Aos discípulos que se afastaram de Jesus
Diário da Manhã
Publicado em 31 de outubro de 2015 às 22:25 | Atualizado há 9 anosMuitos dos seus discípulos, ouvindo-o, disseram: “É dura essa palavra! Quem a pode ouvir?”
Mas sabendo Jesus em si mesmo que seus discípulos murmuravam por causa disso, disse-lhes:
“Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subir aonde estava antes?… O espírito é que vivifica, a carne para nada aproveita. As palavras que vos disse são espírito e vida, mas alguns de vós não creem”.
Isto porque Jesus sabia, desde o princípio, quais os que não criam e quem o havia de entregar. E falou:
“Por isso vos disse que ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai”.
Desde aí, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele.
Perguntou, então, Jesus aos Doze: “Não quereis vós também partir?”
Simão Pedro respondeu-lhe: “Senhor, para quem iremos? Tens palavras de vida eterna. Nós cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.
Jesus lhes respondeu: “Não vos escolhi eu a vós, os Doze? No entanto, um de vós é um demônio!”
Falava de Judas, filho de Simão Iscariotes, um dos Doze, porque era ele quem o havia de entregar. (Evangelho de João, cap. 6, vv. 60 a 71).
Muitos discípulos se afastaram de Jesus depois que o Mestre afirmara ser “o Pão da Vida descido do céu” e que “é necessário comer a sua carne e beber o seu sangue para obter a vida eterna”, utilizando de uma simbologia para demonstrar o supremo valor dos seus ensinamentos e a grande importância de sua missão. No entanto, muitos dos que ouviam o Messias interpretavam segundo a carne, isto é, conforme a letra e não segundo o espírito, que é o caminho hermenêutico recomendado por ele. Esses discípulos ignorantes, resistentes e incrédulos eram bem conhecidos por Jesus. Alguns deles foram discípulos de João Batista e resistiam à autoridade de Jesus por serem portadores do ciúme, da inveja e do desamor.
O discurso do Pão da Vida foi um desafio teológico para o discipulado de Jesus. Muitos dos que ouviram o Messias não poderiam entender o recurso simbólico dessas verdades, ainda que tenham compreendido alguns dos seus ensinamentos ministrados por meio do Sermão da Montanha. Muitos seguidores de Jesus não apresentaram nível intelectual e amadurecimento moral para compreender a sua sabedoria, ainda que ele recorresse à didática das parábolas. Alguns deles consideravam o Mestre um visionário e um profeta presunçoso.
Ao verificar o afastamento dos discípulos recalcitrantes, o Rabi dá exemplo de desprendimento porque não deseja forçar a permanência de ninguém ao seu lado. Ao indagar aos Doze apóstolos se também não queriam se afastar, o Mestre deixou bem claro o respeito que ele tinha aos que ainda não possuíam nível intelecto-moral para compreender e vivenciar a sua mensagem. Desse modo, ele deixou explícito que ninguém é obrigado a aceitá-lo, nem a concordar com a sua mensagem até que evolua espiritualmente, conforme revelou: “Ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai”, no seu devido tempo evolutivo.
Jesus também acrescentou que mesmo tendo escolhido os Doze, havia um, a quem ele denominou “um demônio”, que ainda não estava plenamente preparado para desempenhar a sua missão. Mais tarde os discípulos entenderam que ele falava de Judas Iscariotes.
Nesse contexto, também é possível fazermos uma analogia aos que combatem, depreciam ou abandonam os postulados espíritas. O que aconteceu com alguns seguidores de Jesus que debandaram é semelhante aos que não aceitam, de forma peremptória, que o Espiritismo é o Consolador Prometido por ele. Muitos admiram o trabalho de caridade preconizada pelo Espiritismo, a proposta moral da Doutrina e os fenômenos mediúnicos explicados por ela, mas não aceitam o caráter divino de sua origem e de sua mensagem. Desse modo, alguns simpatizantes e seguidores espíritas se recusam a aceitar o aspecto religioso do Espiritismo porque defendem que a Doutrina é unicamente uma filosofia espiritualista ou uma ciência que explica os fenômenos mediúnicos. Esses estudam os aspectos filosóficos e científicos e desprezam a ideia de que a filosofia e a ciência espírita estão a serviço do Cristo.
Também no ambiente teológico, há muita resistência quanto ao fato de que o Espiritismo é uma Doutrina Cristã. Por isso, muitos adeptos do Espiritismo, principalmente quando chega o momento de colaborar com a sua divulgação, abandonam-na, eivados de vaidade intelectual, de orgulho acadêmico e de presunçosa mentalidade. Afirmam que Jesus foi um profeta revolucionário, que Allan Kardec foi um pesquisador simplista e que, teologicamente, a Doutrina não se sustenta. Esses são os espíritas pedantes que usam da credibilidade da Doutrina para os seus interesses pessoais e profissionais e depois a abandonam porque pensam que não mais podem tirar qualquer proveito dela. Alguns desses, continuam a frequentar os centros espíritas ou a participar de alguns dos seus programas de trabalho, mas os seus corações prosseguem endurecidos, distantes de Jesus. O que ocorre com todos os seguimentos cristãos e não cristãos quando os seu adeptos não evoluem para o desenvolvimento das virtudes e para a mudança eficaz de suas condutas morais.
