Cultura

“Versos satânicos”

Diário da Manhã

Publicado em 23 de fevereiro de 2016 às 22:04 | Atualizado há 3 dias

 

Há exatos 27 anos uma obra de literatura tornou-se alvo de polêmicas que colocaram em discussão a liberdade de expressão e a influência da religião dentro dessa liberdade. ‘Versos satânicos’ do autor britânico-indiano Salman Rushdie, lançado em 1988, foi amplamente criticado pela comunidade muçulmana por fazer referência a algumas palavras proferidas por Maomé, registradas no alcorão, mas que são consideradas “proibidas”. Em fevereiro de 1989, o Aiatolá Khonemi, na época autoridade suprema do Irã, pronunciou-se extremamente contra a publicação, oferecendo três milhões de dólares pela morte de seu autor.

Em contrapartida, o livro foi bem recebido pelos críticos do ocidente, que consideram seu realismo fantástico como uma metáfora ao sentimento de xenofobia. Segundo o pesquisador João Barreto, ‘Versos satânicos’ mostra a maneira como as “sociedades prósperas” (que têm representação na história através da Inglaterra) tendem a “enxergar o imigrado como angelical ou demoníaco, visto que ele é o que deve ser subjugado culturalmente”. O livro recebeu várias críticas positivas em seu país de lançamento, chegado a concorrer na categoria ‘Livro do ano’ em vários prêmios.

Enredo

A narrativa consiste em elementos do realismo fantástico, entrelaçados com uma série de subtramas narradas como visões em sonhos de um dos protagonistas. A história se desenvolve na Índia e na Inglaterra, e o título do livro se refere a versículos “malditos” do alcorão, proferidos por Maomé no início do islamismo. Tais versos, conhecidos como Gharanigh, promovem aceitação de três divindades politeístas da cidade onde o profeta habitava. Para o pesquisador João Barreto, mestre em comunicação pela UFBA, Maomé “Chamou estas divindades de anjos e esta foi sua forma de negociar a aceitação do seu culto, muito semelhante à aceitação do candomblé pelo catolicismo no Brasil, através do sincretismo”.

Tais versos são amplamente ignorados por boa parte dos muçulmanos. São reconhecidos apenas por acadêmicos e pesquisadores do islamismo, que afirmam que o “esquecimento” de tais versos é uma maneira de perpetuar a religião monoteísta (uma das três maiores do mundo). O teor da história presente em ‘Versos satânicos’ também desagrada boa parte dos adeptos ao islamismo pela apropriação que a obra faz da religião. Nela, dois atores indianos sobrevivem a um acidente aéreo na Inglaterra promovido por “terroristas”. A partir daí, um deles passa a transformar-se em um demônio, com chifres e rabo, enquanto o outro ganha um halo em volta da cabeça, tornando-se um anjo.

Reações

Para os xiitas, segunda maior vertente do islamismo, o Aiatolá é considerado o cargo mais alto de uma hierarquia religiosa. Na época do lançamento do livro, a liderança suprema do Irã (país do oriente médio com maioria xiita) estava sob-responsabilidade do Aiatolá Khonemi, que em pronunciamento ofereceu três milhões de dólares pela morte do autor Salman Rushdie. A sentença de morte oficial é conhecida como.

Tal posicionamento foi feito após um motim violento contra o livro no Paquistão em fevereiro de 1989. A obra tornou-se alvo de várias acusações de blasfêmia por parte da comunidade muçulmana. Rushdie sofreu vários atentados e foi colocado em custódia policial para ter sua vida preservada.

‘Versos satânicos’ foi proibido na Índia, país de origem de seu autor, onde cerca de 180 milhões de pessoas (14,2% da população total) são adeptas ao islamismo. Também houve reações públicas no Reino Unido, país onde a obra foi bem recebida pela crítica. Em algumas ocasiões, edições de ‘Versos Satânicos’ foram incendiadas por membros da comunidade muçulmana que se sentiram ofendidos. Em 1991, o tradutor Hitoshi Igarashi foi assassinado na universidade de Tsukuba, na província japonesa de Ibaraki. Ele era professor de história e literatura árabe e persa. Foi responsável pela tradução de ‘Versos sangrentos’ para o japonês. Acredita-se que a morte do intelectual tenha uma resposta à  do Aiatolá Khonemi.

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