Cotidiano

A falta de diálogo que sai caro

Diário da Manhã

Publicado em 5 de abril de 2018 às 03:44 | Atualizado há 1 semana

Dinheiro ainda é um tabu no ambiente familiar. Em muitos casos, ele só vira tema de conversa quando se trans­forma em um problema dentro de casa. Um levantamento realizado em todas as capitais pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) apon­ta que somente 44% dos brasilei­ros falam frequentemente sobre dinheiro com os membros da fa­mília, ao passo que 39% só entram nesse assunto quando a situação fi­nanceira já não é boa ou imaginam que pode surgir um problema. Os que não costumam conversar so­bre a gestão do orçamento com os moradores da residência somam 18% dos consumidores.

Na opinião do educador finan­ceiro do portal ‘Meu Bolso Feliz’, José Vignoli, falar naturalmente so­bre o orçamento da casa é o primei­ro passo para evitar problemas fi­nanceiros e também para traçar metas. “Famílias são grupos com­plexos, pois cada indivíduo pode ter necessidades, gostos e hábitos diferentes, e quando não há diá­logo, a tendência é que surjam di­vergências e despesas que extrapo­lam o orçamento. A honestidade e a clareza são muito importantes e as conversas sobre dinheiro preci­sam ser regulares, diz o educador.

O levantamento também des­cobriu que em parte significativa dos lares brasileiros não há uma divisão para o pagamento de con­tas entre os membros da casa: em 33% dos casos apenas um mora­dor é responsável por arcar sozinho com todas as despesas da residên­cia. Para 20%, as contas são dividi­das igualmente entre os morado­res que possuem renda e para 17%, os compromissos são divididos de acordo com o salário de cada um.

De modo geral, 23% dos brasi­leiros disseram que os gastos fa­miliares não são discutidos entre os membros da família, sendo que a decisão final cabe a apenas um morador ou, então, cada pessoa gasta seus recursos conforme sua própria necessidade. Para 52%, as decisões sobre o que comprar são sempre tomadas em conjunto.

Para um quarto (25%) dos en­trevistados, nunca há sobras no orçamento familiar, fazendo com que o dinheiro seja sempre dire­cionado para o pagamento de con­tas e compromissos fundamentais. Em 20% dos casos, quando há so­bras, esse recurso fica guardado para gastos do mês seguinte.

A pesquisa revela ainda que, muitas vezes, o excesso de gastos de membros da família prejudica a saúde do orçamento da residên­cia. Em cada dez brasileiros que re­sidem com outros familiares, seis (57%) admitem que há morado­res na casa que prejudicam o orça­mento da família, percentual que aumenta para 62% entre as famí­lias das classes C, D e E. De acordo com o levantamento, as pessoas que mais criam problemas para a gestão das finanças da casa são o próprio entrevistado (20%), o côn­juge (15%) e os filhos (12%).

Para pessoas casadas ou que vi­vem em união estável, o tema di­nheiro pode ser ainda mais deli­cado, especialmente se não houver um diálogo franco e transparente entre as partes. De acordo com a pesquisa, 48% dos consumidores que vivem com o companheiro já brigaram com a esposa ou o ma­rido por causa de dinheiro, sendo que em 9% dos casos essa é uma atitude que acontece com frequên­cia. Outros 52% disseram nunca ter vivenciado essa situação.

Os principais motivos para o conflito entre os casais são o fato de o companheiro gastar além das condições financeiras (46%), discordâncias entre prioridade de gastos dentro de casa (32%) e atraso no pagamento das contas (28%). Há ainda, 28% de entrevis­tados que citam a dificuldade em formar uma reserva financeira por gastar tudo o que ganha e 21% que mencionam a rigidez do compa­nheiro no controle dos gastos. De modo geral, 46% dos entrevistados acreditam que eles próprios são os que têm mais cuidado com o con­trole das finanças em casa, para 26% é o cônjuge e 27% conside­ram que os dois são controlados.

“Viver de forma saudável com outra pessoa requer compartilhar sonhos, expectativas e planos di­versos, sem, necessariamente, ter de abrir mão de um certo grau de individualidade. É um exercício complexo e cada casal deve en­contrar o melhor arranjo para sua realidade sobre os gastos pessoais e da família, com maior ou menor possibilidade de abertura”, explica a economista-chefe do SPC Bra­sil, Marcela Kawauti.

De acordo com a pesquisa, 23% dos casados têm a sensação de que o cônjuge fica incomoda­do com a forma com que eles gas­tam o dinheiro e 17% acham que a esposa ou o marido controla suas compras. O mesmo estudo iden­tificou que 11% dos entrevistados não sabem o salário do cônjuge e 26% desconhecem se ele possui alguma reserva financeira.

Diante dessa dificuldade que muitos casais enfrentam para compartilhar decisões da vida fi­nanceira, 22% dos entrevistados disseram que não dividem com o cônjuge informações sobre suas contas particulares e 43% não fa­lam sobre todas as compras que realizam. Outros 4% não dão qualquer satisfação sobre o que compram, enquanto 52% disse­ram ser totalmente transparen­tes nesse sentido. “Muitas pessoas não estão dispostas a revelar para o parceiro ou familiares todas as informações a respeito das des­pesas mensais para evitar, de cer­to modo, interferências na forma como gastam seu dinheiro”, afirma a economista Marcela Kawauti.

Os tipos de compras que os en­trevistados mais ‘escondem’ do ma­rido ou da esposa são roupas (45%), acessórios, como bolsas, bijuterias etc (29%), maquiagens, perfumes e cremes (28%) e calçados (25%). Na comparação entre gêneros, as idas para bares, restaurantes e cinema são as compras mais omitidas en­tre os homens (33%, contra 9% en­tre as mulheres), enquanto com­pras de acessórios se destacam no universo feminino (44%, contra 5% entre os homens).

As justificativas para omitir com­pras do parceiro revelam uma preo­cupação em preservar a individua­lidade ao mesmo tempo em que alguns tentam evitar desenten­dimentos. Entre aqueles que não contam ao cônjuge sobre todas as compras que faz, a principal (25%) justificativa é considerar que o casal possui prioridades diferentes e, por­tanto, tentam conciliar interesses da família com desejos pessoais. Já 22% afirmaram que a esposa ou o mari­do não compreende suas necessi­dades e, por isso, não abrem mão de suas vontades pessoais. O mes­mo percentual de 22% omite deter­minadas compras para evitar brigas.

Além de manter informações fi­nanceiras em segredo, muitos ca­sais não se preparam para o futuro. Quase um terço (32%) dos brasilei­ros que vivem com o companhei­ro disse não ter um planejamento financeiro para o casal nos pró­ximos cinco anos. E levando em conta os 68% que possuem pla­nos, 30% não fazem nada de con­creto para atingir a meta estabele­cida com o companheiro.

“Quando a visão sobre o dinhei­ro e o modo de conduzir as finanças entre o casal é muito diferente, di­vergências podem surgir. Mas isso não significa que são questões inso­lucionáveis. Um bom planejamento matrimonial pode incluir objetivos e personalidades diversos. Isso exi­ge diálogo aberto e cooperação para que ambos caminhem na mesma direção”, explica o educador Vignoli.

Em 33% dos lares, despesas ficam concentradas em apenas um morador, e 57% reconhecem que algum membro da família prejudica finanças da casa

 

48% dos brasileiros casados brigam por causa do dinheiro. Gastos excessivos e discordância entre prioridades são principais causas

Dois em cada dez casados acham que cônjuge tenta controlar sua vida financeira. Apenas 52% contam ao companheiro sobre todas as compras que faz

 

 

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