Goiânia envelopada
Diário da Manhã
Publicado em 2 de novembro de 2016 às 01:09 | Atualizado há 1 semanaA intensa chuva que atingiu Goiânia no último domingo surpreendeu os goianienses pela dimensão dos estragos causados: inúmeras árvores foram arrancadas, ruas e avenidas alagadas. Não menos importante: o trecho da Marginal Botafogo, nas proximidades com o viaduto da Avenida Independência, teve o asfalto arrebatado após o transbordamento do Córrego Botafogo. Diante da fragilidade apresentada pela cidade com a chegada das primeiras chuvas, muitos se perguntam se Goiânia tem estrutura para suportar as chuvas que apenas começaram.
Em entrevista à reportagem do Diário da Manhã o arquiteto e urbanista, presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas de Goiás e também conselheiro titular do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO) Garibaldi Rizzo descreve que o crescimento populacional e consequentemente a ocupação urbana da capital goiana foi acelerado nas últimas décadas, superando e muito a previsão inicial da população que era de 50 mil habitantes, chegando hoje a mais de 1,4 milhão de habitantes. Esse crescimento, ele afirma, proporcionou oportunidades em diversos setores, porém a cidade tem enfrentado problemas relacionados à ocupação indevida e ao crescimento desordenado. “Goiânia foi edificada em sua maior parte na bacia do Ribeirão Anicuns e densamente urbanizada. Nesse processo foram ocupadas áreas de preservação permanente (APP) próximas aos cursos d’água. Esse fato modificou as condições naturais e gerou impactos que são sentidos pela população. Moradores dessas áreas, bem como os de toda planície fluvial, convivem hoje com inundações e alagamentos”. O especialista acrescenta que a porção sul de Goiânia apresenta grande quantidade de ocorrências de inundações. Destacam-se nessa porção bacias que apresentam altos níveis de ocupação e ocorrência de eventos de inundação associados principalmente aos córregos Macambira, Cascavel e Botafogo, em diversos bairros. “As inundações provocaram e provocam transtornos à população de Goiânia, o homem não respeitou os limites da natureza e a natureza não aceita os limites impostos pelo homem. Cabe então aos seres humanos reverem seus conceitos de dominação do meio físico e passarem a compreender que limites devem ser respeitados”, adverte. Em entrevista ao DM, Garibaldi Rizzo explica o que ocorre na capital goiana.
Confira a entrevista na íntegra
DM–Alguns dizem que o excesso de pavimentação, inclusive nos lotes, por exemplo, tem algo a ver com essas inundações?
Garibaldi Rizzo–Sim, na realidade enveloparam nossas cidades, em nome de políticas públicas populistas que visavam apenas o asfalto e acabar com a poeira, esqueceram da drenagem. A medida que a cidade se urbaniza, ocorre o aumento das vazões máximas devido a impermeabilização e canalização. A produção de sedimentos também aumenta de forma significativa, associada aos resíduos sólidos e a qualidade da água chega a ter 80% da carga de um esgoto doméstico.
DM–O que poderia ser feito pelos poderes públicos para mitigar os efeitos das chuvas intensas que têm caído sobre Goiânia?
Garibaldi Rizzo–Na realidade os prefeitos anteriores abordaram de maneira secundária a questão da drenagem no planejamento da expansão da cidade e as soluções para os sistemas urbanos de saneamento consistiam simplesmente no afastamento do problema de um lugar para o outro, tanto no caso dos esgotos quanto na condução das águas pluviais. Ao voltar o olhar para as marginais do Córrego Botafogo e do Cascavel, vejo a grande irresponsabilidade adotada pelas gestões municipais que passaram por Goiânia, com tristeza constato que as medidas saneadores são impossíveis para a recuperação do estrago feito, mas um diagnóstico sobre os nossos fundos de vale que ainda restam se faz necessário, o Rio Meia Ponte espera por isso a muito tempo.
O melhor meio para se evitar grandes transtornos por ocasião de uma inundação é regulamentar o uso do solo, limitando a ocupação de áreas inundáveis a usos que não impeçam o armazenamento natural da água pelo solo e que sofram pequenos danos em caso de inundação. Esse zoneamento pode ser utilizado para promover usos produtivos e menos sujeitos a danos, permitindo a manutenção de áreas de uso social, como áreas livres no centro das cidades, reflorestamento, e certos tipos de uso recreacional.
DM–Se esse período de chuvas intensas persistir mais algum tempo há perigo de os córregos transbordarem?
Garibaldi Rizzo–A ocupação inadequada do solo nas grandes cidades, sem a devida distância das margens de rios, ocasiona inundações em períodos de cheias; a impermeabilização excessiva do solo prejudica sua drenagem e contribui para a ocorrência de inundações e alagamentos; o desmatamento de margens de rios e a destruição de mata ciliar provoca assoreamento; dentre outros. Canalizados, retificados e muitas vezes escondidos sob ruas e avenidas, rios ou pequenos córregos perderam suas margens e matas ciliares, mas, principalmente, perderam a condição de elemento de ligação entre as pessoas e a natureza, presente no ambiente urbano num passado remoto.
DM–Você acha que é o caso de trocar tubulação dos esgotos por tubos de calibre mais grosso para dar vazão a água?
Garibaldi Rizzo–O problema não se resume a apenas esta ação. As próximas gestões municipais devem adotar critérios norteadores para o planejamento da ocupação do solo de fundos de vale urbanos, caso contrário nossa reserva hídrica será totalmente comprometida.
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