O verdadeiro espírita, isto é, o verdadeiro cristão, tem o mínimo de concepção intelecto-moral para compreender que o Espiritismo veio para atender aos propósitos do Cristo Jesus. Um desses propósitos é a compreensão do Amor e da Justiça de Deus. O espírita entende que muitas interpretações teológicas cristãs não se sustentam quando se trata da temática Justiça Divina. Porque não é possível entender os mecanismos básicos da Justiça do Pai sem o conhecimento sistematizado, sem a logicidade e sem a aceitação da Lei da Reencarnação. Também não é possível compreender inúmeras passagens do Evangelho, sem o entendimento dos mecanismos da Mediunidade e dos fenômenos eletromagnéticos que os cercam e sem o amadurecimento moral, que possibilite a compreensão da Sabedoria dos ensinos e dos exemplos de Jesus.
O espírita sabe que os princípios preconizados pelo Espiritismo constituem a mais avançada forma de compreensão dos ensinamentos do Cristo, ainda que outros seguimentos teológicos cristãos ou não cristãos tenham suas virtudes doutrinárias, mas que, infelizmente, não terão um futuro promissor até que as verdades espíritas estejam em seus sistemas teológicos, libertando-os dos dogmas da ignorância, dos fundamentalismos da violência e das perseguições veladas e sistemáticas, e dos interesses meramente materialistas em busca de fama vazia, de poder temporal e de riqueza pueril.
Em níveis primários e até medianos de concepções de fé, de esperança e de caridade, as doutrinas cristãs e não cristãs podem atender aos que as buscam e por isso ainda são imprescindíveis nos atuais estágios nos quais se encontram. No entanto, não satisfarão aos que tem fome e sede das verdades que libertam por meio das leis morais da Vida, tão bem encontradas no acervo doutrinário do Cristo e tão bem estudadas por meio da Doutrina Espírita.
Ninguém é obrigado a aceitar os fundamentos Cristão elucidados pelo Espiritismo até que obtenha determinado desenvolvimento intelecto-moral. Por isso, ninguém, espíritas ou não espíritas, tem o direito de empreender uma cruzada contra os que não aceitam os seus princípios doutrinários, científicos e religiosos. Com o tempo, toda ilusão se dissipará e a verdade libertará o incauto, o ignorante, o orgulhoso, o incrédulo, o fanático e o iníquo.
O Espiritismo é o futuro de todas as religiões porque se fundamenta nas leis eternas de Deus. Essa Doutrina representa o complemento da missão do Cristo e por isso, ainda que o seguimento espírita não acompanhe o progresso, os fundamentos espíritas chegarão a todas as religiões da Terra.
Nesse sentido, esclarecemos a esse respeito em nossa obra Sexo, problemas e soluções, seguindo as questões do item Religião do futuro:
“A religião do futuro será aquela que melhor atender às necessidades evolutivas do Espírito encarnado. As verdades espíritas revivenciam as lições sublimes praticadas por Jesus, revelando a existência do processo evolutivo segundo as leis soberanas de Deus. As crenças e princípios religiosos que não aceitarem e compreenderem as verdades do Espiritismo deixarão de atender às necessidades evolutivas de seus seguidores. O que não significa que todos serão rotuladamente espíritas mas espíritos em evolução segundo o entendimento espírita, pouco importando para Deus o rótulo religioso que adotem.
Religião é o resultado do aperfeiçoamento intelecto-moral do Espírito; é o reencontro da criatura com o Criador, por meio de uma identificação plena e indescritível. Há inúmeros caminhos religiosos, mas é por meio da espiritualidade que se chega ao caminho único da evolução ou da redenção espiritual.
A Religião do futuro não estará desvinculada da Ciência. Também o saber científico não desconsiderará os princípios das leis morais que revelam e sustentam os princípios da religiosidade e da evolução do Espírito. Caridade, fé, esperança e adoração ao Criador farão parte da Ciência, do mesmo modo que a razão, o raciocínio e a investigação científica tomarão parte das religiões. A fé com base na razão, e esta fortalecida pela fé, serão como alianças eternas do saber da Humanidade. Por intermédio da fé e da disciplina moral a Ciência encontrará o remédio para muitos males, e através do bom senso as religiões se libertarão da alienação, da subjugação e da ignorância.
Considerando-se as divergências religiosas existentes, é possível que tais dissensões desapareçam no futuro. Isso, porque a Humanidade compreenderá que as verdades eternas não são propriedades desse ou daquele grupo religioso: a evolução é o que importa para Deus. As intransigências de pensamentos ou de pontos de vista não haverão de desunir, porquanto as práticas da caridade e do amor ao próximo estarão bem acima de quaisquer característica das religiões.
O Espiritismo é a mais completa religião que existe porquanto veio com a missão de esclarecer e dar continuidade ao verdadeiro sentido dos ensinos de Jesus. No entanto, a melhor religião é a aquela que melhor atende ao nível intelecto-moral de cada ser humano, conduzindo-o para o bem. É certo também pensar assim quanto ao aspecto filosófico e científico do Espiritismo. A ciência e a filosofia espíritas esclarecem e desenvolvem princípios e observações que muito contribuirão para o pensamento e prática religiosa do presente e do futuro.”
Ainda diante dos murmúrios dos que se afastaram ou pensam em se afastar de Jesus, lembramos das palavras do Mestre: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subir aonde estava antes?… O espírito é que vivifica, a carne para nada aproveita. As palavras que vos disse são espírito e vida, mas alguns de vós não creem”.
Até os dias de hoje, é possível ainda ouvir a voz do Mestre ao falar com tristeza e compaixão: “Não quereis vós também partir?” Respondamos sempre, conforme o apóstolo Pedro: “Senhor, para quem iremos? Tens palavras de vida eterna. Nós cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro, escritor, conferencista, professor universitário, advogado, pesquisador, doutor em Direito, membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia Goianiense de Letras e da Academia Aparecidense de Letras – E-mail: [email protected])
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