Cotidiano

“Tenho três meses de vida e preciso desse remédio”

Welliton Carlos da Silva

Publicado em 15 de fevereiro de 2016 às 19:47 | Atualizado há 2 semanas

Jackeline Osório

Dercílio Nunes Ribeiro, 61, foi diagnosticado com um tumor no cérebro em 2014. De lá para cá vem lutando pela vida, juntamente com sua esposa, Vilma, suas duas filhas, Graziela e Aline, e contra o sistema de saúde, judiciário e biológico.

Já passou por três cirurgias que tiveram resultados positivos, mas que não lhe garantiram o direito de viver, pois há um mês o médico confirmou que sua doença havia se agravado e o que lhe resta são aproximadamente três meses.

A primeira cirurgia foi realizada após Dercílio sentir fortes dores de cabeça, em outubro de 2014.

O médico explicou que o tumor cerebral estava do tamanho de um limão, e o caso era grave. Mas somente uma semana depois é que saiu o resultado da biopsia. Ele explicaria detalhadamente o que seria, sem metáfora, esse “limão” no cérebro.

O resultado mostrou que se tratava de um Gliobastoma Multiforme de IV grau. Os tumores são classificados em uma escala de um a quatro, sendo o primeiro grau benigno e o quarto o mais agressivo.

O padecimento que viria sofrer Dercílio com o câncer poderia ter sido minimizado ou até mesmo reestabelecido se tivesse conseguido na Justiça o fornecimento da substância fosfoetanolamina.

O composto se tornou polêmico, pois pacientes que o utilizaram tiveram melhoras comprovadas e até casos de cura, mas questões políticas e jurídicas têm impedido acesso ao fármaco.

Segundo Graziela, sua filha mais velha, a reação do pai depois de saber o diagnóstico foi surpreendente para todo mundo. Em vez de choro, um sorriso.

A desilusão, aceitável nesse momento, foi substituída pela fé. “Se Deus quiser vai dar tudo certo. E se for da vontade dele, estou preparado para ir morar na glória. Caso eu vá embora, cuide da sua mãe e da sua irmã”, disse Dercílio para a filha.

 

Depois de se recuperar por uma semana da primeira cirurgia, Dercílio teve alta e foi para casa. Mas a calmaria durou apenas dois dias. As pontadas na cabeça e os vômitos o obrigaram a voltar para o hospital.

No entanto, a luta não era somente contra as toxinas que atrapalhavam a normalidade do corpo, a dificuldade em encontrar uma vaga no hospital só aumentou a angústia da família. As palavras espera e urgência não combinam. De um lado a espera para uma vaga, do outro a urgência de alguém que não pode esperar.

Após várias tentativas, a família encontrou vaga em um hospital em Aparecida de Goiânia e a notícia não foi nada boa. Vilma, esposa de Dercílio, disse que a médica verificou através da tomografia craniana que o tumor havia crescido novamente, e era necessário realizar outra cirurgia com urgência. Depois de 11 dias da primeira cirurgia, a segunda foi executada com uma série de ameaças.

“A médica me chamou na sala e disse que ele tinha um grande risco de morrer ou de perder o movimento do lado esquerdo do corpo. E sua expectativa de vida era de dois meses a dois anos, fazendo radioterapia e quimioterapia. São coisas que nunca estamos preparados para escutar”, explica Vilma.

 

INFECÇÃO

O sucesso da segunda cirurgia não proporcionou momentos de paz para Dercílio e sua família, pois contraiu infecção hospitalar e uma terceira cirurgia foi efetuada para fazer a assepsia. A limpeza foi realizada, mas assim como a infecção o osso do crânio também foi retirado.

E a cicatrização desta última operação demorou seis meses. Dercílio não perdeu só o osso do crânio. Perdeu a fome, o ânimo, o equilíbrio e a memória recente. O único ganho foi de dores incessantes na cabeça, que seriam totalmente dispensáveis.

O último prognóstico do médico coloca o tempo como o principal inimigo de Dercílio que agora tem de dois a três meses de vida, pois o tumor vai crescer e ele pode não resistir.

A luz no fim do túnel pode ser materializada pela substância que se chama fosfoetanolamina.

 

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Pílula considerada milagrosa

A fosfoetanolamina, conhecida como a “pílula do câncer”, tem sido anunciada como cura para a doença. A substância começou a ser estudada pelo professor Gilberto Orivaldo Chierice, hoje aposentado. Na época, o pesquisador era ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da Universidade de São Paulo (USP).

