Cotidiano

Falta um estadista para o Brasil?

Welliton Carlos da Silva

Publicado em 23 de agosto de 2017 às 15:09 | Atualizado há 2 semanas

A crise enfrentada pelo Brasil exige mudanças radicais no sistema político ou no mínimo, e na melhor das hipóteses, a busca de um político que encarne a figura de um estadista. Do jeito que está não pode ficar.

Clichê das classificações dos personagens da política, o estadista costuma atravessar momentos de tensão e apaziguar os ânimos de um país em crise. Geralmente é um ator político que une carisma e possibilidades de articulação. Em outras palavras, o estadista sabe agradar o campo político e ao mesmo tempo o povo.

A questão é que carisma e articulação são valores do passado. Em um sistema político pós-moderno pode ser que esta solução não tenha validade ou seja desprezada por quem, de fato, detém o poder.  Moeda escassa, a falta de estadistas suscita outros fenômenos pós-modernos. Muitos países adotaram a figura do ‘outsider’, um não-político para resolver seus dramas de orientação.

O termo estadista costuma ser utilizado para se referir principalmente aos gestores de personalidade forte, o que nem sempre é adequado. Reduzir a expressão ao mero gestor deixa de fora, evidente, grandes debatedores e legisladores.  E o melhor exemplo é de um goiano, o ex-senador Alfredo Nasser, que teve importância crucial na República durante as décadas de 1950 e 1960.

Gabriela Allegrini, ao pesquisar a relação de estadistas e opinião pública, descreve a existência de um simulacro ordenado pelas elites e Estado cujo produto pode ser o surgimento de situações como o caciquismo – uma das características de muitos homens considerados estadistas. “Apesar do nosso sistema de representatividade parlamentar ser constitucional, ainda carecemos de uma política moderna efetiva que estabeleça uma coesão social governável”, diz. Daí o surgimento da figura dos estadistas.

A pesquisadora afirma que existe uma tendência da grande mídia em classificar as lideranças progressistas da América Latina como excêntricas, ditatoriais e coronelistas.

“Não é de se admirar que ao evocar o nome da América Latina no imaginário popular surjam à mente figuras ligadas à sua política, como é o caso do militar venezuelano Simón Bolívar. O que de fato caracteriza esse continente, na visão da grande mídia, são os estadistas, que na realidade, por vezes, são tidos como heróis das massas excluídas do plano de governo das elites que controlam os grandes veículos de comunicação”, afirma.

Na política brasileira, é consensual que Getúlio Vargas seja a imagem central do estadista. E neste sentido ele encarna todos os valores discutidos na caracterização geral e impressões pejorativas, caso do caráter ditatorial, já que comandou o país sob um regime de exceção.

Além de Getúlio, existe grande tendência de caracterizar Juscelino Kubitscheck como um estadista, na medida em que ele encarna valores nacionalistas, apesar do desenvolvimentismo ser sua tônica.

 “A virtú neste caso é a flexibilidade. Vem daqui a definição central: o político contemporâneo é sempre bem sucedido quando une diversas habilidades, cujo centro é a ação contraditória e exclusivamente voltada para sua sobrevivência. O estadista moral é uma raridade”.

Quase sempre na narrativa dos grandes estadistas figura uma passagem de bravura, determinação ou heroísmo cívico. É assim, por exemplo, com Pedro Ludovico, que optou em trocar a capital de Goiás por dois motivos: para “modernizar” e também para isolar a central do poder dos adversários políticos, no caso, os Caiados, que sempre foram baseados na cidade de Goiás.

Não fazem parte desta seleta lista políticos populares como Marconi Perillo (PSDB) ou Iris Rezende (PMDB) ou mesmo os governantes anteriores, que atuaram como gestores. Eles, todavia, guardam características dos grandes estadistas, como carisma, liderança e capacidade de impactar a opinião pública.  No sentido de “homem de estado”, tanto um como o outro encarnam a figura.  Entretanto, uma das características dos estadistas, conforme as definições correntes, é o desprendimento partidário. Deste modo, o estadista tem sabedoria de sobra na arte de governar e atua sem limitações partidárias.

