Cotidiano

Estudantes pregam linchamento de possível assaltante

Diário da Manhã

Publicado em 8 de maio de 2018 às 00:46 | Atualizado há 1 semana

Um grupo de estudantes da Universidade Federal de Goiás (UFG) incita desde o último final de semana por meio de grupo no Facebook o linchamento de possível criminoso que age no Câmpus Samambaia. As mensagens em sua maioria contam com cunho odioso e pregam que o jovem deve ser “executado sumariamente” para que a segurança volte a reinar na UFG.

Conhecido como“o bandido da tatuagem rosa”, o suspeito foi denunciado na manhã de ontem por alunos de Relações Internacionais da universidade, mas a Polícia Militar (PM) ainda não o capturou. A principal justificativa para legitimar a ação dos justiceiros é a ausência da PM no câmpus.

O acadêmico de Relações Internacionais da UFG, Davi Rodrigues,22, reconhece que o câmpus é perigoso, especialmente nos locais onde há pouca aglomeração de pessoas, porém repudia a brincadeira” promovida por justiceiros.

Segundo ele, algum inocente pode ser prejudicado por conta da ideia de querer resolver o problema com as próprias mãos e utilizando de métodos pouco civilizatórios. “Não é de hoje que tem estudante e trabalhador sendo assaltado nos ônibus”, relata Rodrigues, que foi um dos responsáveis por formalizar a denúncia contra o suspeito.

“A sensação que a gente tem é que o transporte público está abandonado. É superlotação e violência”. Ativo no grupo da UFG no Facebook e responsável por comentários com entonação odiosa, o estudante de Engenharia da Computação, P.S, 26, não mede esforços para propagar o linchamento do possível assaltante.

Para ele, “se você tem a oportunidade de reagir, deve reagir,mesmo se isso levar a óbito quem lhe assalta”. “Muitos desses assaltantes não possuem nada a perder para lhe tirar a vida”, afirma, pontuando que o reitor da UFG deveria intervir na situação em conjunto com a PM.

“Não é fácil conviver com o perigo todo dia, você ir ver uma aula e não saber se vai voltar com vida ou com seus objetos, é uma sensação de imprudência”, completa.

A advogada Isabel Lira afirmou que a dignidade da pessoa humana é um direito assegurado pela Constituição Federal. De acordo com ela, o Brasil não tolera nenhuma forma de discriminação provocada por condutas torpes, cruéis e que tenham a função de semear discursos de ódio. “Existem vários direitos fundamentais envolvidos nesse caso de incitação ao linchamento. Portanto, é necessário a gente contara ponderação deles, de modo anão esvaziar sua aplicação”, diz.

“A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República, que está presente no inciso 3° do artigo 1 da Constituição Federal”.

Em nota, a UFG disse que nos últimos meses diversos casos “em que houve notificação via aplicativo Minha UFG ou telefone foram sanados dando maior segurança aos estudantes e, inclusive, a possibilidade de recuperação de seus pertences”.

A instituição ainda frisou que “para facilitar o acesso a informações e disponibilizar mais um canal de comunicação com a comunidade universitária foi criada em 2015 esse aplicativo”. Segundo a universidade,dentre as funções da ferramenta,estão acesso à notícias, eventos,Guia Estudantil e a segurança.“No aplicativo, também há acesso rápido aos telefones de emergência”, completa a nota.

REALIDADE SOCIAL

Na primeira metade de 2014 foram registrados 50 casos de linchamento no Brasil. Em Linchamento: a justiça popular do Brasil, de 2015, o sociólogo José de Souza Martins afirmou que o mito da cordialidade deve ser desmascarado. De acordo com o estudioso, um milhão de compatriotas participaram de linchamentos nos últimos 60 anos.

Embora no início da década de 2000 houvesse uma ligeira queda nos casos, de 2013 para cá eles têm aumentado com grande velocidade. “O instante do linchamento é em tudo igual nos diferentes tipos de grupos de ação e é em tudo igual ao modelo de comportamento irracional da massa”, avalia o sociólogo, na obra.

Antes de reduzir os casos de mortes ligadas ao tráfico de drogas, o Uruguai restringiu os programas policialescos na televisão aberta. Já no Brasil, além de certos apresentadores reforçarem a ideia de impunidade e de alimentarem o imaginário de uma delinquência juvenil aliada ao crime, eles transmitem e incentivam ao vivo e sem restrições a chacina de suspeitos, alvejados a sangue frio sob os gritos histéricos dos apresentadores.

Em 2015, no auge da tragédia que culminou no linchamento de um adolescente no aterro do Flamengo, a apresentadora do SBT Rachel Sheherazade virou referência moral ao defender ações dos justiceiros. O censo de Justiça que move o País contra a da criminalidade é constituído em sua maioria por brancos que fazem parte da classe média. Mas o Código Penal reserva um espaço para isso.

Pessoas como o suposto assaltante da Universidade Federal de Goiás (UFG) cometeu um único crime: nascer no lugar errado e com a cor de pele errada em um País com resquícios escravocratas,o que proporcionou que atitudes típicas de justiceiros viessem à tona em um grupo formado no Facebook.

De um lado, o jovem pode virar um troféu de estudantes adeptos da máxima “bandido bom, é bandido morto”. Do outro,uma mera estatística.

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