O lado invisível da poluição II
Diário da Manhã
Publicado em 17 de junho de 2016 às 01:49 | Atualizado há 9 anosDe acordo com as normas da ANP, a fonte geradora do óleo lubrificante usado (óleo queimado), a coleta, o transnporte e a destinação final devem ser licenciados. O coletor na hora da coleta deveria fornecer ao gerador o certificado de coleta. Isso seria a prova que a empresa estaria entregando o seu produto a um transportador autorizado, responsável e para uma destinação final adequado, no caso uma usina de reciclagem do óleo lubrificante usado. Isso daria segurança ao gerador e evitaria situações desagradáveis que seria a autuação e a destinação desses resíduos de forma inadequada. De acordo com os dados levantados, são poucas as fontes licenciadas, bem como coletores e transportadores autorizados e destinação correta. Por falta de fiscalização, as fontes geradoras desse óleo, por influência financeira, entrega o produto a quem pagar mais, sem se interessar pelo licenciamento ambiental e sua destinação correta. A SANEAGO também está sendo enganada pelas empresas de limpa fossas. Bem informadas e mal intensionadas, muitas delas estão coletando resíduos perigosos, com substâncias oleosas e até mesmo resíduos de galvanoplastia e descartando nas ETE’s e PV’s da SANEAGO como se fossem esgotos domésticos comuns coletados em fossas e sumidouros. Nesse caso, tanto o empresário ganha, como a empresa de limpa fossa ganha, pois o serviço de coleta é cobrado mais caro do empreendedor mas, muito mais barato do que se fosse uma empresa especializada em destinação correta de resíduos perigosos. Neste caso a SANEAGO está recebendo em suas ETE’s resíduos perigosos como se fosse esgoto doméstico. Com isso a situação do Rio Meia Ponte está se agravando. Quando o Rio foi citado entre os sete mais poluídos do Brasil, essa poluição não foi levada em conta, mostraram apenas garrafas pets e lixos boiando. A garrafa Pet é o lixo mais representativo como volume e poluição visual, mais a verdadeira poluição tem o seu lado invisível.
A situação do Rio Meia Ponte está se agravando, é mais crítica do que a 20 anos atrás. Antes o volume de despejo era menor, lançado de forma difusa e tinha uma composição menos concentrada e menos variada quimicamente. Hoje o volume de esgoto é maior, grande quantidade ainda está sendo lançada sem tratamento, e o que passa pela ETE do Goiânia II recebe apenas tratamento preliminar, alcançando em média 50% na remoção da carga poluidora, isso sem levarmos em conta que a composição do despejo é muito mais diversificada.
Hoje, residuais de medicamentos podem ser detectados na água. Neste caso, muda a composição do efluente e altera o desempenho do sistema de tratamento, desta forma é inevitável que durante a produção e disposição final, assim como sua utilização, parte dessas substâncias sejam transferida para o ambiente.
São encontradas cada vez mais combinações dessas substâncias em concentrações bem significativas em águas efluentes. Dessa relação fazem parte produtos como o pesticida atrazina, o aditivo para combustível metil-t butil-metil – éter, o aditivo para plásticos Bispenol A, e uma gama enorme de medicamentos de uso diário. Além da quantidade de substâncias diferentes mencionadas, existem outras centenas encontradas nos princípios ativos utilizados nos medicamentos, como analgésicos, antibióticos, antidiabéticos, betabloqueadores, anticoncepcionais, redutores de lipídios, psicofármacos e outros. Essas substâncias chegam ao sistema de tratamento de esgoto através da urina e das fezes, sem contar que uma grande parcela também é inserida em descarte feito direto no vaso sanitário. Isto combinado com os hidrocarbonetos complica qualquer sistema de tratamento de esgoto.
A fumaça preta decorrente dos incêndios ou queima de resíduos e principalmente dos impregnados de petróleo é apenas a face mais visível dos impactos ambientais nas áreas consideradas dos inflamáveis. Uma extensa gama de conseqüências bem menos aparente, espalha pelo solo, lençóis subterrâneos e águas de superfícies, afetando tanto as pessoas, animais, plantas e ecossistemas em geral.
A poluição gerada pela queima dos resíduos derivados do petróleo é altamente tóxica, contém hidrocarbonetos, furanos, mercúrio, dioxinas e dióxido de enxofre, sendo esse o mais conhecido causador da chuva ácida. Para o solo, de uma maneira geral, a contaminação com petróleo afeta as comunidades microbianas, principalmente as bactérias, dificultando o seu restabelecimento e equilíbrio, embora os efeitos dos hidrocarbonetos do petróleo sobre a comunidade de bactérias no solo são pouco conhecidos. Após vinte anos de contaminação com derivados de petróleo, as comunidades microbianas, principalmente de bactérias, nas áreas afetadas não restabeleceram mais o equilíbrio. O trabalho de remediação do solo e das águas de subsolos atingidos por vazamento de petróleo é lento e de difícil realização.
