Cotidiano

Goiás pode ter mais quatro colégios militares

Diário da Manhã

Publicado em 12 de setembro de 2018 às 02:39 | Atualizado há 3 semanas

Com custo de até três vezes mais aos cofres públicos, a educação militarizada ain­da é a saída encontrada pelo go­vernador e candidato à reeleição José Eliton (PSDB) para o ensino público em Goiás. Isso porque o deputado estadual Helio de Sousa (PSDB), integrante da base aliada do tucano na Assembleia Legisla­tiva de Goiás (Alego), conseguiu deliberar anteontem em primei­ra votação a criação de mais qua­tro escolas que serão comanda­das pela Polícia Militar (PM) nas cidades de Niquelândia, Minaçu, Campinorte e Aragarças.

No texto, o deputado destaca que a ideia é aproveitar as estrutu­ras já existentes nas escolas e pas­sar para a PM o comando pedagó­gico. O deputado defendeu ainda que o estilo rigoroso dos colégios militares e os resultados positivos registrados nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) justificariam por si só a proposta, que deve ser apreciada em segun­da votação na Alego antes de ser encaminhada para sanção do go­vernador. Caso a medida seja apro­vada por Zé Eliton, Goiás passará a ter 50 colégios militares coman­dados pela PM e s.

Doutorando em Ciência Políti­ca na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o cientista so­cial Ian Caetano explicou ao Diá­rio da Manhã que o aprendizado se dá por meio da reflexão crítica e que “a doutrina militar pressupõe obediência absoluta e irrefletida”. Ele pontuou que ter disciplina é importante no processo educacio­nal, mas Goiás vem despontando na contramão de tendências pelas práticas pedagógicas mais avança­das. Segundo o estudioso, o ex-go­vernador Marconi Perillo (PSDB) chegou a dizer em uma ocasião que a escola militar “era remédio contra professor rebelde”.

“Por exemplo, há apenas um colégio público na região, sem avi­so nem debate ele é “militarizado”, logo, por força, têm de aceitar os pais e estudantes um regime que não reivindicaram e com o qual não necessariamente concordam”, argumenta o cientista social. Para Ian, esse tipo de medida é quase como se o serviço militar fosse im­posto ao espaço civil sem ter ne­nhuma consulta por parte da co­munidade. “Não é competência da polícia militar, assim relata a cons­tituição, a gestão de colégios públi­cos. A competência da polícia mi­litar não é essa”, reforça.

Ian lembrou ainda que, do pon­to de vista pedagógico, não é atri­buição da PM a gestão do ensi­no público. De acordo com ele, os pedagogos ao redor do mundo vem discutindo que uma educa­ção com objetivo engrandecedor se consolida no momento em que há reflexão e questionamento. As­sim, explana ele, a lógica militar é acatar e obedecer, e não emanci­par e debater. “Não que uma prá­tica seja superior à outra, mas am­bas cumprem funções distintas e não são eficientemente compatí­veis no mesmo espaço”.

Em abril, durante inauguração de um colégio militar em Sancrer­lândia, no interior do Estado, o go­vernador Zé Eliton afirmou que a militarização da escola era “a rea­lização de um sonho de civismo e de patriotismo” simbolizado pelos padrões . Já o secretário de segu­rança pública e ex-governador de Goiás durante a ditadura militar, Irapuan Costa Júnior, ressaltou que o “grande trabalho de educação moral e ética” que supostamente seriam proporcionados aos jovens.

MINISTÉRIO PÚBLICO

Em novembro do ano passa­do, conforme noticiou o Diário da Manhã, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) se reuniu com o comando de ensino da Polícia Mi­litar (PM) para questionar as cha­madas “contribuições voluntárias” nos colégios militares. O termo se refere a pagamentos mensais que são realizados pelos responsáveis aos alunos. Na ocasião, o coman­dante de ensino da PM, coronel Anésio Barbosa, afirmou que es­sas cobranças eram inadmissíveis e que iria tomar providência em relação à prática.

O historiador Rafael Saddi ex­plicou, em artigo publicado no li­vro O Estado de Exceção Escolar– uma avaliação crítica das escolas públicas militarizadas, que houve diminuição em mais de 100% dos alunos cujas famílias têm renda de até um salário mínimo. Ele tam­bém declarou que a quantidade de estudantes nesta condição matri­culados em escolas militarizadas figura na casa de 5%, enquanto que nos demais colégios da rede estatal são 16%. Saddi ainda fri­sou que a militarização do Colé­gio Waldemar Mundim, no Setor Itatiaia, na região norte de Goiâ­nia, é preocupante.

“Mais ainda se pensarmos que, na região, o outro único co­légio público que atende a co­munidade (no ensino médio) apresentou, na mesma pesqui­sa, também índice socioeconô­mico escolar alto. Trata-se do Ce­pae (Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação) da UFG”, escreveu o historiador, critican­do a universidade. “Mas, isso, longe de diminuir, fazem ecoar de modo ainda mais forte a per­gunta entoada de modo doloro­so pela senhora mãe naquela re­união: “Se o Colégio Waldemar Mundim for militarizado, aon­de os meus filhos vão estudar?”.

Em artigo publicado na mesma obra, o sociólogo Dijaci David de Oliveira comentou que os colégios militares se favorecem do discurso de medo de violência. “O discurso de segurança pública tem se tor­nado importante para muitos go­vernantes. Por meio dele tem sido possível criar mecanismo que per­mitem um maior controle dos mo­vimentos sociais”, explica. “A cultu­ra do medo e a prática militarista tendem a vender a ideia de que a militarização é uma solução para ampliar a segurança, além de ser­vir de combate à violência”, diz.

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