Opinião

Tempos D’Antanho

Diário da Manhã

Publicado em 8 de dezembro de 2015 às 21:01 | Atualizado há 9 anos

“As coisas desagradáveis que nossos inimigos nos dizem pela frente, não se comparam com as que os nossos amigos dizem de nós pelas costas”

(Arlindo Tadeu Hagen – poeta mineiro)

 

Sabemos todos que em boteco o papo vai do volúvel à volúpia assim num zaztraz mágico. De catraca de bicicleta às mulheres, o tempo é medido em parsec dos astrônomos. De rumar o cacete nos políticos a louvar o decote generoso da atriz tal de novela tal é um estalo de dedo. A maioria participante desse papo é da primeira metade do século passado, coevos de uma época em que uma gentil donzela nunca, jamais em tempo algum, nem em sonho podia entrar num carro desacompanhada, ir ao cinema, um bar ou a uma festa sem uma vela a tiracolo. Se peitasse as normas d’antanho ficava mal falada, virava biscate, polícia investigava e se flagrada aos amassos com macho no carro ficava na beirinha de ser fichada no livro de registro de meretrizes com endereço de moradia na ZBM – Zona do Baixo Meretrício, no fôia, na casa das primas, o lupanar da luz vermelha ou eram postas para fora da cidade amarradas de cara pra trás numa égua manquita. Uma ou outra conseguia fugir indo morar num grande centro e retornava, tempos depois trazendo nos braços, pescoço, pernas, boca e cabeça mais de uma arroba de ouro, podre de rica, comprava um terço da cidade e, para vingar das lambisgóias que a enxotaram, dormia com seus maridos, os mesmos que tinham se aproveitado da sua inocência, das suas tranças de Maria Chiquinha, coitadinha. A vingança tinha o mesmo aroma, sabor, olhar e gesto de quem delas se aproveitou, o arrebatamento de quem exibe o escalpo do inimigo. O agora caquético era aquele bonitão de outrora querendo provar que ainda era o garanhão de sempre, mas na hora agá mijava na espoleta lencando o tiro da garrucha pondo a culpa na carne bovina cheia de remédio e ela, carinhosamente sorrindo um sorriso de Monaliza lhe dizia: — Liga não meu querubim! Isso é normalíssimo de acontecer! Li no almanaque do Elixir Paregórico que os homens cingenário… não… sejoginário…não, plexigenário… não,… bão, um trem assim, que aqueles que nunca pararam de dispená o sabiá tão sujeito a murchar o cravo de defunto por causa duns hormônios que entope as veias cúspide que ficam ali juntim dos tes-tor-te-tín-cu-los, tá me intendeno? O trem fica brabo, sô! Às vezes uma promessa de caminhar umas dez léguas de juêi ou arrastar o tóba no cascai se tiver fé resolve! Mas — Continua ela, muito complacente, olhar expressivo e professoral, fazendo a mesma carinha da Maria Chiquinha d’antanho, coitadinha, e acariciando a cara do choroso Manéminhaégua: — Liga não, minha rapadura com farinha, juro pra Deus que isso será — Aí cruzava os lindos dedinhos cheios de anéis na boquinha cheia de dentes de ouro — Isso será um segredo nosso que levarei para o meu sagrado túmulo, viu meu nêgo? Pode deixá, ninguém, absolutamente ninguém, além docê e de mim e de Nosso Senhor Jesus Cristo vai ficar sabendo dessa sua quebrada do cabo da boa esperança, viu? Pode deixá!! No outro dia a molecada do Grupo Escolar JK, antigo Grupo Escolar Presidente Juscelino Kubitscheck carregava um murcho cravo de defunto, rindo à bandeira despregada e falando — Liga não meu bichim, isso acontece até com gente boa, quanto mais com um Zérruela!…

Com a reputação de sangrador de donzelas murcha como um bagaço de cana, muitos dos bonitões, mortos de vergonha, bebiam soda cáustica com guaraná.

Caminhos longos, longos caminhos percorridos. Missão quase cumprida chegamos ao mês de dezembro do ano de dois mil e quinze do nascimento do Nosso Salvador. Caminhando com muita precaução nos lugares de movimento e sem movimento com medo dos bandidos que andam à solta, nós divisamos umas mocinhas e uns rapazolas trajando um azul vistoso trazendo nas mãos uns pacotes de feição indefinida. Zé Toló e Chico das Moças adiantaram-se me deixando para trás. Fiquei observando. As meninas quando os viram se entreolharam-se, se entenderam e guardaram numa caixinha uns pacotinhos que entregavam a cada jovem que encontravam um ou mais de um daqueles pacotinhos. Pularam a entrega quando se depararam com os septuagenários Zé e Chico. Balançaram negativamente as cabecinhas. Quando passaram por mim, eu estava de costas com as mãos nos bolsos fingindo apreciar o canto dum sabiá laranjeira pousado no topo dum poste à beira da calçada. Era o dia mundial de combate à Aids.

 

(Alcivando Lima, escritor – [email protected])

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