Falta de sono provoca autodestruição cerebral
Diário da Manhã
Publicado em 22 de agosto de 2018 às 04:12 | Atualizado há 6 anosDormir traz diversos benefícios para os seres vivos, principalmente para o cérebro. Além de repor as energias que se gasta durante o dia, o sono também “limpa” os restos da atividade neural que são adquiridos no nosso cotidiano, e que podem ser prejudiciais. Mas agora, em uma nova pesquisa, foi descoberto que este mesmo mecanismo de limpeza acontece também em cérebros que estão sendo privados do sono ou que têm dormido pouco. Mas com um porém: ao invés de limpar os restos das sinapses, esses cérebros começam a limpar as próprias sinapses e neurônios, em um processo que se assemelha ao canibalismo.
A equipe, liderada pela neurocientista Michele Bellesi, da Universidade Politécnica de Marche, na Itália, examinou a resposta do cérebro de mamíferos aos maus hábitos de sono e descobriu essa semelhança entre os ratos descansados e sem sono. O problema é que foi descoberto que a recuperação do sono pode não ser capaz de reverter os danos nos cérebros que passam a se alimentar de si mesmos.
Como as células em outras partes do corpo, os neurônios do cérebro são constantemente atualizados por dois tipos diferentes de células gliais, que funcionam como uma espécie de cola do sistema nervoso. Umas delas, as células da microglia, são responsáveis por limpar as células velhas e desgastadas através de um processo chamado fagocitose. Já os astrócitos removem as sinapses desnecessárias no cérebro para “refrescar e remodelar” as fibras neuronais.
Sabe-se que esse processo ocorre quando dormimos para limpar o desgaste neurológico do dia, mas agora parece que o mesmo acontece quando começamos a perder o sono. Mas ao invés de ser algo benéfico, o cérebro começa a devorar partes saudáveis de si mesmo e lesões surgem. “Mostramos pela primeira vez que porções de sinapses são literalmente comidas por astrócitos por causa da perda de sono”, conta Bellesi.
Para descobrir isso, os pesquisadores analisaram os cérebros de quatro grupos de ratos: um grupo foi deixado para dormir por 6 a 8 horas (bem descansado); outro foi periodicamente acordado do sono (espontaneamente acordado); um terceiro grupo foi mantido acordado por mais 8 horas (privação de sono); e um grupo final foi mantido acordado por cinco dias seguidos (cronicamente privados de sono).
Quando os pesquisadores compararam a atividade dos astrócitos entre os quatro grupos, identificaram-na em 5,7% das sinapses dos cérebros de camundongos bem descansados e em 7,3% dos cérebros de camundongos espontaneamente acordados. Nos camundongos privados de sono e cronicamente privados de sono, eles notaram que os astrócitos aumentaram sua atividade para realmente comer partes das sinapses, como as células microgliais comem resíduos, um processo conhecido como fagocitose astrocítica. Nos cérebros de camundongos privados de sono, descobriu-se que os astrócitos estavam ativos em 8,4% das sinapses e, nos camundongos cronicamente privados de sono, 13,5% das sinapses apresentavam atividade astrocitária.
Segundo os pesquisadores, a maioria das sinapses que eram fagocitadas nos dois grupos de camundongos privados de sono eram as maiores, que tendem a ser as mais antigas e mais usadas, o que provavelmente é uma coisa boa. “Elas são como móveis antigos e, portanto, provavelmente precisam de mais atenção e limpeza”, diz Bellesi.
Mas quando a equipe averiguou a atividade das células microgliais nos quatro grupos, eles descobriram que ela também aumentou no grupo cronicamente privado de sono. E isso é uma preocupação, porque a atividade microglial desenfreada está associada a doenças cerebrais como Alzheimer e outras formas de neurodegeneração.
“Descobrimos que a fagocitose astrocítica, principalmente de elementos pré-sinápticos em grandes sinapses, ocorre após a perda de sono aguda e crônica, mas não após a vigília espontânea, sugerindo que pode promover a limpeza e reciclagem de componentes desgastados de sinapses fortes e muito usadas”, relatam os pesquisadores.
“Por outro lado, apenas a perda crônica de sono ativa as células da microglia e promove sua atividade fagocítica. O que sugere que a interrupção prolongada do sono pode estimular a microglia e talvez predispor o cérebro a outras formas de danos”, conclui Michele Bellesi. Apesar de o estudo ainda se encontrar em fases iniciais, é bom ressaltar que o número de mortes por Alzheimer aumentou 50% desde 1999. Se tais consequências da falta de sono se assemelham ao mecanismo de deterioração cerebral observada no Alzheimer, respeitar as exigências do corpo, se atentar aos horários para uma melhor noite de sono e dormir a quantidade recomendada pelos médicos (de 6 a 8 horas) diariamente talvez seja a atitude mais sensata e prudente.
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