Era um dia assim – capítulo III
Diário da Manhã
Publicado em 27 de março de 2016 às 22:48 | Atualizado há 9 anosUm corpo foi encontrado na praça, policiais visitam o advogado Dr. Manjuro Almeida em sua casa, no momento que acontecia algo no escritório, D. Roseane estava desmaiada – é o resumo do caso até o momento, agora vamos observar a secretária do advogado, ela está caminhando e ruminando, vejam:
– Eu não tenho nada com isso, pensou Roseane, pra quê fui aceitar esse emprego ? Tanta confusão, gente entrando e brigando, credo, detesto “enroscas” …
Com essas e outras na cabeça, protegida por um lenço de seda, descia a avenida do bairro onde morava, estava aproveitando a folga repentina depois daquela gritaria no serviço – “bem que merecia mesmo”, pareceu lhe dizer o tecido em sua orelha, causando um pequenino arrepio na nuca, “credo” e se benzeu !
Seu solilóquio continuava: – Minha primeira reação foi cair, quem não cairia com um susto daqueles? E tem outra, eu menti para o sujeito dizendo que o doutor teria viajado e se ele ficasse com raiva de mim também? Eu hein? Macaca velha não assobia de olho fechado, “desmaiei” na hora, ainda bem que tinha o sofá ali perto, estava tão quentinho.
D. Roseane era mulher nova na profissão de secretária, divorciada, sem filhos, havia sido presa há dois anos por tentativa de furto numa loja grande do centro da cidade, coisa pouca: perfume, batom, calcinha, mas o segurança tinha vigiado, segurado e pronto: lá foi ela conhecer a delegacia do bairro.
Por sorte o doutor estava lá e gostou dela, não desse jeito que todo mundo logo pensa, esses maldosos, mas gostou do jeito dela: despreocupada, quase altiva, mistura de passarinho com gato, dissimulada.
Dr. Manjuro não só a tirou dessa enrascada sem que nada ficasse registrado, como também lhe ofereceu emprego, ela aceitou e desde então tem sido feliz com seu trabalho – casa – trabalho; de vez em quando dança um pouco no clube Família Tango, nada demais, umas voltas no salão, uma ou duas Cubas Libres, talvez um flertezinho inocente e finito: casa, para depois, trabalho e mais depois, casa de novo.
Depois de providencialmente perder (jogar fora) os sentidos, ela escutou tudo o que foi dito no escritório violado, não entendeu direito o motivo, seu ouvido bom estava virado pra baixo, algo sobre dinheiro não pago, um político graúdo e bandido, 03 anos por crime do outro, palavrões, chutes nas cadeiras, ameaças de vida e morte, o advogado sempre calado e o sujeito se foi, não sem antes agredir a porta de novo – as duas portas – ele devia ter algum trauma com trancas, se lhe perguntassem algum dia sobre tiros, ela o negaria com total convicção.
Sentiu Dr. Manjuro a puxando pelo braço, falando seu nome, preocupado, ela “acordou” e foi só, agora estava aproveitando a dispensa, lembrando ter visto na mesa dele um objeto pequeno mas poderoso, o motivo pelo qual ele não emitira nenhum som, nem precisava.
A senhora Cistina, sua vizinha, horas antes, lhe disse que um homem morto foi encontrado na praça lá perto do escritório, coisa triste, ela admitiu, mas não somou nada, como temia seu patrão, nem ligou ponto nenhum, chorar então? necas.
E continuava descendo a rua, em sua bolsa, ainda calado e recheado, uma arma de fogo recém usada, mas isso poucos sabem, agora eu e você (ela não) sabemos.
Quando ia atravessar a ponte que cruzava o rio Santos dos Montes, largo e barulhento, D. Roseane pareceu estar cansada, encostou-se à amurada de proteção; puxando o ar, olhou para todos os lados antes de abrir sua bolsa marrom, presente da tia Carmen, tão carinhosa e distante.
Da bolsa surgiu, puxado por suas mãos, o pescoçinho metálico com crista curta, colado nele uma barriga redondinha com seus filhotes-canguru, foi tratado com tanto cuidado que parecia ter vida – Mas d. Roseane nem olhou para a peça, preocupada com testemunhas curiosas e de pronto, deixou o bichinho cair na água lá embaixo, nem suspiro deu o danado.
Tarefa cumprida, pensou consigo, ajeitou o casaquinho e se foi, trotando tranquila, feliz e mais leve – “Tenho nada com isso, agora não devo a ninguém mais, favor com favor se paga, essa é a lei.”
Continua …
(Olisomar Pires – Olisoblog.com)
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