As recentes especulações em torno de uma possível união entre Iris e Marconi, encarada como absurda por vários militantes tucanos e peemedebistas, se aproximam desta característica: união dos diversos em prol de um interesse público.

O advogado Felipe Melo, mestre em filosofia política, diz ao DM que Aristóteles trabalha a virtude como fator preponderante dos homens de estado. Mas a partir de Maquiavel ocorre nova configuração: a governabilidade passa a ser uma arte – que inclui o disfarce, a desfaçatez, a simulação e o uso de qualquer meio para a manutenção do poder. “A virtú neste caso é a flexibilidade. Vem daqui a definição central: o político contemporâneo é sempre bem sucedido quando une diversas habilidades, cujo centro é a ação contraditória e exclusivamente voltada para sua sobrevivência. O estadista moral é uma raridade”.

 

BRASIL

O cientista político Lehninger Mota aprofunda a explicação. Ele diz que uma das características fundamentais do estadista é o exercício da virtude. Mas diz que outra vertente de teóricos caracteriza o estadista como aquele que consegue se adaptar. “Existem duas definições de estadista mais relevantes. Alguns autores entendem que a prática virtuosa está intrínseca ao estadista, ou seja, o estadista, por ser virtuoso, transita em todos os segmentos ideológicos e consegue assim realizar grandes feitos na administração. Por outro lado existe outra vertente teórica que define o poder de se adaptar e se harmonizar com a realidade a principal característica do estadista. Para esses teóricos a flexibilidade moral é que transforma um governante em um estadista”.

Lehninger diz que desconhece no Brasil o estadista da versão virtuosa.  Mas sobram aqueles que sabem se adaptar rapidamente a uma determinada realidade. “No Brasil não tivemos essa versão mais romântica de estadista, qual seja, o que governa pela virtude e moral. Por aqui sobressaiu os estadistas que se adaptaram a realidade e jogaram o jogo, porém esse modelo de governante se mostra exaurido. Existe um claro fortalecimento das instituições fiscalizadoras e isso frustra os planos de quem tem uma moral flexível”, explica o sociólogo.

Ele não acredita que a saída para a crise brasileira passe pela escolha de um estadista. “Precisamos de um modelo político-eleitoral que fortaleça as instituições em detrimento de salvadores da pátria”, diz.

Em busca de um presidente

Em 2018, o Brasil tem um compromisso com as urnas. O país vai em busca de solução para inúmeros problemas: o déficit público, a maior taxa de desemprego da história, universidades  fechadas,  crise na previdência por conta de constantes roubos e saques dos governantes, corrupção endêmica em praticamente todas as obras públicas do país, descredito internacional, uma classe política em peso desacreditada e suspeita e um Judiciário considerado leniente com corruptos e criminosos.

Diante do caos, o país busca alguém para dar ordem e sentido. Diferente de outras crises nacionais (como a ditadura de 1964, a crise das Diretas Já, Mensalão, etc), desta vez o país se vê em uma crise globalizante e que afeta todos partidos. Existem suspeitos em todas legendas. Políticos estão presos e o Brasil não articula a mudança do processo eleitoral em curto espaço de tempo.

Até agora os nomes mais cotados para a disputa não apresentam o perfil deestadista. Lula é o que mais se aproxima das características, mas tem contra ele sete ações criminais e uma condenação, fatores que podem pesar diante de uma disputa eleitoral e de sua imagem pública. Todavia, apresenta carisma popular e capacidade de adaptação, mas não revela a virtude clássica dos estadistas, que é moralidade inabalável.

Marina Silva (REDE), uma das líderes das pesquisas, não apresenta o perfil carismático de estadista, apesar de ter em seu currículo a virtude. Dentre os tucanos, os mais cotados não encarnam o perfil: governador Geraldo Alckmin é um técnico sem carisma. Eficiente, ele tem uma ação política pública discreta. Foi incluído na lista dos suspeitos da Lava Jato.

