Cotidiano

Burocracia da dor

Diário da Manhã

Publicado em 13 de setembro de 2016 às 01:57 | Atualizado há 2 semanas

O presidente da Associação dos Renais Crônicos e Transplantados de Goiás, Escimar José Reis, revelou uma grande preocupação dele e dos mais de 2.000 envolvidos diretamente com a associação por conta da notícia que receberam sobre o fim de um serviço de saúde prestado pelo Hospital Geral de Goiânia (HGG). A unidade da Rede Estadual de Saúde é uma da atingidas por uma portaria expedida pela SES determinando que médicos lotados nos hospitais do Estado sob gestão de Organizações Sociais deem expediente integral nas unidades.

O efeito prático da medida, já anunciado de forma restrita no HGG, é que serão suspensos os procedimentos mais especializados como transplantes, principalmente os de rim. “Tivemos uma notícia extraoficial de que o HGG vai desmobilizar as equipes que faziam transplantes porque a dificuldade de flexibilizar horários dos médicos não permite a continuidade desse serviço”, lamentou Escimar. A direção do HGG não emitiu nota oficial sobre a medida, mas a reportagem ouviu profissionais médicos que trabalham na unidade e todos confirmaram, sem se identificar, que de fato a possibilidade de realização de transplantes terminou.

A portaria em questão foi assinada pela superintendente de Controle, Avaliação e Gerenciamento das Unidades de Saúde da SES, Maria Christina de Azeredo Costa Reis agosto desse ano e determina que na “prestação de serviços em regime de plantão” não mais será permitida a modalidade de “plantão alcançável”, com a observação de que poderá haver a “instauração de processo administrativos” para punir quem insista nessa prática. O que a SES determinou de forma explícita é que os médicos cumpram sua jornada de 20 horas semanais sem flexibilização de horário de cumprimento dessas jornadas.

Os médicos explicam que em casos complexos como transplantes um profissional exercia um regime conhecido como “regime de prontidão”, em que ele fazia o procedimento como um transplante e o cuidado diário do paciente ficava a cargo dos médicos-residentes. O profissional especialista atuava como “staff”, ou o mentor do residente em formação. Se acontecesse alguma intercorrência e necessitasse da presença urgente do médico especialista ele estaria comprometido a comparecer com urgência, cumprindo o que seria sua jornada de trabalho.

Com a proibição de flexibilizar essa jornada de trabalho determinada pela Secretaria de Saúde os médicos não vão mais ficar à disposição para irem fora de seu horário de trabalho socorrer situações extremas e urgentes, como ocorria antes. “Agora ninguém vai mais dar trabalhar fora de seu expediente normal, depois de ter cumprido sua jornada e não receber hora extra”, explica um profissional.

As equipes de transplantes do HGG estavam em processo de formação há quase 10 anos e a expectativa era realizar até um transplante de rins por semana na unidade. Agora, com a medida todo o serviço foi desmobilizado.

Desespero

A medida provocou um alvoroço em pacientes que esperam por cirurgias complexas no HGG, principalmente os doentes renais crônicos, cuja maior expectativa de vida é um transplante de doador morto ou entre doadores compatíveis. Escimar Reis, o presidente da associação é um desses que conseguiu ser submetido a dois transplantes de rins doados por suas duas irmãs.

“Somente quem padece como nós nas clínicas de diálise sabe da nossa dor e o quanto o fim de um serviço como esse provoca tristeza em nós. O que queremos é apenas uma chance de viver e ser felizes”, lamenta.

Atualmente as 13 clínicas de diálise e hemodiálise em Goiânia recebem uma média de 150 a 200 pacientes por dia, o que dá uma média de mais de 2.000 pacientes atendidos. Somente de Goiânia, os pacientes que são transportados nos quatro turnos para as sessões de diálise são cerca de 1.200.

Escimar Reis conta que a Associação dos Doentes Renais Crônicos e Transplantados prefere aguardar para pedir a intervenção do Ministério Público para não deixar essa exigência da SES impedir a continuidade dos transplantes. “A esmagadora maioria dos doentes renais crônicos não tem condições de arcar com os custos para buscar transplante em outro estado e isso é praticamente nossa única esperança”, frisa.

A assessoria de comunicação da SES encaminhou nota oficial reafirmando a proibição de “plantão alcançável”, ou “regime de prontidão”, com a ressalva de que se trata de exigência do Estatuto do Servidor Público.

NOTA – Regime de Plantão

A respeito do Ofício Circular nº 68/2016, de 08 de agosto deste ano, a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES) informa que o documento foi publicado em consonância com o parecer 003048 da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que determina, para os servidores efetivos, a obediência da carga horária em regime de plantão, sem a flexibilização do chamado “plantão alcançável”.

A Lei estadual nº 10.460, que dispõe sobre o Estatuto do Servidor Público do Estado de Goiás, não regulamenta essa modalidade de plantão, portanto foi determinado a todas as unidades de Saúde do Estado que os médicos realizem os plantões somente previstos no Estatuto.

A SES reitera que a determinação não prejudicará os serviços médicos prestados nos hospitais estaduais.

 

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