Cotidiano

Exame de consciência

Diário da Manhã

Publicado em 11 de outubro de 2018 às 02:56 | Atualizado há 6 anos

Em entrevista ao Diário da Manhã, o médico psiquia­tra Marcelo Caixeta, arti­culista do DM e autor de vários livros, entre eles ‘A Mente de Ma­quiavel’ e ‘A Mente de Marx’, tra­ça um perfil psicológico daqueles políticos que perderam as elei­ções em Goiás e de suas convic­ções políticas. Para Caixeta, mui­tos vão entender ‘a derrota como uma punhalada de morte em sua alma, pois sua alma é aquela ati­vidade. Para o médico psiquiatra, “hiperativos vivem da atividade, não podem parar. É como andar de bicicleta, se parar, cai”. De acor­do com Caixeta, muitos são extre­mamente dependentes da vai­dade, das “liturgias do cargo”, do orgulho, precisam disso para sua ‘adrenalina’, para seu prazer.

“E o Brasil é um país muito “monarquista” neste sentido. Já viu como a Sociedade, o povo, tratam os políticos?”, questiona Marcelo Caixeta.

 

ENTREVISTA

 

Diário da Manhã–Nós, aqui da Redação do DM, temos observado a intensa revolta, ansiedade e mesmo reações depressivas de vários políticos tradicionais que perderam as eleições. Como o senhor analisa isso?

Marcelo Caixeta–Geralmen­te quem vai para a política têm muita energia, um temperamen­to forte, muitos são hiperativos, são muito sociáveis, muitos rea­tivos, preocupados, alguns mes­mo com algum transtorno afe­tivo ou do humor. Tais pessoas muito intensas, muito ativas, jo­gam todas as fichas naquilo que estão fazendo. Inclusive, muitos deixam os aspectos mais “nor­mais” da vida, como relacionar­-se com a família, com amigos, com a Igreja, com os funcioná­rios, e deixam isso para entrega­rem-se integralmente aos proje­tos políticos. Não entenderão a derrota como mais um “percalço da vida”, como as pessoas nor­mais. Irão entender a derrota como uma punhalada de mor­te em sua alma, pois sua alma é aquela atividade. Hiperativos vivem da atividade, não podem parar. É como andar de bicicle­ta, se parar, cai.

Diário da Manhã–Por que não conseguem dedicar-se normalmente ao trabalho, à família, à igreja e etc?

Marcelo Caixeta–Há pessoas , como eu disse acima, que são hi­perativas, ou hipertímicas (tem­peramento forte para o lado da atividade , da alegria, do conta­to social), e que acham a “vida normal” sem graça. Outros pen­sam muito , preocupam muito, são um pouco obsessivos, e esta obsessão se transforma em neces­sidade de controle, em necessi­dade de dominação, e antevem que, na política, poderiam dar vazão a este desejo de poder. Que­rem poder, influência, mando, controle, mas , por outro lado, não têm a estabilidade emocio­nal suficiente para construírem o seu “próprio império”, suas pró­prias iniciativas. Estes dias mes­mo, um famoso político goiano disse, mais ou menos assim: “não nasci para ser empresário, não nasci para construir nada, tudo que eu boto a mão não dá certo, nem um carrinho de pipoca; eu nasci para criticar, para legislar, para reclamar, para falar, para denunciar; não nasci para ad­ministrar nada”. Resumiu mui­to bem o que eu disse.

Diário da Manhã–Este tipo de personalidade não acaba sendo ruim para o governo ou mesmo para o povo?

Marcelo Caixeta–Há seus pro­blemas, de fato. Mas por outro lado, sua hiperatividade, seu ex­cesso de energia, os torna capazes de amealhar demandas de gran­des parcelas da população ou de grandes parcelas da Sociedade Ci­vil. O problema é que, por causa dos problemas psicopatológicos apontados acima, muitos não sa­bem como utilizar este material, não têm estabilidade psicológi­ca suficiente para isso. Talvez isso explique porque, no Brasil, o Go­verno, apesar de cobrar cada vez mais imposto, cada vez se deso­briga mais das funções de Estado. São pessoas que estão lá não como espírito administrativo, gerencial, organizacional, mas sim estão lá apenas para criticar a Socieda­de, apenas para criar Leis restri­tivas para a Sociedade, apenas para criar mecanismos de contro­le e extorsão da Sociedade. Não es­tão lá para construir, por um sim­ples motivo : não sabem construir. Construir alguma coisa, sobretudo num país onde o empresário é ex­tremamente cobrado, penalizado, como no Brasil, exige uma altíssi­ma estabilidade emocional, um alto controle e organização, senão não dá conta. Estando o Estado, os Governos, tão cheios de pessoas instáveis, sem capacidade organi­zacional, não é de se estranhar que os serviços públicos sejam cada vez mais precários, apesar de toda a propaganda e apesar dos recursos crescentes que a eles são alocados .

Diário da Manhã–O senhor poderia dar exemplos concretos disso que está falando?

