A incompatibilidade no relacionamento
Diário da Manhã
Publicado em 18 de agosto de 2018 às 23:51 | Atualizado há 1 semanaAndrey Cristiano Tavares, 41, assiste a todos os jogos do Timão. Não importa o horário, muito menos os compromissos da vida cotidiana. Seja quarta-feira após o último beijo da novela, ou quinta ao findar o expediente. Ele estará lá com os olhos vidrados no televisor, gritando palavras de amor e ódio. Já Juliana Cristina Santos, 43, não pode ser considerada fã incondicional do esporte bretão. Apesar de se denominar alvinegra paulista, não possui os mesmos hábitos que Andrey, seu marido. Juliana gosta de ouvir músicas e conversar com sua cunhada, que mora capital goianiense, a 1.200 quilômetros de Ponta Grossa, no Paraná, onde mora com suas duas filhas.
Um gosta de ter vida social movimentada, o outro de ficar sossegado em casa. Um curte futebol, o outro detesta esporte. Um não abre mão de carne vermelha nas refeições, o outro é vegetariano. Um ouve sertanejo, o outro sabe tudo de rock…. Embora tenham incontáveis diferenças, especialmente de gênio, há casais que são perdidamente apaixonados e se entendem bem entre quatro paredes. O problema é que esse tipo de ligação não basta, e estilos distintos podem gerar desavenças, irritação e dúvidas: com poucas coisas em comum, será que essa relação tem futuro? Vale mesmo a pena investir para dar certo, ou é melhor – e uma escolha inteligente – romper antes que ambos se magoem?
A psicóloga Dalva de Jesus Cutrim Machado explica que a incompatibilidade de gênio pode destruir relacionamentos. “Para se ter um relacionamento duradouro é necessário ter química, sim, mas não só isso”, afirma. Para ela, é preciso haver um pouco mais do que afetividade sexual para que a convivência entre os dois não seja pesada. “Mesmos projetos de vida podem ser considerados fatores determinantes. Além disso, é importante não fazer com que a companhia do outro se torne desagradável, porque isso também pode ser danoso para um relacionamento e pode somar para acabá-lo”, completa.
Especial ista em sexualidade, a psicóloga Sandra Tonsa afirma que insistir em manter o relacionamento quando há incompatibilidade de gênio pode ser uma escolha arriscada. Segundo ela, em postagem em seu blog pessoal, a visão que muitas vezes se tem acerca do término de um relacionamento é equivocada. “Eu tinha a impressão que acabar um namoro ou casamento era como fracassar na tentativa de fazer as coisas darem certo. Mas, em casos de incompatibilidade de gênios, ficar junto é como remar contra a maré”. “Quando se está com a pessoa certa não é preciso fazer nenhum esforço”, garante Tosa.
Já o psicólogo Felipe de Souza acredita que a incompatibilidade de gênio não seja determinante para o fim de um relacionamento, e que uma boa comunicação entre o casal pode atenuar as disparidades existentes. De acordo com ele, todos namoros e casamentos seriam como a história de Narciso e fariam com que o ser humano se apaixonasse pela própria imagem no espelho se os dois fossem semelhantes. “No fundo, não é difícil de ver que a paixão surge não pela igualdade, mas pela diferença. Buscamos na outra pessoa o que nos falta, o que não temos e isso é exatamente a definição de desejo”.
CONVÍVIO
“Que seja eterno enquanto dure”. Boêmio, o poeta Vinícius de Moraes dedicou praticamente uma vida para escrever sobre as mulheres. A frase do escritor pode ser interpretada à luz das dificuldades encontradas pelos casais no dia a dia. Diferenças tornam a vida a dois mais difíceis, criam barreiras e resistências cada vez maiores. Ditados populares dizem que os opostos se atraem, mas nem por isso combinam: muitas pessoas vivem brigando e se irritando com seus companheiros. Temperamentos e gostos antagônicos dificultam a vida – como as preferências por futebol de Andrey e de música por parte de Juliana.
“Viver a dois tem seus problemas e dif i c u l d a des, como as preferências de um por uma coisa e do outro por outra coisa”, conta a pedagoga Juliana Cristina dos Santos. Mãe de duas crianças pequenas, ela disse que já se acostumou com certos comportamentos de seu marido. “A convivência cotidiana faz isso conosco. Há modos dele que nem me preocupo, embora me incomodem, porque sei que ele é assim e não será uma ou duas palavras de repressão minha que irão mudá-lo”, afirma a pedagoga. “É preciso, antes de tudo, saber conviver com a pessoa que você gosta”, diz.
Assim, ela evita pegar no pé de Andrey e vice-versa. No entanto, algumas coisas ainda servem como pretexto para discussões bobas, como o hábito de deixar em cima da pia da cozinha talheres ou copos sujos de achocolatado que foram utilizados hora antes. “Porém, creio que a maior diferença nossa se dá na questão do gênio mesmo: sou um pouco nervoso, me irrito fácil, e ela é mais calma, mais tranquila”, confessa ele, que reconhece o perigo que há nesse tipo de diferença. “Quando está rolando isso é um triz para que tudo vá aos ares, de uma hora para outra”.
AMOR PRÓPRIO
Mais do que tentar semear amor, é preciso se conhecer bem para driblar determinadas diferenças. Você precisa saber até que ponto ficará tranquilo deixando de lado aquilo que acredita. Especialistas recomendam que antes de começarem a negociar algo é preciso que compreendam que até os mais parecidos possuem diferenças. Outro passo importante é saber que nesse processo de autoconhecimento é preciso ter o entendimento de que todos nós levamos para os relacionamentos às bagagens emocionais com–ou sem–questões que não foram resolvidas completamente no passado.
Em Novas formas de amar, a psicanalista Regina Navarro decreta a morte do amor romântico, que teria sido introduzido no matrimônio por meio dos filmes de Hollywood. Ela argumenta que esse tipo de amor nutre-se de uma fantasia que é criada conforme as necessidades da outra pessoa, o que não seria destruído pela convivência a dois. “Quando estamos apaixonado por alguém, o mundo se reviste de tamanho significado que a cada encontro somos transportados para fora da realidade e cria-se um estado de exaltação”, diz, no twitter. Enquanto isso, continua ela, “a paixão dura pouco e é difícil alguém se apaixonar por quem conhece bem”
Quando estamos apaixonado por alguém, o mundo se reviste de tamanho significado que a cada encontro somos transportados para fora da realidade e cria-se um estado de exaltação” Regina Navarro, psicanalista Para se ter um relacionamento duradouro é necessário ter química, sim, mas não só isso” Dalva de Jesus Cutrim Machado, psicóloga
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