Adeus, volante!
Diário da Manhã
Publicado em 4 de maio de 2016 às 00:51 | Atualizado há 9 anosA gente vai vivendo e enquanto se vive se despede. A primeira despedida é do materno ventre e a segunda é dos seios maternos. Despedimo-nos da mamadeira e do bico, da infância, adolescência, juventude, mocidade e por fim da velhice que, aparentemente, é a última estação, mas muitos se despedem antes, antes, bem antes, inclusive antes de deixar o materno ventre. Despedimo-nos de entes queridos, despedimo-nos de lugares, despedimo-nos do amanhecer, do crepúsculo e da noite. Despedimo-nos de costumes, de hábitos, da vida de solteiro e da vida de casado. Em 1980 do tabagismo me despedi, há cerca de onze anos do álcool também e há uns quatro disse aos refrigerantes: até nunca mais!
Dizem que a História não nos autoriza a dizer o advérbio nunca, mas desejo nunca mais fumar, nem ingerir bebida alcoólica ou refrigerante. Do cigarro tomei asco e refrigerante não me atrai. Da bebida, vez por outra, desejo pequeno, muito pequeno sinto porque aprecio a destilada, mas não o suficiente para com ela me reconciliar.
Veio-me glaucoma e me levou a luz do lado direito, mas essa perda, inicialmente, não me atrapalhou dirigir automóvel. Continuei a fazê-lo, porém passei a ter ilusão de que o retrovisor direito estava muito perto do muro da garagem quando eu tirava ou guardava meu automóvel ou de que havia, mesmo distante do veículo, sentado na sala, por exemplo, um cachorro ou gato. Essa ilusão me fez sofrer medo de acidente e o medo foi crescendo, crescendo e há mais ou menos um ano dei uma gafe no trânsito porque fiquei na dúvida se deveria seguir ou esperar, parei. Então um senhor desceu do seu carro e me perguntou, irritado, mas sem me ofender, se eu não seguiria. Fiquei com vergonha, nada respondi, mas me conduzi em direção ao meu lar e disse para mim mesmo: esta é a última vez que aciono um automóvel( Já deixara de fazê-lo nas estradas).
Isso foi pela manhã, quase hora do almoço. Parece que nem coloquei o auto na garagem, o estacionei junto ao meio-fio e entrei ao encontro da minha amada e lhe contei o que ocorrera. Recolhi no lugar de costume a habilitação ainda em vigor, ao porta-chaves pus a chave e cumpri, fielmente, a palavra, Meses depois a habilitação venceu. Para mim indiferente que o tenha feito. No primeiro retorno ao Dr. Francisco Lima (oftalmologista dedicado a casos de glaucoma) dei-lhe ciência dessa decisão e ele me disse que agira de bom senso.
Já andava muito a pé e quando não vou a pé, familiar me leva, pego carona ou vou de táxi. Aliás, sempre apreciei o táxi. Dentre outras vantagens, a gente fica freguês de alguns taxistas, faz amizade e não tem que estacionar.
Como é prazeroso não guiar carro.
(Filadelfo Borges, autor de vários livros, titular da Cadeira 1 da “Academia Rio-Verdense de Letras, Artes e Ofícios”, aposentado no Fisco Estadual)
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