Cotidiano

A crise do sistema educacional como projeto de governo

Diário da Manhã

Publicado em 25 de julho de 2018 às 01:29 | Atualizado há 3 semanas

  •  Previsão está no artigo 6º como uma garantia fundamental vinculada aos direitos da sociedade brasileira e dever do Estado
  •  

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, LDB (1996) , foi uma grande conquista da sociedade brasilei­ra, e termos em Goiás, o Plano Es­tadual de Educação (2008-2017) foi uma das primeiras legislações estaduais do Brasil,colocando o Estado de Goiás como um dos pio­neiros na organização da luta pela educação pública. Ocorre que o Estado não conseguiu cumprir o que a legislação alcançou.

    A dita “crise na educação” é um processo recente, uma vez que a educação foi elevada ao patamar de projeto de nação desde 2014, no Governo Lula, através do Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n.º 13.005/2014, que foi aprovado como um instrumento de plane­jamento do estado democrático de direito com o fim de execução e aprimoramento de políticas pú­blicas para o setor.

    O documento previa as me­tas para o ensino em todo o País em todos os níveis, quer seja in­fantil, básico e superior, a serem executados nos próximos dez anos. Infelizmente o projeto foi finalizado com a aprovação pelo Governo Temer da PEC do Teto, que se constituiu em sua princi­pal medida do campo econômi­co e que previu o congelamento dos gastos público pelos próximos vinte anos, apesar do inconteste aumento anual do PIB brasileiro.

    PLANO

    A presidenta Dilma Rousseff havia sancionado sem vetos o texto do projeto que destinava 75% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para educação. O projeto de lei que criou o novo Plano Nacional de Educação, aprovado pela Câ­mara dos Deputados e pelo Se­nado Federal, tinha uma meta de que o percentual de investi­mento na área fosse ampliado para 10% do PIB. A perspectiva era a de que em até 15 anos, os rendimentos obtidos pelo fun­do seriam suficientes para cum­prir as metas do PNE e da saúde.

    Os recursos do pré-sal para a educação chegariam a R$ 112 bilhões em dez anos, o que mu­daria por completo os destinos da educação no País.

    Entretanto, o que se observa é a falta de gestão pública que impede a implementação de uma política educacional de qualidade, a come­çar pela estrutura física das escolas tanto da Capital quanto das cida­des do interior do Estado.

    A professora da educação bá­sica das redes públicas munici­pal e estadual e da rede privada, atualmente Conselheira Estadual de Educação de Goiás, Ailma Ma­ria de Oliveira, também presiden­te da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, seção de Goiás, afirma que existem muitas as escolas em condições precá­rias que funcionam numa reali­dade perversa, como é o caso das escolas de placas, construídas ain­da na década de 80. Mas há outras quase centenárias que não sofre­ram as adequações físicas neces­sárias à realidade atual de ensino.

    Ainda sobre a realidade estru­tural das escolas públicas, afirma que grande parte estão sem laudo do corpo de bombeiro, sem alvarás, e esta seria uma garantia básica de segurança para o funcionamento do estabelecimento escolar.

    Sobre este problema especi­ficamente, o Corpo de Bombei­ros alega falta da corporação em vários municípios, o que provo­ca uma reação é em cadeia: todos os órgãos que necessitam de al­varás para funcionamento sofrem pela ausência desses profissionais e consequentemente da atuação para que isso possa acontecer.

    Goiânia, como a capital do Es­tado, é uma cidade privilegiada, e mesmo por aqui, o Corpo de Bombeiros leva mais de um ano para emitir um certificado para a escola funcionar.

    Ailma de Oliveira afirma que a educação deve ser uma oferta do Estado. Assim, os entes municipais, estaduais e federais têm a obrigato­riedade de ofertar o ensino para to­dos e com qualidade. Nisso se resu­miria a educação pública. De outro modo, a educação privada, que ain­da não está regulamentada pelo Es­tado, tem crescido assustadoramen­te porque os governantes não têm priorizado a educação pública.

