Segredos e lendas do Cemitério Parque
Diário da Manhã
Publicado em 29 de outubro de 2015 às 21:30 | Atualizado há 9 anosDurante mais de três décadas, todo dia 2 de novembro de cada ano, meu avô João André e minha vó dona Clarinda estavam presentes nas imediações do Cemitério Parque, vendendo as coroas de flores e velas aos visitantes que homenageavam seus ente queridos. Os dois eram muito conhecidos nas vizinhanças, moravam no Setor Urias Magalhães há muitos anos, portanto tinham muitas amizades e eram extremamente respeitados na região. No Dia de Finados o cemitério ganha vida, fica repleto de lindas flores.
Meu avô João André, já falecido, era um homem aguerrido, trabalhador, não escolhia serviço, sempre animado para a lida, homem simples, de grande conhecimento que a própria vida lhe deu, passou grande parte da vida vendendo churrasquinho nas festas da pecuária, Trindade e na Avenida Bernardo Sayão, no Setor Fama. Destemido, grande pai e avô, homem e tanto. Minha vó Clarinda, mulher do século passado, forte, formosura em pessoa, educação exemplar é uma de suas virtudes. É um privilégio ser seu neto. Criou 11 filhos, mulher determinada, querida por todos, hoje com mais de 90 anos de idade, ainda conta causos que datam de bem antes do meu nascimento, memória incrível. Quero compartilhar algumas histórias deles com vocês.
O Cemitério Parque foi inaugurado em 1961 e ocupa uma área de quatro alqueires e meio. Situado entre os setores Urias Magalhães e o Gentil Meireles, Ali foram sepultados, até o ano passado, 220 mil adultos e crianças, entre elas, a menina Leide das Neves, uma das vítimas do acidente com o Césio-137, ocorrido em 13 de setembro de 1987.
Seu João André e sua esposa dona Clarinda, meus queridos avós, fabricavam artesanalmente coroas de flores, e vendiam no Cemitério Parque, dias antes e no Dia de Finados.
No final do mês de outubro já armavam a tenda e colocavam as coroas em exposição. Meu avô João André me contou inúmeras histórias que ouvia das pessoas que durante esses anos visitaram seus entes queridos no Cemitério Parque de Goiânia.
Histórias intrigantes, histórias comoventes, lendas, histórias tristes, e até mesmo histórias engraçadas ele ouvia. Ele sempre me contava uma ou outra, eu ficava sempre atento, não queria perder nada, pois sabia que cada história tinha algo interessante e intrigante.
Ele me dizia que o Cemitério Parque sempre foi misterioso, repleto de lendas desde sua fundação. Com aqueles muros baixos que o cercam, as sepulturas de variados formatos e seu aspecto ímpar de lugar diferente, pra não dizer estranho.
Quase sempre, nos anos 60, 70 e 80 era fácil se deparar com objetos usados em “trabalhos” macumba nas imediações do cemitério, nos cruzamentos das ruas e avenida, os objetos deixados pelas pessoas da crença sempre chamavam atenção de quem por alí transitava.
Vô João André me dizia que o ano de inauguração do cemitério era um mistério. Segundo a lenda a data de 1961 somados os números, 1 + 9 + 6 + 1 = 17 e dezessete era não somente o resultado da aritmética. 17 Esse número revelava que todos os dias 17 de cada mês às 17 horas e 17 minutos acontece algo extraordinário naquele cemitério.
O silêncio toma conta do cemitério nesse dia e hora, dá pra ouvir o som do silêncio, acredita se, que as almas estão reunidas e de joelhos oram por Goiânia. Nem mesmo os pássaros que ficam nas árvores dentro do cemitério se movem, o respeito é notável e admirável, dizia ele.
Mas além dessa lenda das almas do dia 17, vô João André dizia que sempre ficava comovido com o texto do padre Juca, que no Dia de Finados um homem, que não era da região declamava na entrada do cemitério. O texto era conhecido, mas o tal homem ninguém sabia sua identidade. O texo era o seguinte:
Há quem morra todos os dias.
