Escritor Ursulino Leão chega ao ponto final
Diário da Manhã
Publicado em 21 de outubro de 2018 às 01:57 | Atualizado há 1 semanaFoi enterrado ontem, no Cemitério Jardim das Palmeiras, o corpo do escritor Ursulino Tavares Leão. Ele tinha 95 anos e morreu na última sexta-feira, vítima de uma parada respiratória. Ele estava internado há três dias no Hospital Anis Rassi, após sofrer dois infartos numa mesma semana. A AGL publicou uma mensagem de luto nas redes sociais lembrando do escritor que presidiu a casa por 16 anos. “ A Academia Goiana de Letras/AGL, desolada, chora a perda do acadêmico e seu ex-presidente, Ursulino Leão, neste triste 19 de outubro. É certo, ele já foi recebido, com alegria, pelo Pai. Saudade, querido Ursulino”, diz a publicação.
Ursulino Leão foi autor de uma vasta obra composta de sete romances, quatro contos, seis crônicas, cinco ensaios e inúmeros discursos e opúsculos. Ele foi membro e presidentedaAcademiaGoianadeLetras, na qual adentrou no ano de 1967.
Além de escritor, Ursulino era advogado e militou também na politica, tendosidovice-governadornagestão de Leonino di Ramos Caiado (1971- 1975), exercendointerinamenteagovernadoria em 1973, por ocasião de viagem do titular. Neste período, também atuou no governo, como secretário de governo, o também já finado poeta, Helvécio Goulart, com quem Ursulino manteve profícua amizade.
Apesar da idade avançada, Ursulino mantinha acesa a atividade intelectual. Sua última obra foi publicada em 2015, quando já contava com 92 anos, o ensaio Lírios do campo para Jesus de Nazaré.
Natural de Crixás, ele foi homenageado por seus conterrâneos em 2014 com a criação da Academia Crixaense de Letras: casa de Ursulino Tavares Leão. A cerimônia oficial ocorreu no auditório da Câmara de Vereadores, com a presença de vários escritores, poetas e literários da cidade de Crixás. Aos 91 anos, Ursulino maravilhou os participantes por sua vitalidade e lucidez, no seu discurso e na interação social com os que estaval alí presentes. A participação do escritor foi descrita em artigo publicado no Diário da Manhã por Inácio Filho, promotor de Justiça no Distrito Federal , sob o título: Academia Crixaense de Letras: casa de Ursulino Tavares Leão.
Segundo Inácio Filho “a tônica dos pronunciamentos centrou-se, ainda, em elogios e homenagens ao dr. Ursulino Leão, com o reconhecimento de sua valorosa contribuição à literatura e à política do Estado de Goiás, bem como da sua dedicação na preservação da tradição e da cultura crixaense”. Após o ato, o escritor convidou amigos e familiares para um jantar, o local escolhido foi uma pizzaria que ficava ao lado da casa onde nasceu Ursulino.
“Com ar jovial e, demonstrando intimidade, não hesitou ele em perguntar ao garçom se ali servia uísque. “Não, não temos”, foi à resposta óbvia, recheada de doçura, proporcional à pergunta feita. Entretanto, o sorriso moleque do garçom permitiu ao desconhecido cliente avançar, ainda mais, em sua empreitada, resultando num inusitado insight: “Você me vende o gelo que eu te vendo o uísque, combinado?” Não demorou e um pequeno pote de gelo chegou à mesa. Mais que depressa, do casaco do velho moço saiu uma pequena garrafa de uísque, daquelas miniaturas que mais agradam pelo formato e tamanho que pela quantidade. Descontraído, o novo freguês disse logo ser apreciador do escocês Cutty Sark, 8 anos. Sem demonstrar arrogância, deu uma boa aula sobre o destilado, afirmando que o Cutty Sark trata-se de um blended scotch whisky que nasceu de uma mistura de uísques de malte e de grãos, envelhecidos de três a oito anos em carvalho americano, que lhe confere toque de baunilha, e final frutado, limpo e seco, com teor alcoólico de 40%”.
O poeta Marcus Vinícius de Moraes dizia que o “whisky era o melhor amigo do homem, era o cachorro engarrafado”. O decano escritor, da mesma geração que brindou o Brasil com Vinícius, Drumond e outros, seguiu na vida com a leveza daqueles que a brindam como uma dádiva.
