentido simbólico, o parlamentar considera um crime cometido dentro do ônibus tão grave quanto um cometido contra uma criança, uma gestante ou um portador de necessidades especiais. E tenta responsabilizar a lei, ou a usa como instrumento de solução, para vender uma falsa sensação futura de segurança. O Código Penal já respalda a punição de todos os crimes que podem ser cometidos em transporte público. Acreditar que a solução é criar um agravante pelo local só prova a incapacidade dos parlamentares brasileiros de enxergarem a realidade, ou interpretá-la de forma funcional.
Se o ladrão rouba um celular no ônibus, ele pode ser enquadrado no Art. 157 do Código Penal (Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa), podendo pegar de quatro a dez anos de prisão. Essa pena pode aumentar de um terço até a metade caso tenha sido usada uma arma, se há uma lesão corporal, e outras várias circunstâncias.
O problema não é, e nunca foi,falta de lei.
A proposta tramita em regime de prioridade, e será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania antes de seguir para o plenário. Caso aprovada, o juiz poderá analisar as peculiaridades de cada caso para definir um aumento de pena pelo crime cometido dentro do transporte público. O aumento não é definido pelo artigo que define o agravante (art. 61 do CP: “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: […]”, então cabe a perspectiva do magistrado de como aplicar.
Usuários repudiam
Na visão dos usuários do transporte público, a solução não corre por esse meio. “Seria criar só mais uma lei para não ser cumprida. Se tivessem estrutura e capacidade de cumprir as que já existem, era o suficiente para sanar o problema. Completa falta do que fazer! ”, comentou Fernando Carvalho, de 48 anos.
Pedro Henrique, de 22 anos, já foi vítima da insegurança do transporte público. Perdeu vários bens em um assalto à mão armada (um facão), e enxerga a ideia como absurda. “Ao meu ver, o agravante é um crime ter circunstâncias específicas e absurdas, tipo motivo fútil ou ter crianças envolvidas. Roubar dentro do ônibus é tão feio, e tão grave, quanto se assaltar em qualquer outro lugar”.
Melissa de Britto, estudante de 20 anos, acredita que mesmo sendo vítima da insegurança, a mudança não é pertinente. “Não há motivo algum pra essa punição ser mais rígida do que a de um furto cometido na rua, por exemplo. Ambos são ambientes públicos e o contexto do furto, nesse caso específico, seria o mesmo. Não é como a diferença existente entre homicídio simples e qualificado ou de qualquer outro crime de naturezas e intenção divergente. É uma medida mal pensada que, além de não resolver o problema, cria uma situação de exceção desnecessária na lei”, argumenta.
Circunstâncias agravantes
Art. 61 do Código Penal:
São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I – A reincidência (Lei nº 7.209, de 11/07/1984)
II – Ter o agente cometido o crime:
- a) por motivo fútil ou torpe;
- b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
- c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
- d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
- e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
- f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma de lei específica;
- g) com abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo, ofício, ministério ou profissão;
- h) contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida;
- i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
- j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;
- l) em estado de embriaguez preordenada;
Caso aprovado, se adicionaria a letra M
- m) no interior de transporte público e nos terminais ou pontos de embarque ou desembarque de passageiros. ”
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