A contaminação se dá por parte de quem manipula esses produtos, que por falta de conhecimento e orientação realizam operações arriscadas, promovem o derrame ou lançam resíduos nas redes de esgotos ou galerias de águas pluviais, contaminando diretamente os mananciais de superfícies. Óleos lubrificantes se contaminam durante a utilização com produtos orgânicos de oxidação e outros materiais, resultado do desgaste dos metais e outros sólidos, reduzindo a sua qualidade. Quando a quantidade destes contaminantes é excessiva, o lubrificante já não cumpre o seu papel e deve ser substituído. Esses são os chamados óleos lubrificantes usados e devem ter a destinação ambientalmente segura, a fim de evitar a contaminação e preservar os recursos naturais. A troca de óleo acontece na maioria das atividades de manutenção preventiva, realizada em oficinas mecânicas, postos de combustíveis, garagem de ônibus e serviços aeroportuários. A falta de informações sobre a periculosidade destes óleos para o meio ambiente e para a saúde humana aliada a falta de incentivo e aos altos custos para a coleta, transporte e reaproveitamento, torna se um fator bastante preocupante. Para reduzir os impactos dessa atividade sobre o meio ambiente e a saúde das pessoas é necessário que se tenha conhecimento tecnológico, toxicológico e ambiental das operações que exige manuseio destes produtos.
Em Goiânia e região metropolitana, na fase estrutural e operacional, a situação chega à beira da calamidade. Postos de combustíveis, garagens de ônibus, oficinas mecânicas, lava jatos, concessionárias de veículos e as retificas de motores instalam seus sistemas de tratamento em locais inadequados, são obras mal planejadas e mal executadas, os sistemas são instalados a céu aberto, onde a canaleta que conduz o despejo das pistas de abastecimento, rampas dos lava jatos, locais de lavagens de peças das oficinas e garagens de ônibus, conduz também as águas pluviais, saturando as caixas separadoras de água e óleo, diminuindo o seu tempo de detenção, conduzindo todos os resíduos de óleos e graxas para os cursos d’água mais próximos.
Das trinta toneladas de resíduos gerados diariamente, 30% são recuperados para reciclagem ou tratamento por empresas especializadas; 70% vão diretamente para o meio ambiente atingindo o solo e a água, através de lançamentos diretos ou por meio de redes de esgotos e galerias de águas pluviais. Nos empreendimentos referenciados, os modelos de tratamento implantados são bastante deficitários e mal operados. Esses sistemas muitas vezes não passam de um mero tratamento primário que não consegue tirar nem mesmo frações sólidas dos resíduos mais grosseiros presentes nos despejos.
A ausência de manutenção nessas unidades de tratamento é uma constante em todos os empreendimentos citados. Isto ocorre em função da ausência de fiscalização, da falta de conscientização do empreendedor e da não exigência do licenciamento ambiental. Das cerca de cinco mil unidades dessa natureza existentes em Goiânia e grande Goiânia, menos de 50% possuem o licenciamento ambiental e fazem manutenção regularmente nos sistemas de tratamento de esgoto. Além da contaminação, os materiais graxos lançados nos mananciais, formam uma película protetora, inibindo a incorporação de oxigênio na água e a penetração da luz solar, tão importante para a vida aquática.
Lembramos ainda que todos os resíduos gerados nessas unidades são considerados perigosos, pois são impregnados com petróleo, como barro, borras oleosas, filtros de óleo, óleo lubrificante usado, estopas, filtros de óleo e gasolina, roupas, luvas, calçados, aventais e outros dispositivos de proteção usados pelos funcionários. Esses resíduos não devem ser descartados no solo, em redes de esgotos, de águas pluviais e nem em aterros sanitários. Em função da inflamabilidade e dos riscos de contaminação, esses resíduos devem ter coleta, transporte e destinação adequadas, feito por empresa especializada e não descartados no meio ambiente ou em aterros sanitários e controlados como vem ocorrendo. Na região do novo mundo, no chamado pool da Petrobrás, em determinadas ocasiões, principalmente em período chuvoso, mina do solo resíduos oleosos, afora os que alcançam o lençol freático e as galerias de águas pluviais e vão direto para o Rio Meia Ponte.
(Neri Caetano Barbosa, gestor e perito ambiental e sanitário)
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