Opinião

Passado não volta

Redação

Publicado em 28 de novembro de 2015 às 20:39 | Atualizado há 9 anos

– Bem, olha essa foto aqui. Adivinha quem é?

– Nunca vi essa pessoa.

– Você conhece a muito bem. Mas não posso dar nenhuma dica, senão você descobre.

– Eu não tenho a mínima ideia.

Devido ao vívido interesse de sua esposa, ele tentou por mais de quarenta minutos, descobrir quem era. Começou primeiro com as funcionárias mais antigas e depois pensou nas esposas de colegas e mesmo velhas amigas de sua amada. Nada.

A imagem era de uma mulher descuidada. Seus cabelos estavam empapados de suor e seu rosto tinha o formato de uma semi-lua. Se médico fosse, ele poderia até imaginar que ela estivesse tomando corticoides. O pescoço abrigava um colar de gosto duvidoso e ele emendava o rosto com o tronco. Eram um só. Uma papada monumental, como um sapo moché.

Aquela jovem senhora estava no limbo feminino. Atingira aquela fase de perfeita invisibilidade, quando nenhum homem a via, ou dirigia a palavra a ela. Seja por educação ou quaisquer outras intenções. Simplesmente nunca mais mexeram com ela nas ruas.

– É a …

– Mas não pode ser!

Homem maduro, educado e contido. Sua surpresa foi tanta que fora impossível ocultar que ela era sua primeira paixão escolar. Sentava ao lado dela, e a cobiçava. Ardentemente. Seus seios pequenos, as pernas fortes, o sorriso enorme e belo. Todo o conjunto agradava, o colégio inteiro votara maciçamente nela como a mais bonita de todas. Tentou negar, sua memória afetiva simplesmente recusava conectar uma imagem com outra.

O testemunho da atual companheira era inconteste, foram colegas também. Do mesmo colégio. Da mesma sala. Tímido, nunca nem se aproximara dessa deusa. Conversavam, evidentemente. Mas só o trivial. A lembrança daquela explosão de sensualidade misturada com espontaneidade, tão típica dos quinze anos o comovia, agora.

Casara-se cedo, nunca se arrependera e definitivamente a mulher da sua vida estava ao seu lado e lhe dera dois filhos belos e saudáveis. Mas esse tipo de mulher, homem nenhum esquece. Está entranhado nos seus desejos mais primitivos, profundos, arcaicos e até ocultos. Como músicas do Agepê ou do Wando. E ambas tocavam diuturnamente na época.

Rememorou aventuras passageiras, flertes descompromissados, oportunidades perdidas. Coisas típicas do sujeito de meia idade. E sentou-se tranquilo e viu-se. Não mudara muito. Até a calvície não o incomodava mais. Uma barriguinha discreta. Muita força nos braços e pernas, fruto das incontáveis manhãs de treinos com os mesmos amigos de sempre. Respirou meio que aliviado ou consternado. Não sabia distinguir seus pensamentos.

– Viu daquilo que eu te livrei?

– Se tivesse comigo, não estava desse jeito.

Fica quieto, pensou: “- A casa caiu. Se fosse contar para o carroceiro, a minha vida, o cavalo chora”. Entretanto ela passou a mão no seu rosto, com aquela suavidade e compreensão que só as sábias mulheres têm. Não disse nada. O recado estava dado. E ela o perdoava por ter um dia desejado alguém mais do que ela mesmo.

E no vestiário matinal onde os homens ali de tudo falam e comentam, ouvi essa história. Vi as fotos. Conferi tudo e também não acreditei. Afinal eu era da mesma escola, dois anos mais velho e tal e qual ele – e toda a torcida do Flamengo – um dia, numa festa junina, desejara-a também.

JB Alencastro  é médico e escritor)

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