Cotidiano

‘Crack se espalha e internação não deve optar pela violência’

Diário da Manhã

Publicado em 18 de junho de 2017 às 01:43 | Atualizado há 2 semanas

  • Especialista condena uso da força, afirma que a guerra às drogas fracassou e  vê ação na Cracolândia como um ‘desastre’
  • Advogada em Direito da Saúde diz que mal-estar é resultado de falta de política pública à tratamento e cura da dependência química
  • Subproduto da pasta da cocaína, o Crack é uma droga ilícita, substância psicoativa de ação estimulante no sistema nervoso central
  • Ana Lúcia Boaventura conta que o conceito do médico Dráuzio Varella seria mais ponderado e moderno para enfrentamento
  • Primeiro, o álcool. Depois, o tabaco. A Cannabis sativa entra na lista. O seu nome popular é a Maconha. A Cocaína infiltrou-se nos círculos sociais e de classe média, em Goiânia, Goiás, na década de 1980. Século XX. Criada nos EUA, o Crack, uma droga ilícita, com substância psicoativa de ação estimulante no sistema nervoso central, espalhou-se pelo Brasil, hoje. Marcus Ferreira da Silva, nome fictício, já que o ex-usuário não quer se identificar, conta que esse teria sido o seu itinerário no mundo das drogas. Legais e ilegais. Com o Crack chegou ao fundo do poço. Pedras e pedras no meio do caminho, recorda-se, emocionado. Livre, hoje, da dependência química, quer distância dos tempos de vícios. Ele inseriu-se no mercado de trabalho formal e conseguiu ingressar em um curso superior. Nas horas vagas, engata um romance.

    – A retirada, com violência, dos usuários, da Cracolândia, em São Paulo, é uma medida que fere os direitos humanos.

    É o que aponta a advogada especialista em Direito da Saúde Ana Lúcia Boaventura. A violência sempre fere os direitos humanos, explica. O uso de armas, bombas de efeito moral e destruição de imóveis na Cracolândia jamais resolverá o problema, que é de saúde pública, social e de violência urbana, frisa  Os usuários necessitam é de tratamento para a dependência química, de suporte psicológico, observa. A Cracolândia não acabou somente porque os usuários, possivelmente, não estejam lá mais, pontua. É uma farsa essa narrativa, sublinha. Os usuários de Crack  migraram ou irão migrar para outro ponto da capital paulista, acredita a pesquisadora. O que os une é o vício, registra. O esquema do tráfico, dispara.  Não, apenas, um local em si, diz. Bombas, tiros e gás lacrimogênio promovidos por João Dória, não são a resposta, atira.

    – Violência nunca foi o caminho para resolução de problemas. O caso da Cracolândia é um problema não só de violência urbana, mas de saúde pública. É o resultado de falta de política pública eficiente no tratamento e cura da dependência química.

    Trata de uma falsa higienização de São Paulo, a limpeza da Cracolândia, dispara Ana Lúcia Boaventura. Apesar disso, o Projeto Redenção não era uma higienização ou uma dispersão de usuários, diz.  Era um programa de saúde pública que respeitava os direitos humanos, não previa uso de força policial e muito menos internação compulsória, fuzila. O Projeto Redenção contou com o apoio do Ministério Público em sua elaboração, explica. Ao que me parece, a Prefeitura de São Paulo abandonou os seus princípios e medidas em uma ação desastrosa, com a dispersão das pessoas usuárias pelas ruas de São Paulo, denuncia. A experiência de Portugal, que não pune o usuário, mas trata-o como um dependente e lhe oferece tratamento de saúde, seria contemporânea da modernidade, registra uma das estudiosas do tema, no Estado.

    – Se partimos da ideia de que um usuário de crack, que anda pelas ruas das cidades como um zumbi, sobrevivendo para as drogas, não tem autonomia, penso que o tratamento seja a saída, e não a pena. Acertou Portugal ao colocar o problema das drogas nas mãos de Ministério da Saúde, e não da Justiça. Assim, o sujeito sai das mãos da polícia e vai para as do médico. Ele deixa de ir para a cadeia, lugar sem tratamento e fomentador do tráfico e uso de drogas, para lugares reabilitadores.

