A agonia de um anjo
Diário da Manhã
Publicado em 23 de fevereiro de 2017 às 01:57 | Atualizado há 1 semanaA Polícia Militar encontrou, na manhã de ontem, o corpo da menina Ana Clara Pires Camargo, de 7 anos, que estava desaparecida desde a última sexta-feira. Ela estava em uma mata à beira da rodovia GO-462, próxima à cidade de Santo Antônio de Goiás, na Região Metropolitana de Goiânia. Um parecer preliminar do Instituto de Criminalística indicou que ela recebeu uma forte pancada na cabeça e que a provável causa da morte tenha sido traumatismo craniano.
A Polícia Civil investigava o sumiço da menina desde o final de semana, sem sucesso. Ela foi vista pela última vez na rua onde mora sua família, no Setor Orlando de Moraes. Sua mãe, Glauciane Pires da Silva, contou que a menina saiu para entregar um dinheiro na casa de uma vizinha, algumas casas abaixo, e desde então não foi mais vista. Antes disso ela foi vista conversando com uma pessoa em um carro de cor prata.
Na manhã de ontem, o caseiro de uma chácara próxima denunciou à Polícia Militar que havia um carro VW Gol prata abandonado em uma estrada vicinal. De posse da placa do veículo e buscando nos registros oficiais, a polícia descobriu o endereço do proprietário, Luís Carlos Costa Gonçalves, 35 anos. A casa onde ele morava fica a algumas quadras da casa da família de Ana Clara, no mesmo Setor Orlando de Moraes.
No local, que está em reformas, há uma placa de “aluga-se” e o telefone do proprietário. Os policiais ligaram para o número e quem atendeu se identificou como Luís. Ao saber que falava com um policial, ele teria se entregado, como narrou o porta-voz da Polícia Militar, tenente-coronel Ricardo Mendes. “Ao saber que conversava com um policial, ele confessou que matou a menina e disse que iria se entregar”, narrou o oficial.
Ligações
As suspeitas sobre Luís aumentaram após informações adicionais darem conta de que ele foi visto oferecendo balas e bombons a crianças no bairro e de convidar menores para tomar sorvete. Essas ligações entre seu modo de agir e o desaparecimento de uma menina no mesmo setor confirmaram as suspeitas.
De posse desses fortes indicativos e de outras informações, a Polícia Militar agiu rápido para prender o suspeito. No final da manhã, sua fotografia já havia sido divulgada e toda a polícia estava em seu encalço. Mas foi uma namorada dele que entregou seu paradeiro para uma equipe do serviço reservado da PM. Ele estava na casa do irmão dessa jovem, no Setor Lorena Park. Quando os policiais chegaram, ele teria reagido com disparos de um revólver calibre 38, mas foi alvejado e morto.
Estranho
Vizinhos de Luís Carlos se referem a ele como uma pessoa normal e que não despertava suspeitas de ser capaz de um ato tão brutal. “Ele gostava de tomar cerveja em um bar próximo daqui e conversava pouco com os vizinhos”, diz um morador da mesma rua.
Luís Carlos veio com a mãe de Presidente Dutra, no Maranhão, e trabalhava como autônomo, vendendo etiquetas impressas, blocos de notas fiscais e cartões de visitas para comerciantes da Rua 44, região de lojas de confecções em Goiânia. Há seis meses sua mãe faleceu e ele ficou sozinho. Vizinhos contam que ele se mudou para outro local que eles não sabem, mas que começou a reformar o sobrado para alugar.
Pessoas tentaram invadir a casa para depredar e foram reprimidos por unidades da Polícia Montada e do Batalhão de Choque. Durante toda a tarde vizinhos ficaram nas proximidades e revelaram a grande revolta com o ato de extrema violência que ele praticou. Muitos declararam que se ele tivesse sido apanhado em casa eles mesmos o teriam linchado.
Ele foi visto circulando no mesmo carro Gol prata que foi encontrado próximo do local onde o corpo da menina estava. Ele passou algumas vezes na rua antes do desaparecimento de Ana Clara e mesmo depois de seu desaparecimento ele ainda frequentou o local em busca de informações. Vizinhos e familiares contam que Luís Carlos fazia parte de grupos de WhatsApp que trocavam informações tentando encontrar a menina e na noite de terça-feira ainda esteve no local, como revela uma gravação feita na porta da casa da família. Policiais suspeitam que ele tentava mesmo era encobrir possíveis suspeitas que pudessem ser levantadas sobre si.
A rua onde mora a família de Ana Clara tem um lado inteiro de lotes desocupados. O matagal era alto até a manhã de ontem, confirmaram alguns vizinhos. “Somente depois dessa tragédia a prefeitura mandou roçar o mato aqui. Não sei como não aconteceu coisa ruim assim antes”, indagou um morador. Na rua seguinte, como em muitas outras, o mato ainda está alto e não foi motivo de intervenção das equipes da prefeitura.
Doçura
Ana Clara Pires Camargo estudava na Escola Municipal Orlando de Moraes e cursava a segunda série do Ensino Fundamental. Sua professora estava em estado de choque e precisou ser medicada. Na tarde de ontem as aulas foram suspensas em virtude do luto com a morte de Ana Clara.
A professora Lucélia Kellen de Santana foi a primeira mestra de Ana Clara. Em 2016, a menina frequentou a 1ª série com Lucélia. Era a alfabetização e a imagem da primeira professora ficou gravada na lembrança dos alunos.
Todos se lembram de Ana Clara por sua doçura e meiguice, que encantava professores e auxiliares. “Era uma menina carinhosa, viva e cheia de alegria. Não merecia ser vítima de uma barbaridade dessas”, lamenta a professora Lucélia. Ela enche os olhos d’água para falar da aluna, que gostava de brincadeiras, era assídua e muito participativa nas aulas. “Ana Clara era uma garota muito carinhosa. Sempre chegava e me abraçava com uma palavra agradável. Às vezes ela falava assim: ‘tia, como a senhora está cheirosa’. Era daquelas meninas cheias de delicadeza que a gente não esquece”.
Na festa junina de 2016, Ana Clara foi toda vestida a caráter. A professora Lucélia guarda boas fotos e lembranças dessa festa. “Ele veio toda arrumadinha, de tranças, vestido caipira xadrez e pintas no rosto. Ela era comportada e não dava qualquer trabalho em sala. Ao contrário, servia de exemplo para os colegas”, comenta a mestra com os olhos rasos de lágrimas.
Mesmo passando para um ano seguinte e estudando em outra turma, Ana Clara ia à sala da primeira professora e a convidava para ir na sua nova sala para ver como estavam com a nova professora. Lucélia destacou a facilidade que Ana Clara tinha para fazer sua tarefa mais rápido e que a pedido da professora ela sempre ajudava os colegas a fazerem as suas. “Ela sempre me auxiliava, me ajudava. Vou me lembrar dela como uma criança alegre, carinhosa e cheia de vida”, resumiu.
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