A polêmica em torno do composto tem relação com a sua produção e distribuição. O efeito positivo em pacientes em tratamento contra o câncer intensificou a busca pela substância. No entanto, a USP através da Portaria IQSC 1389/2014 determinou a interrupção da produção e distribuição, enquanto a fosfoetanolamina não for liberada pelos órgãos competentes.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que não recebeu pesquisas clínicas sobre o fármaco. E o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Ricardo Lewandowski,  solicitou, no final de janeiro, informações ao Instituto Nacional de Câncer (Inca) sobre a eficácia da substância.

O embate se trava entre a última opção para os pacientes desenganados e a burocracia em torno do composto, seja na sua eficácia, produção ou liberação. Várias pessoas, inclusive Graziela, filha de Dercílio, ajuizaram ações com o objetivo de garantir o fornecimento do remédio. “Entre aceitar a decisão que determina o fim para meu pai e lutar pelo fornecimento da fosfoetanolamina para uma possível cura, é claro que fico com a segunda opção”, diz Graziela.

No último dia 3, o estado de Goiás reverteu decisão do desembargador Olavo Junqueira de Andrade que pediu judicialmente o fornecimento da substância para um paciente com câncer nos rins. Dentre os argumentos destacados pela procuradoria do estado contra a decisão está a afirmação que a fosfoetanolamina não é um medicamento, não existem estudos clínicos que comprovem sua eficácia e sua comercialização é proibida, ficando o estado impossibilidade de adquirir. Mesmo com algumas decisões favoráveis, prevalece a negação ao composto. Mas tudo parece ser mais uma decisão burocrática que se ampara na lei do que a sensibilidade de que se tem, de fato, vida de pessoas em jogo.

Por isso diversos grupos foram gerados no Brasil com o intuito de criar um projeto de lei (PL) para liberar o composto. O PL é de iniciativa popular, que está previsto no artigo 61 da Constituição Federal (CF).

A proposta deve ser assinada por um número mínimo de cidadãos distribuídos por pelo menos cinco estados brasileiros e apresentado à Câmara dos deputados.

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Djalma Araújo denuncia esquema de laboratórios para impedir uso do medicamento

Em Goiânia, o grupo Fosfoetanolamina Sintética Goiás criou um perfil no Facebook com o intuito de apresentar a pílula do câncer para as pessoas que desconhecem e pedir o apoio para que o composto seja liberado.

O perfil, criado no final de novembro, já tem mais de três mil seguidores. Segundo Fabrícia Artiaga, uma das líderes do movimento, é um absurdo o que as autoridades estão fazendo. “As pessoas entram na justiça para garantir o medicamento que é a última opção para sobreviver. Mas sabe o que acontece? Depois da Justiça conceder a liminar, a União, a Anvisa e a USP recorrem. Para quem está com os dias contados, esse tempo do processo é incoerente”, destaca.

Para Giselle Roncato, que também é líder do movimento, a classe menos favorecida sempre sofre mais. “O ex-presidente Lula teve câncer e usou medicamentos importados dos Estados Unidos que custavam mais de R$ 30 mil. A presidente Dilma também usou um medicamento caríssimo para curar seu câncer. Agora, nós temos que lutar contra essa burocracia para ter garantido um direito constitucional”, reclama.

Sem nenhum apoio político, os líderes do movimento pediram ajuda ao vereador Djalma Araújo (Rede) para conquistarem apoio do governador de Goiás e de senadores  para que defendam a liberação do medicamento. Djalma, conhecido como idealizador de várias manifestações no estado, prometeu ao grupo entrar na luta. Para o vereador é um absurdo a morosidade da Justiça e dos órgãos para a liberação da substância. “A vida é um bem maior consagrado pela Constituição Federal, trata-se de garantir o direito a ela. Além disto, a Constituição também garante direito à saúde, ou seja, é dever do estado sua tutela”, afirma Djalma.

O vereador também destaca que talvez o principal obstáculo para a liberação seja o poder econômico. “O empecilho são os laboratórios farmacêuticos”. Eles não podem deixar de faturar milhões com essa descoberta. E enquanto não fizerem as contas, a substância fica proibida”.

O grupo de Goiás juntamente com outros estados irão no dia 12 de março, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, realizar uma manifestação pela liberação da fosfoetanolamina. E em Goiânia ocorrerá o “Pedal da Fosfoetanolamina” no dia 20 de março, o percurso sairá da Praça Tamandaré. 

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