Cria de Alckmin, o prefeito de São Paulo, João Dória, não encarna a figura de estadista. É o modelo de ‘outsider’ brasileiro, que repete em São Paulo as mesmas ações de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, com grande ‘recall’ midiático.

Ciro Gomes é também um gestor com semelhanças a vários estilos políticos, mas não encarna o perfil de estadista carismático. Ao DM, ele condena esta busca a qualquer custo e pede razão ao eleitorado: “O Brasil não pode buscar salvadores da pátria. O momento não é para isso”, diz.

Um dos cotados para a disputa, Jair Bolsonaro, sem partido, tem como característica o uso de frases fortes e contundentes. É um dos líderes, mas o comportamento o afasta do perfil de estadista. Se parece mais como ‘outsiders’, apesar de ser deputado federal de carreira.

 [box title=”Grandes estadistas“]

Goiás

Pedro Ludovico (1891 – 1979)

Médico, com grande formação intelectual, encarnou no Estado as mudanças protagonizadas por Getúlio Vargas. Construiu Goiânia e lançou as bases para que JK construísse Brasília. É considerado um gestor de moralidade inquestionável.

 

Alfredo Nasser (1907-1965)

Ex-senador, o jornalista tornou-se uma das vozes mais ouvidas do país nas décadas de 1950 e 1960. Tornou-se um exemplo paradigmático de parlamentar. Foi ministro da Justiça. É considerado um dos políticos mais probos do país, sem nenhuma denúncia contra suas atuações no Congresso Nacional.

 

BRASIL

Getúlio Vargas  (1882-1954)

Advogado e líder civil da Revolução de 1930, é a encarnação clássica doestadista brasileiro. Contraditório, aliou o caudilhismo aos avanços políticos que incluíram as massas de trabalhadores. É inspirador do trabalhismo no Brasil e da inclusão do sindicalismo no debate público político.

Juscelino Kubitschek (1902- 1976)

Médico e oficial da Polícia Militar, JK é considerado um gestor diferenciado. Nem todos teóricos o consideram estadista, mas o comportamento público, carisma e o desafio de criar Brasília o coloca no rol dos “Homens de Estado”.

 

Mundo

Winston  Churhill (1874-1965)

Político inglês, Churchill é considerado um dos maiores estadistas da Europa. Enfrentou o nazismo e se consolidou como administrador, estrategista e homem de sensibilidade pública. Venceu o prêmio Nobel pelas ações e alta cultura. Foi correspondente de guerra. Como primeiro-ministro do Reino Unido se imortalizou na política através da moralidade e eficiência. Sua fama foi tamanha que artistas como John Lennon receberam o “Winston” como estigma de sua influência entre britânicos.   Seu nome se perpetuou entre as camadas médias e populares inglesas.

Thomas Jefferson (1743-1826)

Terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson é considerado um filósofo político, com grande influência no pensamento liberal. Suas características centrais o credenciam a ser considerado um estadista: ampla defesa de liberdades individuais e civis, independente de classe política e partido, e carisma. É um dos fundadores do Partido Democrata Republicano, numa das últimas tentativas de unir as duas tradições políticas americanas. É considerado um dos maiores exemplos de polímata.

 

 

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O que eles pensam sobre os estadistas

Aristóteles – “O que o estadista mais anseia por produzir é um certo caráter moral nos seus concidadãos, particularmente uma disposição para a virtude e para a prática de ações virtuosas.”

 

Henry Kissinger – “O dever de um estadista é revolver a complexidade, e não contemplá-la.”

 

Milton Friedman – “O oportunismo de um homem é a competência deestadista de outro.”

 

James Freeman Clarke – “Um político pensa nas próximas eleições. Umestadista pensa nas próximas gerações.”

 

Mikhail Gorbachev – “Qual é a diferença entre um estadista e um político? Um estadista faz aquilo que pensa ser melhor para o seu país; um político faz aquilo que pensa ser melhor para ser re-eleito.”

 

Oscar Wilde – “Um estadista é um político morto. Precisamos de maisestadistas.”

 

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