    Guerra às drogas

    A operadora do Direito é taxativa: a Guerra às Drogas, deflagrada pelos EUA, fracassou. Como apontam os números do comércio ilegal das drogas, inclusive no próprio território norte-americano, um dos maiores consumidores de drogas ilícitas, sublinha Ana Lúcia Boaventura. Com elevada população carcerária, diz. É a política de encarceramento em massa, executada por Bill Clinton, George W. Bush e até Barack Obama, atira. As consequências foram devastadoras para indivíduos e sociedades no mundo, desabafa. Na medida em que equipara o usuário ao traficante, relata. O que corrobora a visão de que a violência não é o caminho no combate às drogas, aponta. O Estado, com a violência, finge acabar com o tráfico de drogas, mas na verdade só faz com que ele aumente e se profissionalize, frisa. “O resultado foi catastrófico.”

    – A internação compulsória, como quer João Dória, não resolve!

    Os critérios para internação compulsória deveriam ser basicamente médicos e não jurídicos, explica a advogada. A ação pleiteada pelo município de São Paulo, com pedido de internação compulsória, do modo em que foi feito, e eu li a petição inicial, é bem-intencionada, pois tenta resolver o problema da Cracolândia, mas é muito vaga, ampla, quase que um cheque em branco no nome do município, critica. O Projeto Redenção não previa a internação compulsória, insiste ela. O que se deve deixar claro é que, a internação compulsória, por óbvio, tem seus aspectos jurídicos e legais, como qualquer ato praticado em sociedade, mas é, na essência, um ato médico, conceitua. O médico Dráuzio Varella diz que  a internação compulsória é um ato que internação em pessoas que não têm condições de decidir por si mesmas, como se faz com uma internação em UTI [Unidade de Terapia Intensiva], metralha.

     

    O que é o Crack?

    Substância psicoativa, o Crack, droga ilícita que espalhou-se pelas 27 unidades da federação, no Brasil, um País de dimensão continental, surgiu como opção à Cocaína, pó de valor mais alto no mercado negro. Trata-se de um subproduto da pasta da cocaína, de baixo custo para o usuário. Uma droga fabricada com processos químicos, derivados da folha da coca. A coca é  uma planta originária da América Latina. É de ação estimulante do sistema nervoso central.

    A produção é fundada em uma mistura de cocaína em pó, ainda não purificada, que deve ser dissolvida em água. Mais: é necessário incluir um ingrediente: bicabornato de sódio ou amônia aquecida. Registro: o aquecimento separaria a parte sólida da líquida. A parte sólida deve ser secada. Depois, fatiada, em forma de pedras. O Crack não passa por um processo de refinamento e purificação. Ele incorpora resíduos de substâncias utilizadas em sua produção.

    As pedras estão, então, pronto para serem comercializadas ao consumo dos usuários. As pedras podem ser fumadas com a utilização de cachimbos, aponta um ex-usuário. Inalado, o Crack atinge o sistema nervoso central. O “barato” da droga é de sensação de poder, euforia e prazer. Os usuários, já viciados, perdem o apetite e chegam a emagrecer até dez quilos em apenas 30 dias, mostra um levantamento estatístico com usuários da droga ilícita.

     

    Usuários e zumbis

    Usuários de crack que vivem como zumbis pelas ruas das cidades não têm nenhuma dignidade, não são capazes de expressar sua vontade, não têm nenhuma autonomia, e aqui refiro-me à raiz da palavra: auto + normos. Ou seja, a capacidade de o indivíduo de estabelecer suas próprias regras. Uma pessoa nesse estado não é capaz de sair do crack. Precisa de ajuda. Críticas são apontadas porque há uma confusão com internações compulsórias feitas em tratamentos psiquiátricos degradantes de pessoas com doenças mentais  muitas vezes em nada relacionadas ao uso de drogas. Isso, sim, eu critico. Internar por internar, sem que haja tratamento é política higienista. O que resta saber é se existem lugares aptos a receber os usuários de Crack. O caso da Cracolândia é uma referência, mas o problema é nacional, de todos centros urbanos. Ele não escolhe sexo, cor, religião ou condição financeira.

    2-2

    ]]>

    Tags

    Leia também

    Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

    edição
    do dia

    últimas
    notícias