Marcelo Caixeta–Vamos pegar um exemplo banal dentro da área que eu milito há quase 40 anos. Em 1981,ano que comecei a tra­balhar com psiquiatria hospita­lar, havia aproximadamente 1750 leitos hospitalares públicos de psi­quiatria. Naquela época a carga tributária em cima do cidadão es­tava em aproximadamente 23% . Pois bem, quase 40 anos depois, te­mos aproximadamente 220 leitos psiquiátricos públicos em Goiâ­nia, com uma carga tributária aproximada de 37 % nas costas do cidadão. Ou seja, em resumo: o Governo deixou de prestar assis­tência em 90% dos casos mas au­mentou a cobrança pelos serviços em quase 50%. E querem mais po­der, querem mais impostos, que­rem mais controle sobre a socie­dade. Em momento algum jogam a toalha e dizem : somos incom­petentes para cuidar de qualquer coisa que seja, temos é de deixar a Sociedade Civil cuidar das coi­sas. Não conseguem fazer um mea culpa de sua incapacidade geren­cial, incapacidade esta que, como mostrei acima, tem profundas raí­zes psiquiátricas (hiperatividade, instabilidade, frieza emocional, “esperteza velhaca”, etc).

Diário da Manhã–Mas sendo “hiperativos”, não deveriam ter uma tendência maior para “virar o disco”, ou seja, começarem outra coisa depois de terem perdido as eleições? Os hiperativos não são instáveis com tudo? Não teriam facilidade para começar outra coisa?

Marcelo Caixeta–Há uma clas­se de hiperativos, chamados de “ obsessivo-hiperlaborais” , que são mais organizados, mais obsessi­vos, do que aquele hiperativo co­mum, que tende a ser desorganiza­do mesmo. E , como o nome indica, tendem a ser um pouco obsessivos, e esta obsessividade os torna an­siosos ou preocupados. Muitos não irão se recuperar facilmente daque­le “modus vivendi” que a política lhes dava. Muitos são extremamen­te dependentes da vaidade, das “li­turgias do cargo”, do orgulho, pre­cisam disso para sua “adrenalina”, para seu prazer. E o Brasil é um país muito “monarquista” neste sentido : já viu como a Sociedade, o povo, tratam os políticos ? Ao contrário da Europa, onde são cidadãos co­muns, aqui no Brasil, são incensa­dos por onde passam, o povo olha para eles com atitudes embevecidas, com olhares suplicantes, com sala­maleques e rapapés de todos os ti­pos. Isso vicia, e retirá-los da políti­ca é como dar-lhes um tratamento para síndrome de abstinência.

Diário da Manhã–Então, seria como se estes políticos que não foram eleitos estivessem numa “síndrome de abstinência” ?

Marcelo Caixeta–Exatamen­te. Pessoas hiperativas, bipolares, com algum transtorno ansioso, de humor, afetivo, podem ter tendên­cias a se viciarem em determinadas atividades, seja comer, fumar, tran­sar, ter poder, fazer política , estar o tempo todo articulando, fazen­do esquemas, armando maracu­taias. Quando isso acaba, perdem o chão, sobretudo porque não cul­tivaram atividades laborais cons­trutivas, não cultivaram relações sociais, familiares, comunitárias, sadias e preenchedoras. Neste sen­tido eles são muito materialistas, ligados ao aqui-e-ao-agora, sem muito material intelectual, sem muito material afetivo, relacional, familiar, religioso, sem muita esta­bilidade da alma. Vivem naquela agitação, não conseguem parar de andar de bicicleta.

Diário da Manhã–Este tipo de comportamento que o senhor. diz que eles têm repercute nas atividades do governo e na estruturação do Estado?

Marcelo Caixeta–Sim, pode ver que , no Brasil, a política não tem ideologia, não tem intelectualida­de, não tem organização metodo­lógica, é tudo uma bagunça, é fei­ta na base do “eles gostam de mim porque tenho carisma”, ou do “eles votam em mim para que eu lhes ar­ranje benesses no Estado ou para que eu os proteja do Estado”. Esta superficialidade organizacional da política, superficialidade ideológi­ca, metodológica, superficialidade de planejamento, tudo isso reflete a inconstância psicológica da men­te do político brasileiro. Por causa destas instabilidades, muitos não têm atividades prazerosas fora do Estado, não conseguem gerir uma empresa, não conseguem auferir prazer intelectual em nada, pra­zer religioso, prazer afetivo na fa­mília, nada. Aliás, de modo geral, abandonaram tudo isso para de­dicarem-se à política, virou um ví­cio . A derrota é um tipo de “cura” para este vício, mas muitos não es­tão preparados para esta “cura”.

 

 

Outros pensam muito, preocupam muito, são um pouco obsessivos, e esta obsessão se transforma em necessidade de controle, em necessidade de dominação, e antevem que, na política, poderiam dar vazão a este desejo de poder. Querem poder, influência, mando, controle, mas, por outro lado, não têm a estabilidade emocional suficiente”   Tais pessoas muito intensas, muito ativas, jogam todas as fichas naquilo que estão fazendo. Inclusive, muitos deixam os aspectos mais ‘normais’ da vida, como relacionar-se com a família, com amigos, com a Igreja, com os funcionários, e deixam isso para entregarem-se integralmente aos projetos políticos”   Estando o Estado, os governos, tão cheios de pessoas instáveis, sem capacidade organizacional, não é de se estranhar que os serviços públicos sejam cada vez mais precários, apesar de toda a propaganda e apesar dos recursos crescentes que a eles são alocados”
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