Morre no orgulho, na ignorância, na fraqueza.
Morre um dia, mas nasce outro.
Morre a semente, mas nasce a flor.
Morre o homem para o mundo, mas nasce para Deus.
Assim, em toda morte, deve haver uma nova vida.
Esta é a esperança do ser humano que crê em Deus.
Triste é ver gente morrendo por antecipação…
De desgosto, de tristeza, de solidão.
Pessoas fumando, bebendo, acabando com a vida.
Essa gente empurrando a vida.
Gritando, perdendo-se.
Gente que vai morrendo um pouco, a cada dia que passa.
E a lembrança de nossos mortos, despertando, em nós,
o desejo de abraçá-los outra vez.
Essa vontade de rasgar o infinito para descobri-los.
De retroceder no tempo e segurar a vida.
Ausência: – porque não há formas para se tocar.
Presença: – porque se pode sentir.
Essa lágrima cristalizada, distante e intocável.
Essa saudade machucando o coração.
Esse infinito rolando sobre a nossa pequenez.
Esse céu azul e misterioso.
Ah! Aqueles que já partiram!
Aqueles que viveram entre nós.
Que encheram de sorrisos e de paz a nossa vida.
Foram para o além deixando este vazio inconsolável.
Que a gente, às vezes, disfarça para esquecer.
Deles guardamos até os mais simples gestos.
Sentimos, quando mergulhados em oração,
o ruído de seus passos e o som de suas vozes.
A lembrança dos dias alegres.
Daquela mão nos amparando.
Daquela lágrima que vimos correr.
Da vontade de ficar quando era hora de partir.
Essa vontade de rever aquele rosto.
Esse arrependimento de não ter dado maiores alegrias.
Essa prece que diz tudo.
Esse soluço que morre na garganta…
E…
Há tanta gente morrendo a cada dia, sem partir.
Esta saudade do tamanho do infinito caindo sobre nós.
Esta lembrança dos que já foram para a eternidade.
Meu Deus!
Que ausência tão cheia de presença!
Que morte tão cheia de esperança e de vida!
Padre Juca
Vô João André nunca se deu por vencido o Dia de Finados acontecia, e ele esperava o homem chegar na porta do cemitério, e o indagava. Segundo meu avô o homem nunca se identificou para ele, ano após ano meu avô o questionava e ele jamais deu alguma pista da sua identidade.
Até que dia 2 de novembro de 1978 uma mulher chega na tenda das coroas de flores dos meus avós e compra três peças, e perguntou ao meu avô se havia como ele amarrar um texto junto as flores das coroas.
Meu avô disse que sim e logo pegou o papel das mãos da mulher, e notou que estava escrito o texto do padre Juca. Meu avô se lembrou do tal homem que declamava o texto do padre Juca todos os anos no Dia de Finados.
A mulher disse que levaria as coroas de flores ao túmulo do marido, e que o texto do padre Juca foi um sonho que ela tivera com o marido declamando o texto. Então ela resolveu leva lo juntamente com as coroas.
Meu avô perguntou como era fisicamente o marido dela, ela o descreveu, e meu avô não teve dúvidas que se tratava do mesmo homem que ele via e ouvia todo Dia de Finados declamando o texto do padre Juca. Nesse instante meu avô se lembrou que naquele ano de 1978 o cemitério completava 17 anos de existência, isso o intrigou.
A viúva ainda disse ao meu avô que o marido havia falecido um ano depois que cemitério foi inaugurado, sendo o falecimento em 1962. Meu avô ficou de cabelo em pé e arrepiado ficou o resto do dia.
Minha vó Clarinda não confirma essa história, mas relatou que sabe de outras histórias daquele cemitério mais cabulosas ainda. Minha vó disse que esse segredo e outros segredos estão guardados nos túmulos do Cemitério Parque. E disse ainda que toda lenda tem um princípio de verdade.
(André Junior, membro UBE – União Brasileira de Escritores – Goiás – [email protected])
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