    Para funcionarem, as escolas precisam ter um autorizo, e isso vale tanto para a escola pública quanto para a escola privada. Por isso elas cumprem um critério de documentação dentro dos con­selhos municipais bem como es­tadual ou federal de educação. A depender do projeto apresentado que inclui apontamentos sobre a estrutura física, pedagógica, no­minata do corpo docente, a esco­la poderá ter uma autorização para funcionamento de até cinco anos.

    O Conselho Estadual de Educa­ção é o órgão normativo do siste­ma educacional e em Goiás e data de mais de meio século de existên­cia. Está pautado na legalidade e por isso faz várias exigências. En­tretanto, por vezes, acontece den­tro do sistema escolar a autorização para a escola funcionar sem alvará em razão da ineficiência de órgãos que deveriam ser mais ágeis, e que não o são, devido a falta de estrutura que o Estado lhes impõe, o que pro­voca uma reação em cadeia.

    A conselheira Ailma de Oliveira diz que existe uma parceria entre as Secretarias de Educação com a Inspeção Escolar, que é quem ve­rifica se a escola está de fato aten­dendo os requisitos da lei.

    Sobre o desempenho escolar em Goiás, a conselheira Ailma de Oliveira denuncia uma série de fa­lhas no sistema de apuração do ní­vel educacional no Estado. Afirma que embora o IDEB–Índice de De­senvolvimento da Educação Bási­ca tenha melhorado e o Governo do Estado tenha celebrado e di­vulgado essa melhora, há dados maquiados que estão sendo vei­culados. É sabido no meio acadê­mico que a escola pública separa para fazerem as provas avaliado­ras somente os bons alunos. Infe­lizmente a escola foca na questão de apresentar números e índices, mas a qualidade de fato ainda está longe de ser a desejável. A merito­cracia adotada para provar os índi­ces apresentados é falha, pontua.

    CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

    Para Ailma Maria de Oliveira, os critérios para a avaliação da educa­ção em Goiás deveriam ser outros, a começar pela valorização dos pro­fessores. Goiás tem um dos piores salários do Brasil o que atesta que os professores não são remunerados à altura da profissão que exercem. Além disso, a pesada jornada de tra­balho, que por vezes é dupla ou tri­pla, impede que ele se qualifique.

    Analisa ainda que o fim da valo­rização da carreira do magistério no Estado de Goiás que tirou gratifica­ções de titularidade a que os profes­sores tinham direito foi um grande retrocesso, vez que tal mecanismo se constituía em um grande incen­tivo para sua qualificação. Apri­morar-se era bem vindo, de modo que o fim desta premiação faz com que muitos professores se sintam desmotivados, desistindo de fazer mestrado ou doutorado e de estar se aperfeiçoando cada vez mais.

    QUALIDADE

    É necessário que o Estado invis­ta em mais qualificação. Existe um déficit muito grande de professo­res da área de exatas e em diversas outras áreas; as escolas do entorno e as mais distantes têm profissio­nais que não são licenciados, ou seja, que não poderiam estar atuan­do em sala de aula, mas que infe­lizmente, o fazem por ausência de concurso público; há a ausência de valorização na carreira e de estímu­lo. Ademais, o ambiente educativo tem que ser bom para que o pro­fessor queira ir para a sala de aula para que ela se motive a dar boas aulas e possa se preparar. A jorna­da de trabalho precisa ser mais res­peitada possibilitando tempo para a formação dos professores. Essas são algumas das soluções apon­tadas pela conselheira, que já foi da direção do Sintego. A professo­ra Ailma avalia ser necessária uma organização de luta da classe traba­lhadora para que conquistas possa ser alcançadas e avanços realiza­dos. “Em véspera de eleição o go­verno anuncia alguns pacotes que jamais serão implementados du­rante o mandato conforme alar­mado”, observa. Também defende a realização de concursos públicos para preenchimento de material humano, que hoje é muito deficitá­rio, exigindo que o governo cumpra no mínimo o piso salarial nacional da categoria, que é uma conquis­ta da classe trabalhadora e que em Goiás não é cumprido.

