Consequências políticas de um terremoto
Diário da Manhã
Publicado em 14 de abril de 2016 às 02:04 | Atualizado há 5 diasSeis anos se passaram desde a tragédia natural da província de Quinghai, no Sudoeste da China, em abril de 2010. O incidente estabeleceu-se na Prefeitura Autônoma Tibetana de Yushu. Os estragos causados pelo terremoto podem ser medidos em números assustadores: 2.698 mortes confirmadas, 12.135 feridos (sendo 1.434 deles em estado gravíssimo) e 270 desaparecidos. Os tremores tiveram início às 7h49min da manhã, hora local, e o epicentro foi identificado na Rima Village, uma área pouco populosa e regularmente atingida por tremores. O abalo sísmico atingiu 7.1 na escala Richter, o que o colocou na categoria ‘grande’, e que ‘pode provocar danos graves em zonas vastas’.
A área atingida pelos tremores, apesar de pertencer à China, é povoada predominantemente por tibetanos. A zona urbana mais prejudicada pelo terremoto foi a cidade de Gyegu, localizada a cerca de 30 quilômetros do epicentro. Estima-se que 85% das edificações que compunham a cidade tenham ruído na ocasião. Podemos ter uma noção do caos que invadiu a cidade com a declaração dada por Zhuohuaxia, representante da prefeitura de Yushu em 2010: “As ruas em Gyegu foram tomadas pelo pânico e por pessoas feridas”. Em 2009, a cidade representava um local de casas simples, mosteiros e mercados. O terremoto destruiu quase todas as estruturas, prendendo milhares de pessoas nos escombros.
Quando o vale parou de tremer, o monge e seus alunos emergiram da escola, uma das poucas coisas que não caíram em Gyegu, para tentar cavar – sem luvas – os escombros em busca de alguma vida que tenha resistido. Segundo reportagem da revista Times de abril de 2015, em Yushu, “o preço da recuperação tem sido o sacrifício da identidade”. A distância, a má condição das vias e a grande altitude dificultaram a chegada de equipes de resgate e de mantimentos. O governo chinês prometeu a reconstrução da cidade, porém, é difícil reconhecer a antiga Gyegu diante daquilo que foi construído no local. A identidade tibetana que norteava seu clima foi estrangulada pelas interferências do governo chinês.
Reconstrução
O governo do país, concentrado na capital Pequim, investiu cerca de 7 bilhões de dólares na recuperação da província, o que garantiu que os habitantes não passassem por necessidades. Antes do terremoto os visitantes precisavam passar 17 horas em um ônibus até chegar a Gyegu, o que mudou com a construção de um aeroporto e os milhares de quilômetros de estradas recém pavimentadas. A nova escola é espaçosa e conta com um extenso playground. Cada família também recebeu uma quantia em dinheiro suficiente para reconstruir uma casa confortável. O leitor deve estar entusiasmado com a eficiência do governo chinês. Se lembrarmos do ‘atentado à longo prazo’ de Mariana, podemos fazer comparações imaginarias.
O grande problema da reconstrução de Yushu é a lavagem cultural que tem sido feita pelo governo Chinês, já que 90% da população é tibetana, o que representa um abismo cultural que toca na ferida do governo Chinês: um país continental, com 1,6 bilhão de pessoas, que lida permanentemente com intenções separatistas de todas as partes. Em Gyegu, Yushu, são expostos cartazes em gratidão ao Partido Comunista Chinês, promovendo a unificação da nação. Enquanto os tibetanos chamam a intervenção chinesa de colonização e o Partido dá outro nome: libertação. Para que possamos entender essa conflituosa relação, basta lembrarmo-nos dos monges que queimam o próprio corpo em protesto às regras chinesas.
A cidade, antes isolada, agora é acessível, o que aumentou o fluxo de imigrantes não-tibetanos para a cidade. Soldados, oficiais e caçadores de fortuna hoje movimentam a cidade dos monges tibetanos, o que incrementa na amplitude dos choques culturais em Yushu. Pás, água, andaimes e guindastes funcionam através do dinheiro trazido pelos novos moradores. Os benefícios pós-terremoto foram oferecidos, claro, em meio a uma série de condições que resultaram no aumento do poder do Estado chinês diante da área. A reconstrução da cidade foi minuciosamente planejada, de acordo com os interesses de soberania do estado Chinês. Por outro lado, manifestantes tibetanos saem às ruas para protestar contra o que chamam de “confisco” da cidade.
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