‘Licença’ para atirar
Diário da Manhã
Publicado em 3 de março de 2018 às 00:45 | Atualizado há 1 semana
A intervenção federal no Rio de Janeiro trouxe à tona um dilema: o Exército brasileiro enfrentará a guerra do tráfico como polícia ou como exército?
Deste dilema dependeria a eficácia da medida, dizem os responsáveis pela intervenção.
Conforme Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, é crucial que sejam modificadas as regras para que um homem que porte armas seja alvejado.
Ele cobra o Ministério Público e Congresso Nacional para que deem respaldo aos soldados, garantido a atuação nas ruas do Rio de Janeiro. “Essa questão é fundamental para que possamos obter eficácia”, diz.
As regras de Engajamento das Forças Armadas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) costumam seguir um padrão: o uso da força deve ser o último recurso e só deve ser feito depois de esgotadas todas as possibilidades de negociação.
Outra regra estabelecida na Diretriz Ministerial nº 15/2010: a reação deve ser proporcional à ameaça ou situação encontrada.
Pela regra, é preciso seguir uma sequência de ações: 1) alertar verbalmente, empregando alto-falantes, se for o caso; 2) negociar; 3) realizar demonstrações de força, priorizando o princípio da massa; 4) empregar formações de controle de distúrbios; 5) usar armas não letais – lançar gás lacrimogêneo, água e granadas de efeito moral; 6) atirar com munição especial – projétil de borracha; e 7) executar tiros de advertência (exemplo, tiros para o alto).
A normativa ainda explica os casos em que é necessário usar armamento: “O emprego de munição real só deve ser feito diante de caracterização de ato hostil que represente grave ameaça à integridade física dos integrantes da Força de Pacificação e/ou da população, sempre como último recurso”.
De acordo com a diretriz, a fração da Força de Pacificação só realizará “fogo” mediante ordem do seu comandante ou em legítima defesa própria ou de terceiros.
Antes de atirar, o policial deverá: 1) executar tiros de advertência (exemplo, tiros para o alto), se possível em locais visíveis pela força adversa, de forma a intimidá-la; 2) atirar somente na direção do oponente claramente identificado; 3) buscar ferir e não matar o oponente; 4) direcionar os tiros para os membros inferiores dos oponentes, com o objetivo de incapacitá-los, ou para o motor/ pneus do veículo; 5) tomar todas as precauções razoáveis para não ferir qualquer outra pessoa além do oponente; 6) atirar somente o necessário, interrompendo o fogo quando o oponente houver cessado a ameaça; 7) realizar disparos sempre tiro a tiro (fogo automático só como último recurso).
POLÊMICA
As ações do Exército estão ainda engessadas diante das polêmicas quanto aos aspectos judiciais e administrativos.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos divulgou nota em que repudia as ações e pedidos do Exército. “A atuação das Forças Armadas é historicamente marcada pelo aumento do número de violações de direitos, operando na lógica do ‘combate ao inimigo’ e, segundo essa lógica, a população negra, pobre e moradora de favelas e periferias é quem tem sido ‘combatida’ pelas tropas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica”.
Uma das polêmicas é o pedido de “mandados coletivos”. O Exército diz que através de um só documento poderia vasculhar bairros inteiros, o que tornaria as ações mais eficazes. A outras formas, com os mandados individuais, por exemplo, demandariam tempo e dinheiro, já que exacerbaria a atuação do Poder Judiciário.
O escritório regional do Humans Rights Watch, através da diretora Maria Canineu, afirmou ao DM que o Governo Federal comete um conjunto de erros: “A decisão de colocar um general do exército no comando das polícias civil e militar do Rio de Janeiro é preocupante”.
Para ela, o uso das Forças Armadas em operações de policiamento tem fracassado há décadas. E a nova intervenção não parece ser diferente.
Senador goiano relata ‘Lei do Abate’ e indica regra para ações do Exército
O senador Wilder Morais (Progressistas-GO) finalizou o relatório da “Lei do Abate”, proposta pelo senador José Medeiros (PSD-MT). Para o senador goiano, tanto Legislativo quanto Poder Executivo devem uma resposta legal para operacionalizar as ações de segurança pública programadas no Rio de Janeiro e demais estados.
Wilder Morais é o relator da Política Nacional de Segurança Pública, apresentada na Comissão de Constituição e Justiça em dezembro de 2017, que influenciou o presidente Michel Temer a requerer a intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro.
O senador pede apoio ao projeto de Medeiros para que amplie a possibilidade de ação do Exército no Rio de Janeiro. Wilder devolverá nesta semana o relatório da proposta que institui a “Lei do Abate”.
Em linhas gerais, a proposta de Medeiros dá mais garantias aos policiais quando estão diante de situações de risco e com suspeitos munidos com armas de grande porte – caso de fuzis e metralhadoras.
Wilder Morais afirma ao DM que a questão é, sobretudo, política e técnica. Ou seja, é preciso interesse para que a norma entre em vigor e surta efeitos imediatos. “Esta norma pode ser a solução para os soldados do Exército atuarem no Rio de Janeiro. Sabemos que nesta guerra só um lado pode atirar primeiro: o lado dos bandidos. E eles contam com armamentos de última geração”.
Wilder afirma que o protocolo das ações dos militares segue uma série de procedimentos que não funcionam em casos semelhantes ao do Rio de Janeiro. “O soldado não pode sair atirando. Só que não podemos dialogar com quem tem uma arma deste porte nas mãos”.
José Medeiros defende sua cria legislativa e garante que a regra vale apenas para quem está diante de um criminoso armado com máquinas de guerra: “Bandido com arma de guerra precisa ser abatido. Dizer que policial só pode reagir após ser alvejado, esquece, morreu. Depois levar 10 tiros até alma sai de muleta”, diz.
Wilder afirma em seu relatório que a mudança interfere no Código Penal e tipifica a legítima defesa nestes casos: “Hoje o agente da lei que abre fogo contra um marginal ilegalmente armado – durante uma operação policial, ainda que este demonstre claramente sua hostilidade – será investigado, possivelmente afastado e corre o risco de ser condenado, veja só, até mesmo por homicídio. Um completo e inaceitável absurdo”.
O QUE SÃO ARMAS DE USO RESTRITO
- Armas de uso restrito são aquelas reservadas aos agentes de segurança pública e às Forças Armadas, como fuzis e metralhadoras.
- Policiais lançaram uma campanha nas redes: “Hoje, os militares são ‘flagrados’ nas favelas portando armamento exclusivo dos bandidos. Ou seja, vivemos uma completa inversão de valores. É a polícia que precisa esperar a ação do bandido armado”.
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