A sangria climática
Diário da Manhã
Publicado em 31 de outubro de 2015 às 21:30 | Atualizado há 9 anosQue o atual modelo de desenvolvimento é incompatível com qualquer sorte de efetiva sustentabilidade ambiental todo mundo já está careca de saber. Esse modelo produtivo burguês-liberal é predador, nocivo, ambientalmente impossível, concentrador e degradador de todos os ativos ambientais, o que inclui principalmente e, sobretudo, a muito ameaçada espécie humana.
As reverberações dessa lógica acontecem com mais força e impacto nas cidades onde o drama urbano é facilmente perceptível. São ruas congestionadas, moradias insalubres e inadequadas, apartação territorial, inchaço populacional, pressão, muita pressão social sobre os já bastante desqualificados serviços públicos e a alteração para pior dos comportamentos humanos.
No entanto, é importante registrar que esse quadro de contradições é apenas a ponta do enorme iceberg e que redundou no atual mal-estar climático e que nos atropela durante todo o dia. Fenômeno básico e essencial a ser considerado nesse cipoal de dificuldades impostas pelo atual modelo de desenvolvimento ao conjunto das pessoas é, de fato, a relação da empresa hodierna na geração ou cogeração do clima.
A primeira consideração é que este clima na verdade não é clima, ou seja, esse sentimento, posto que é sentido, é o produto ou subproduto da atual dinâmica produtiva que tem como base monopólios ou oligopólios produtivos e industriais que lega, por conseguinte, essa singular sensação climática e que em verdade é um combinado de altas temperaturas que são intensificadas com mesclas físico-químicas advindas das máquinas e chaminés de fábricas e indústrias, mas também das monoculturas, das grandes estiagens, dos agrotóxicos e da pasteurização social e produtiva relativa a este estranho ordenamento produtivo.
Não minto! É que uma empresa apresenta, além do impressionismo de suas estruturas, um tipo climático para onde irá se instalar. Toda empresa, seja ela qual for, é uma termo-empresa; sua dinâmica produtiva, seu vai-e-vem de pessoas, produtos e serviços, gera um clima ou um microclima e quanto maior for essa termo-empresa maior seu alcance climático.
Atinge em primeiro seus empregados imediatamente incorporados, mas também atinge a quadra onde está instalada, o bairro, a parte urbana, a cidade e com seu crescimento, com suas demandas, fornecedores e consequentes ampliações, atinge uma região inteira.
De outra maneira, o grande legado da empresa moderna é levar sua burocracia produtiva para além de seus limites imediatos de produção, ou seja, a alma produtiva da corporação transcende ao estrito espaço de produção e singra cidade adentro, invade casas, torna-se comportamento, valor, forma de mediação, sensibilidade e percepção de mundo.
O trabalhador burocratizado, tomado pelas máquinas e tecnologias, eivado de novas formas de alienação é seu hospedeiro-mor; é, sobretudo, ele, quem induz e conduz os novos símbolos e conceitos da empresa globalizada ou supostamente globalizada; é seu defensor maior porque o antigo “vestir a camisa” é hoje o “vestir a alma” e deve, desta forma, entregar a totalidade da própria vida ao desiderato empresarial.
O clima, este fenômeno, que outrora era explicado pela dinâmica dos astros, dos ventos e de outras naturalidades é agora fenômeno saído das planilhas de executivos e tem relação com as metas e indicadores de crescimento das empresas mono/oligopolistas. Tem que ver com a expansão das monoculturas ou não, com a redução de propriedades da agricultura familiar ou não; com a sanha da especulação imobiliária e; tem que ver, principalmente, com lutas ambientais.
É estranho dizer… Mas clima é luta ou vira subproduto das empresas produtoras de climas, inclusive, e que será “democraticamente” distribuído para todos nós, a canalha urbana que, de maneira, vegetativa, apenas assiste ao cataclismo ambiental em que nos meteram.
(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)
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