O primeiro romance de Ursulino, Maya foi escrito em 1949. No lançamento da terceira edição em 2011, Ursulino revelou que escreveu o livro para impressionar uma jovem estudante que conheceu na Faculdade de Direito, Lena, que viria a ser a sua futura esposa. Ele confidenciou este fato ao poeta Adalberto Queiroz, que o documentou em crônica escrita ao Jornal Opção (Ursulino Leão: no cronista virtuoso, um homem em busca do Sagrado)“Fiquei conhecendo uma moça muito bonita chamada Lena. Depois ela se tornou minha namorada, minha noiva e minha mulher. Aí eu resolvi escrever o livro para impressioná-la. Foi isso”, disse à época.
Ainda sobre Maya, falou o escritor José Fernandes, escreveu o ensaio: “Maya” — “O múltiplo Maya”. Neste do artigo e afirma: “Além das ideologias, o romance se revela altamente moderno pelas construturas formal e linguística, uma vez que emprega técnicas engajadas na modernidade, como o flashback, o monólogo interior e a polifonia, entendida como multiplicidade de pontos de vistas”.
Ex-deputado, ex-conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado de Goiás) e também jornalista e escritor, Licínio Barbosa homenageou em várias ocasiões o companheiro de AGL (Academia Goiana de Letras) em crônicas publicadas no Diário a Manhã. Em uma delas–”Ursulino, o cronicontista magistral” (2015), Licínio fala de vários contos e crônicas do escritor, entre eles “Brabeza”.
OBRAS PUBLICADAS
Romances:
Maya -Rio de Janeiro. Irmãos Pongetti Editores, 1949.
Praça de Vereda Maior–Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 1986.
A Procissão do Silêncio–São Paulo. Global Editora, 1990.
Baldeação para Nínive–Rio de Janeiro, Editora Nórdica, 1994.
A Maldição da Cruz–São Paulo. Editora Nórdica, 1996.
Judith–São Paulo. Editora Marco Zero, 1998.
Depois e Ainda–São Paulo. Editora Marco Zero, 2002.
Contos:
Existência de Marina–Goiânia. Irmãos Oriente Editores, 1962.
Fonte Expressa–São Paulo. Edições MM, 1975.
Rodovia Preferencial–Rio de Janeiro. Editora Cátedra, 1981.
Idílio na Serra da Figura–Goiânia. Editora Contato comunicação, 2015.
Crônicas:
Livro de Ana–Goiânia. Irmãos Oriente Editores, 1972.
Segundo Livro de Ana–Goiânia. Editora do Jornal O Popular, 1980.
Crônicas & Outras Histórias–Goiânia. Editora de O Popular, 1998. (em parceria com os demais cronistas deste jornal)
Vaga-lumes da neblina–Goiânia. Editora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2005.
Terceiro Livro de Ana–Goiânia. Editora Kelps, 2013.
Gyn–Goiânia. Editora Contato Comunicação, 2015.
Poesia:
Salmos da Terra–Goiânia. Editora Policor, 1985.
Estiagem–Goiânia. Editora Kelps, 2009.
Ensaios:
Roteiro dos Sentimentos da Cidade de Goiás–Goiânia. Editora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2003.
O Velho Avesso do Novo–Goiânia. Editora Kelps, 2005. Em parceria com Lena Leão.
Santidade e Poesia–Goiânia. Editora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2006.
Presença do Tribunal de Justiça na História de Goiás–Goiânia. Fundação de Apoio e à
Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, 2010. Em parceria com Maria Augusta de
Sant’Anna Moraes.
Lírios do campo para Jesus de Nazaré–Goiânia. Editora Contato Comunicação, 2015.
Opúsculos:
Confissão do Abandono–discurso de posse na Academia Goiana de Letras–Goiânia. Irmãos Oriente Editores, 1968.
Estudo sobre Aluísio de Azevedo–discurso de posse na Academia Brasiliense de Letras Goiânia. Irmãos Oriente Editores, 1975.
A Nossa responsabilidade na Paz–palestra na Conferência do Distrito 453, do Rotery Internacional, em 1959.
“Dr. Ursulino foi um homem sábio”, homenageia Hélio Moreira
Silvana Marta
Ursulino Tavares Leão nasceu em Crixás em 10 de setembro de 1923. Foi vice-governador de Goiás quando o governador era Leonino di Ramos Caiado. Foi governador interino de 2 a 12 de julho de 1973. Ocupou a cadeira 20 da Academia Goiana de Letras desde 1967.
