Cultura

Bairros do destino

Diário da Manhã

Publicado em 18 de junho de 2016 às 03:42 | Atualizado há 7 dias

Poucas invenções do ser humano conseguem ser tão intrigantes como um cemitério. Lembro até hoje do dia em que pisei no Cemitério Parque pela primeira vez, ain­da na infância. Era impressio­nante ver todo aquele mar de cruzes e imaginar que cada uma delas representa a mor­te de uma pessoa que deixou de existir, assim como eu dei­xarei um dia. Eles são capazes de nos trazer inúmeras sensa­ções: medo, saudade, tristeza, finitude, paz. Há quem os per­ceba como locais agradáveis para refletir a existência. Há os que preferem evitá-los por vários motivos. Tem ainda os que encaram como uma ex­periência estética. Nesta ma­téria, o leitor é convidado a observar a composição visu­al dos cenários que guardam os corpos dos mortos de nossa Capital.

SANTANA

O cemitério mais antigo da Capital, localizado no Setor Campinas, foi construído em 1939 e hoje é tombado como pa­trimônio histórico e cultural da cidade. Sua entrada contém for­tes traços de art déco, estilo que norteou as primeiras edificações de Goiânia. Adentrando, a pri­meira coisa que chama a aten­ção é a grande quantidade de mausoléus que contrastam épocas e variam em ta­manho e quantidade de detalhes. Existem mui­tas estátuas religiosas carregadas de expressi­vidade, capazes de nos transportar para ca­madas mentais que gritam caladas sobre o silên­cio eterno que elas representam. A delicadeza de algumas cons­truções chama tanto a atenção que um projeto lançado pela pre­feitura em 2015 pretende trans­formar o cemitério em um ponto turístico da cidade.

A missão é dar ao cemitério um status de museu a céu aberto, título que não seria indigno ten­do em vista a riqueza das estátu­as e das casinhas. Casi­nhas essas capazes de impressionar crianças e adultos. Várias per­sonalidades marcan­tes da história da cidade estão en­terradas no Santa­na: Pedro Ludovico Teixeira, fundador de Goiânia, e sua esposa Gercina Borges, o poeta Léo Lynce, o jornalista Jai­me Câmara, o primeiro prefeito de Goiânia, Venerando Freitas Borges, entre outros. A impres­são inicial é de que é um cemité­rio bem cuidado, pois havia aca­bado de sair do Cemitério Parque Municipal, que colocou diante dos meus olhos várias coisas que não esperava ver. Digamos que o Cemitério Santana é o mais poé­tico de todos.

PARQUE

Sem dúvidas, o mais intrigan­te de todos. São cerca de qua­tro alqueires e meio rodeados por pequenos muros brancos. Ao longe, o monumento pontia­gudo de concreto se destaca em meio aos túmulos de mais de 210 mil pessoas que deixaram de existir. As lápides são dez vezes mais simples que as do Cemité­rio Santana. A “ala dos indigen­tes” chama a atenção por con­seguir ser ainda mais simplória que as outras. Cruzes que bro­tam da terra e pronto – sem no­mes, sem datas, sem nada. Na beirada dos caminhos traçados de forma confusa, pude identifi­car pelo menos algumas dezenas de túmulos violados e visivel­mente vazios, além de emara­nhados de lixo com restos de cai­xões apodrecidos. A dimensão do cemitério impressiona, é real­mente um mar de túmulos.

Ao contrário do Santana, não existe toda aquela pompa nas re­duzidas lápides de concreto, al­gumas com revestimento de ce­râmica, outras completamente degradadas. É conhecido por ser “popular”. A locomoção dentro do cemitério é um pouco com­plicada. Os caminhos confusos, e para chegar a algumas lápides é preciso quase pisar em outras. Uma das cenas mais memorá­veis da qual o Parque foi palco acon­teceu em 1987, du­rante o funeral da menina Leide das Neves, que se deu em meio a pedras e pro­testos de moradores em pâni­co com medo de contaminação por césio. Leide foi enterrada em um caixão de chumbo. É impos­sível entrar no Parque sem lem­brar da história da criança, que repercutiu – e ainda repercute – dentro e fora do Brasil.

PALMEIRAS

O cemitério mais laico e inti­mista da cidade. No Jardim das Palmeiras, não há cruzes sinu­osas, nem estátuas, nem lápides com azulejos, nem nada que cha­me muito a atenção para algum túmulo em específico, tirando o dos famosos. É onde estão enter­rados os músicos Leandro e Cris­tiano Araújo. No chão gramado, inscrições e canteiros de pingos de ouro são distribuídos de for­ma quase padronizada. É um cemitério particular, diferente dos outros dois já citados, criados por iniciativa pública. As palmei­ras dividem o local em dois blo­cos, cada um com oito quadras. Existem algumas árvores rema­nescentes do início da constru­ção da Capital, tendo em vista que no lugar do cemitério deve­ria existir um parque chamado Horto Florestal, incluído no pro­jeto original da cidade

]]>

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias