Cotidiano

A célere morte do verde

Diário da Manhã

Publicado em 5 de setembro de 2018 às 03:05 | Atualizado há 1 semana

  •  Pesquisa liderada pela Universidade de Lancaster, auxiliada por outras instituições britânicas e brasileiras, afirma que impacto humano sobre a Amazônia tem sido grosseiramente subestimado
  •  De acordo com pesquisadores, o mundo perdeu mais de um campo de futebol de floresta a cada segundo em 2017, uma área equivalente a toda a Itália
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    De acordo com um novo estudo liderado pela Uni­versidade de Lancaster e realizado por pesquisadores de 11 universidades e instituições de pes­quisa no Brasil e no Reino Unido, o impacto humano sobre a flores­ta amazônica tem sido grosseira­mente subestimado. Os cientistas descobriram que a exploração ma­deireira e os incêndios nas flores­tas podem resultar em uma perda anual de 54 bilhões de toneladas de carbono na Amazônia brasileira, aumentando as emissões de gases de efeito estufa. Isto é equivalente a 40% da perda de carbono anual a partir do desmatamento.

    Este é o maior estudo já feito para estimar a perda de carbono a partir da exploração madeireira e incêndios florestais ao nível do solo nos trópicos. Ele se baseou em da­dos de 70 mil amostras de árvores, solo, serapilheira (acúmulo de ma­téria orgânica morta em diferentes estágios de decomposição) e ma­deira morta de 225 locais na Ama­zônia oriental brasileira.

    Segundo uma pesquisa da Glo­bal Forest Watch, o mundo perdeu mais de um campo de futebol de floresta a cada segundo em 2017, totalizando uma área equivalente a toda a Itália. A perda registrada foi de 29,4 milhões de hectares, a segun­da maior desde o início do monito­ramento, em 2001. Os dados foram colhidos do mundo todo por satéli­te. As perdas de cobertura florestal dobraram desde 2003, enquanto o desmatamento de florestas tropicais cruciais dobrou desde 2008.

    O Brasil, que vinha em uma ten­dência de queda da perda florestal, voltou a sofrer com esse problema em 2017 em meio à instabilidade política. A nação, com seu vasto ter­ritório amazônico, é vital no com­bate ao desmatamento. Durante uma década, a partir de 2005, uma repressão governamental levou a baixas no desmatamento, mas a derrubada de árvores está subin­do rapidamente de novo, à medi­da que a crise política vivida pelo país tira a atenção das autoridades das ações ambientais.

    O Brasil foi o país que mais so­freu perda florestal no mundo todo desde que a Global Forest Watch co­meçou a realizar esse levantamento. Enquanto houve uma diminuição no ano passado em relação ao des­matamento recorde que ocorreu em 2016, os números de 2017 ainda são o segundo mais alto da história. Mais de um quarto das perdas de árvores no Brasil em 2017 foi devido a incên­dios deliberadamente causados por humanos para limpar a terra.

    Outras nações importantes, como Colômbia e República De­mocrática do Congo, também sofre­ram perdas recordes. A Colômbia é um centro global para a biodiversi­dade, mas as perdas aumentaram 46% em 2017. As Farc, o maior gru­po rebelde do país, anteriormente controlava grande parte do território amazônico colombiano, bloquean­do o acesso à floresta. A desmobili­zação das forças armadas rebeldes deixou um vácuo de poder e o des­matamento ilegal para gado, extra­ção de madeira e produção de co­caína dispararam.

    A boa notícia é que, na Indo­nésia, o desmatamento caiu 60% em 2017. Foi um ano úmido para o país, o que diminuiu as perdas por incêndios. Uma maior proteção do governo às florestas de turfa tam­bém entrou em vigor.

    PREJUÍZOS

    As perdas florestais são um gran­de contribuinte para as emissões de carbono que impulsionam o aque­cimento global. Seu efeito é quase o mesmo que o total de emissões dos EUA, que é o segundo maior polui­dor do mundo. O desmatamento destrói o habitat da vida selvagem e é uma das principais razões para as populações de animais selvagens terem caído pela metade nos últi­mos 40 anos, iniciando uma sexta extinção em massa.

    Enquanto apenas 2% do financia­mento para a ação climática vai para a proteção de florestas, estas têm o potencial de fornecer um terço dos cortes de emissões globais neces­sários até 2030. “É realmente uma questão urgente que deveria rece­ber mais atenção”, explicou Frances Seymour, do World Resources Insti­tute, que produz o Global Forest Wat­ch ao lado de colaboradores.

    A degradação florestal muitas vezes começa com a exploração madeireira de árvores caras como o mogno e o ipê. O abate e remo­ção dessas árvores de grande por­te muitas vezes danifica dezenas de árvores vizinhas. Uma vez que a floresta é derrubada pela explo­ração madeireira, muitas lacunas aparecem e todo o ambiente torna­-se muito mais seco devido à expo­sição ao vento e sol, aumentando o risco de incêndios florestais.

    A combinação de extração sele­tiva de madeira e incêndios flores­tais transforma florestas virgens em um matagal espesso habitado ape­nas por árvores menores e videi­ras, que armazenam 40% menos carbono do que florestas não per­turbadas pelo homem. Até agora, as políticas para evitar a mudança climática nos trópicos têm se con­centrado em reduzir as emissões de carbono a partir apenas do des­matamento, enquanto as emissões provenientes da degradação flores­tal também representam enorme perigo ao clima do planeta.

    A principal pesquisadora do es­tudo, Erika Berenguer, da Univer­sidade de Lancaster, disse que os impactos do fogo e da exploração madeireira em florestas tropicais têm sido largamente ignorados pela comunidade científica e pelos po­líticos, que estão principalmente preocupados com o desmatamen­to. “Nossos resultados mostram como esses distúrbios podem de­gradar severamente a floresta, com enormes quantidades de carbono sendo transferidos de matéria vege­tal para a atmosfera”, diz Berenguer.

    “As descobertas também cha­mam a atenção para a necessida­de do Brasil de implementar políti­cas mais eficazes para a redução do uso do fogo na agricultura, já que os incêndios podem devastar proprie­dades privadas e fugir para florestas circundantes causando degradação generalizada. Fogo e extração ile­gal de madeira precisam ser con­trolados. Essa é a chave para alcan­çar o nosso compromisso nacional de redução das emissões de carbo­no”, argumenta a Dra. Joice Ferrei­ra, da Embrapa (Empresa Brasilei­ra de Pesquisa Agropecuária), que participou do estudo.

    IMPACTO HUMANO

    De acordo com as informações coletadas pela pesquisa, a destrui­ção humana causa virtualmente todo o desflorestamento nos tró­picos. “A principal razão pela qual as florestas tropicais estão desapa­recendo não é um mistério: vastas áreas continuam sendo desmata­das para soja, carne bovina, óleo de palma, madeira e outras commodi­ties comercializadas globalmente”, afirma Frances Seymour. “Grande parte é ilegal e ligada à corrupção”.

    Os incêndios são dominantes em latitudes mais altas, que cau­sa cerca de dois terços das perdas na Rússia e no Canadá, e podem se tornar mais comuns devido à mu­dança climática. Novas florestas são cultivadas na China e na Índia, por exemplo, mas a extensão exata em que elas compensam a destrui­ção das florestas já existentes ain­da é desconhecida. Por enquanto, o que está claro é que o desmata­mento excede significativamente o reflorestamento.

    Estima-se que apenas cerca de 15% das florestas que provavel­mente existiam antes da civiliza­ção humana permaneçam intactas hoje. Um quarto foi destruído e o resto fragmentado ou degradado. A destruição das árvores não prejudi­ca apenas o meio ambiente. “Junto com essa violência contra a Terra, há uma crescente violência contra as pessoas que defendem essas flo­restas”, disse Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.

    De acordo com Tauli-Corpuz, metade dos 197 defensores am­bientais mortos em 2017 eram de grupos indígenas. “Os povos in­dígenas há muito administram as florestas do mundo que são cru­ciais para a luta contra as mudan­ças climáticas”, completou. “Os no­vos dados mostram que a taxa de perda de cobertura de árvores é menos da metade em terras co­munitárias e indígenas, em com­paração com outros lugares”.

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