    MERENDA ESCOLAR

    Alunos da zona rural viajam grandes distâncias para chegarem à escola, e quando chegam, não lhes é servido nem o café da ma­nhã. Por isso, os pais dos alunos de determinadas escolas estão se or­ganizando através de levantamen­to de “vaquinha” para que esta de­manda seja suprida na escola em que seu filho estuda.

    Há denúncias de quem em Goiás os alunos desmaiam de fome devido a falta de merenda escolar.

    A professora Ailma avalia que a merenda escolar é uma conquis­ta e que o os governos assumam a sua responsabilidade no proces­so de alimentação dos alunos da rede pública de ensino. “Não é pa­pel do pai ou da mãe ter que levan­tar dinheiro para isso. Sabemos que quando há uma boa meren­da, o aluno se sente mais motiva­do. Esse problema não atinge ape­nas a zona rural. Temos pessoas que desmaiam aqui em Goiânia, em Aparecida de Goiânia, nas es­colas municipais e estaduais o que está vinculado ao desemprego no País. Esse alto índice de desem­prego faz com que pai e mãe não tenham como comprar alimentos para seus filhos. Então esse filho espera ir para a escola para ter às vezes a única refeição do dia. De­fendo o café da manhã, o lanche e o almoço, principalmente porque o Estado de Goiás resolveu adotar o modelo de escola tempo inte­gral. Escola de tempo integral não é só um local para ser depósito de crianças, adolescentes e jovens. Ela deverá ter as reais condições para o seu pleno funcionamento. Se o estudante vai ficar na escola cin­co, seis ou sete horas por dia, o Es­tado tem que se responsabilizar a dar condições de permanência no local não só para o aluno, mas para o profissional da educação atuar naquela região. É preciso que os gestores façam uma boa adminis­tração dessa verba para que o lan­che seja bom e consequentemen­te a escola funcione bem.”

     

    Goiânia, como a capital do Estado, é uma cidade privilegiada, e mesmo por aqui, o Corpo de Bombeiros leva mais de um ano para emitir um certificado para a escola funcionar”

     

     

    Poucos grêmios estudantis

     

    A maioria das escolas não tem grêmios estudantis em fun­cionamento. Assim o estudan­te não pode se organizar com posicionamentos a respeito de assuntos de seu interesse de forma organizada. Existe a pre­visão legal que garante o direi­to do grêmio estudantil livre, e estes não estão implementa­dos nas escolas. A Conselheira da Educação Ailma de Oliveira acredita que o grêmio estudan­til é uma das formas de defesa da escola pública e gratuita. Os grêmios estudantis, conselhos escolares, associações de pais e mestres e o engajamento comu­nitário ajuda na gestão respon­sável dos recursos da educação.

    SOLUÇÕES

    Ailma de Oliveira afirma que a atuação dos professores de­veria ser mais contundente, já que o governo é o responsável pela educação no atual modelo constitucional brasileiro. “Não adianta se indignar. Não adian­ta reclamar dentro da escola. É necessário externalizar. Preci­samos de uma unidade de ação dos professores junto com pais, estudantes, enfim, toda a co­munidade,” finaliza.

    O setor educacional público vinha com uma perspectiva de crescimento com a destinação dos recursos provenientes do pré-sal como jamais aconte­ceu antes na história do Brasil. O projeto tinha como objetivo a qualificação do ensino bási­co como obra de construção nacional, e começaria com a centralidade da educação bra­sileira visando sua unificação. Infelizmente, com a substitui­ção do comando de governo, o projeto foi jogado fora. Uma pesquisa intitulada “os perigos da percepção” realizada pelo Instituto Ipsos Mori concluiu que o Brasil é o segundo país do mundo em que as pessoas mais têm a percepção equivo­cada sobre a realidade. Final­mente, os cortes deliberados em ciência, tecnologia e edu­cação apontam para o fato de que atualmente, o modelo de educação adotado como di­retriz pelo governo federal su­gere que há um ânimo em se manter o Brasil nos atuais pa­tamares de ignorância.

    ]]>

    Tags

    Leia também

    Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

    edição
    do dia

    últimas
    notícias