O velório aconteceu no Cemitério Jardim das Palmeiras e o sepultamento ocorreu às 13h de ontem. No velório, seus amigos marcaram presença.
Leonino di Ramos Caiado, a respeito de seu vice-governador e amigo, disse que “ele se revelou um homem de vasta cultura e uma coisa muito importante: de posições firmes. Quando fui governador, ele era vice-governador. Nos dávamos muito bem e vivíamos sempre como grandes amigos. Sinto muito pela sua morte. Ele se foi, mas deixa um grande legado para os amigos”.
Sobre Ursulino, Hélio Moreira declarou: “Há cerca de 15 dias eu escrevi um artigo para o jornal Diário da Manhã a respeito do Dr. Ursulino. Fui seu médico e tinha verdadeira admiração por ele, por isso escrevi esse artigo remontando uma cirurgia que fiz nele há muito tempo. E ele adorou. Como membro da Academia Goiana de Letras, posso dizer que nós, da academia, vamos sentir um imenso vácuo. Era a única pessoa da academia que tinha uma poltrona reservada para si. Ninguém sentava nela, só ele. Ficava do lado direito, segunda fila. Toda vida ele se sentou ali e todo mundo respeitava aquele lugar. Dr. Ursulino foi um mito. Como político, foi vice-governador do Estado. Ele foi um homem extraordinário, tanto na política quanto na cultura. Também era membro do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. No Sistema de Cooperativas de Créditos do Brasil (Sicoob), fundamos um Instituto Cultural, e sua atuação nesse instituto foi muito grande. Temos ali um biblioteca para a comunidade que foi em grande parte doada por ele, tanto para comunidade quanto para os associadoseosque queiram frequentar. Eu estive com ele a poucos dias atrás no hospital. Estava lúcido e conversamos sobre muitas coisas”.
Itami Campos disseque“Ursulino Leão foi uma pessoa que teve muito destaque na área da política. Ele foi vice-governador do Estado, foi Deputado Estadual, membro da antiga UDN, uma pessoa muito presente na política do Estado de Goiás durante muito tempo. Interessante que a partir de um dado momento, ele começou a escrever e deixa uma literatura bonita, como romances, bem interessantes. Como pessoa, Ursulino era cativante. Nós da academia, sempre tivemos uma admiração muito grande por ele. Tinha mais de 90 anos e era dotado de uma lucidez que impressionava. Sempre disposto, participativo, companheiro e amável. A idade não o obstaculizou dos amigos. Gostava de tomar seu uísque. Foi um escritor de muito renome”.
Kleber Adorno também repercutiu: “O Dr. Ursulino, de quem sou colega na Academia Goiana de Letras, foi uma figura humana extraordinária, um intelectual primoroso e atuante. Ele frequentava as sessões da academia todas as quintas-feiras, e foi uma perda para a cultura e para o mundo político, porque ele foi vice-governador. Ele era uma pessoa atualizada com as ocorrências políticas, participante, comparecia para votar, embora estivesse há muitos anos dispensado disso. Enfim, era um cidadão participante da nossa vida. Uma perda para o Estado”.
Sua neta, Luíza Pilar Petrillo Leão, de 28 anos, terapeura, disse que na escrita era um homem muito perfeccionista. “Me arrependo de não ter mostrado mais das minhas escritas para ele”, lamenta. “Meu avô era um poeta, um amante da natureza. Costumava se sentar na varanda e tomar seu uísque no final da tarde, observando o pôr-do-sol. Ele gostava de apreciar o entardecer, de ver a beleza das árvores e escutar a natureza. No dia a dia, via poesia nas pequenas coisas como nos passarinhos, especialmente bem-te-vis. Meu bisavô, Thomás Leão, tinha um fazenda que meu avô escreveu muito a seu respeito. Algumas pessoas diziam a ele: “eu conheço a fazenda São João”, embora nunca tenham estado lá, mas através de suas crônicas. Para mim foi um presente ver meu avô chegar aos 95 anos como ele chegou: lúcido, inteiro, e partiu como deveria ser. Foi um guerreiro que trazia a poesia do dia a dia a partir da vida que a natureza exalava”.
]]>