Lamas, lamas e mais lamas
Diário da Manhã
Publicado em 30 de novembro de 2015 às 23:38 | Atualizado há 9 anosNada mais escatológico e pavoroso ocorreu neste novembro do que os atentados terroristas em Paris e o desastre humano e natural com o rompimento das barragens da mineradora Samarco (Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton) em Mariana – MG. O tamanho da frase vai na proporção dos acontecidos. Tem fatos tão infaustos que só a imaginação e sentimentos de pesar não são bastantes para aquilatar e medir os seus impactos no senso humanitário das pessoas.
Agora, lembram da filosofia ou princípio do abutre, de que nem toda desgraça ou tragédia lhe seja neutra ou inútil. Para alguns, esse raciocínio está presente em qualquer infortúnio. Tomemos o caso do terrorismo da França. Em meio a tudo veio a reflexão e ilações dos carniceiros pelo mundo . Aqueles que pensam e agem como o ditador Bashar Al-Saad, da Síria. E assim veio a alocução de um desses espíritos não menos tirânicos que vulturinos:
– Estão vendo? Vocês que me tinham na conta dos mais perversos dos governantes. Eu nunca mandei executar ninguém que estivesse em suas noites festivas ou casa gastronômica (boate Bataclan, e restaurante Casa Nostra, de Paris, dos atentados terroristas de 13 de novembro de 2015); eu nunca iria explodir um avião cheio de inocentes em viagem para o Egito (alusão ao avião explodido pelo Isis com 224 passageiros a bordo, que caiu na Península do Sinai em 31 de outubro 2015). Olha a numerologia aí. A tragédia do avião, dia 31 de outubro , o terrorismo de Paris, dia 13 de novembro. Só inversão dos dígitos. Tudo muito treze e tenebroso.
O interessante e pitoresco é como uma má notícia apaga ou ofusca a outra, quando esta tem uma dimensão ou apelo maior do que a primeira. Foi o que sucedeu com os atentados na Cidade Luz e no aterramento do distrito de Bento Rodrigues de Mariana, 5 de novembro.
A noite de sexta feira, 13 de novembro, em Paris, por alguns dias ofuscou a tragédia do Rio Doce, em Minas. As condolências e minutos de exéquias pelo mundo, nas arenas de futebol por exemplo, se referiam, de início, tão somente às vítimas dos terroristas. Como as lamas tóxicas, da segunda tragédia, desciam rio abaixo e matavam peixes e outros viventes aquáticos, voltaram a lembrar de nossa catástrofe. E lembraram porque perceberam que a mortandade de animais e plantas e danos aos ecossistemas eram contínuos. E perenes serão por não se sabe quantas décadas. Nossas autoridades Federais(encasteladas em Brasília) e Estaduais(MG) sobrevoaram o curso dos rejeitos tóxicos no Rio que era doce. É bom que se realce, que isso ocorreu uma semana após o rompimento das barragens de contenção do lixo da mineradora. Nessa primeira semana não se via autoridade federal, se pronunciando em solidariedade às vitimas mineiras (do Estado e da Mineradora).
O que tem de patético e tétrico nessas horas são os discursos. Os rasgos retóricos são os de sempre. Não, não! Os responsáveis serão punidos. As vítimas terão que ser indenizadas; as comissões tais e outras mais serão criadas para avaliar os danos humanos e ambientais. Nossa presidente Dilma lá foi, sobrevoou parte dos escombros, voltou e está paladina em Brasília. Talvez venha a ser criada a CPI da Samarco, cujo apuração se sabe, noves fora a corrupção, não sobra nada, zero de resultados. Como muitas do gênero.
Tudo em meio à tragédia humana e ecológica (ou escatológica) em Minas e Espírito Santo transcorre com poucos verbos e muitas verbas; ao menos nas entrevistas e promessas. Quem imagina que não temos também os espíritos urubuzeiros, aqueles, dos quais se diz que de toda infelicidade se tira alguma coisa de proveito, basta uma recapitulação em alguns acontecimentos políticos e policiais de nossa atual República. Todos, acompanhamos a operação Lava Jato, aquela em que a Justiça Federal em Curitiba, apura os crimes de corrupção de empresários e empreiteiras, de gestores da nossa estatal Petrobras e de políticos do PT.
Nesse doloroso transe das vítimas do ex-Rio Doce, os réus e acusados da Lava Jato foram um pouco esquecidos. Houve como que um armistício de imprensa, acusação e defesa dos indiciados e réus nos processos, chefiados pelo Juiz Federal Sérgio Moro. Tem interessados do governo, fazendo loby para desmembrar ou fatiar os processos que apuram propinas e desvios de dinheiro para o Partido dos Trabalhadores. Uma forma de enfraquecer as investigações contra os saqueadores da República e Petrobras.
Todos, temos também fresquinhas em nossas memórias, as escaramuças no congresso e comissões de ética pela cassação do presidente da câmara dos deputados, Eduardo Cunha; e do impeachment de Dilma Rousseff.
Os ânimos e arroubos pela condenação da presidenta (Brasil) e presidente (Câmara) agora serão arrefecidos, pela mais nova tragédia ética, política e de honestidade. O dia 25 de novembro de 2015 deverá ser lembrado como o mais triste do congresso nacional, com a prisão do senador petista Delcídio do Amaral e do banqueiro André Esteves, do Banco BTG pactual. Sua Excelência, o senador Delcídio maquinava contra a operação Lava Jato. Havia uma camarilha ou quadrilha no sentido de livrar um réu (Nestor Cerveró) das investigações e providenciar sua fuga para a Espanha. São tramas de fazer tremer até os companheiros do PT. É provável que silenciados os tiros de Paris e as cachoeiras de lamas Rio doce abaixo e outras putrefações das searas políticas , voltem no ano que vem os processos na Lava Jato e os discursos contra Cunha e Dilma Rousseff, na intensidade das acusações e provas dos ilícitos cometidos por quem nos governam (ou desgovernam) .
Isto, se não houver tragédia maior até lá. Nov./2015
(João Joaquim – médico – articulista DM – [email protected] – www.jjoaquim.blogspot.com)
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