Marcha das prostitutas pede reconhecimento trabalhista
Júlio Nasser
Publicado em 4 de abril de 2016 às 18:02 | Atualizado há 2 semanasPode não ser a profissão mais antiga do mundo, como uma falácia dita há séculos, mas a atividade da prostituição acompanha parte significativa da humanidade sem que ocorra qualquer interferência do poder público. Imoral para muitos, a atividade é legalizada em vários países. Mas também o contrário: é criminalizada com reclusão em várias nações.
No Brasil, a prática tenta sem sucesso chegar ao Congresso Nacional e ser legitimada como profissão. Prostituir-se – no Brasil – não é crime. Mas explorá-la, sim. Daí que mudar o sistema implicaria em várias modificações, exclusive no Código Penal.
Pelo caminhar legislativo, a prostituta não terá tão cedo acesso ao seguro desemprego. Pelo menos se depender dos debates dentro casa de leis, que faz o possível para que os projetos permaneçam engavetados ou imobilizados, a tendência é tudo ficar como está: uma prática nem legal nem moral. Algo invisível para o espaço público.
De autoria do deputado federal e ex-Big Brother Jean Wyllys, o projeto de lei 4.211/2012 pretende regulamentar a profissão. Na Câmara dos Deputados, a proposta foi arquivada e o parlamentar pediu o ano passado seu desarquivamento.
É uma briga que não tem fim. O deputado federal pastor Eurico, relator do projeto, pediu a rejeição. “Em primeiro lugar, a legalização da prostituição favorece mais os cafetões, hoje chamados de empresários, e promove a expansão da indústria do sexo”, diz o deputado, que questiona a norma e todas as suas motivações, como a ideia de que a ao regularizar afasta-se a criança e o adolescente desta espécie de favor sexual remunerado.
A proposta de Jean Wyllys garante aos “profissionais” o acesso à saúde, ao direito do trabalho e à segurança pública. Uma comissão apreciar seu conteúdo. Mas a polêmica tende a ficar para depois. Desde 2015, não ocorreu movimentação em torno da PL 4.211/2012.
Antes de Wyllys, o ex-deputado federal Fernando Gabeira tentou debater o assunto. A proposta entrou na pauta em 2003. Mas jamais foi adiante. Três anos depois, o projeto de regulamentação do deputado federal Eduardo Valverde entrou na Câmara, mas jamais conseguiu ganhar destaque nos debates do dia a dia. E assim as prostitutas continuam em busca do que chamam de “representatividade”. “Eles não me representam. Esses parlamentares nos ignoram e se esquecem de que temos o direito de sermos aceitas pela sociedade”, diz Ana Amélia Rodrigues, prostituta em Goiânia que iniciou um movimento pela defesa da “profissão” e que esteve na Redação do DM para divulgar sua causa.
Ana Amélia realiza intensa mobilização na internet: “Existe uma grande quantidade de pessoas que começa a entender o que passamos e o que queremos. É uma questão de segurança para todos”. Ela cita a experiência da Alemanha e da Holanda, que regularizaram os serviços de prostituição. “Estive na Holanda e uma das vontades das jovens de lá é poder tirar sua carteira de motorista. No ano passado, a Holanda começou a permitir uma permuta: as prostitutas ou qualquer mulher podem trocar serviços sexuais por aulas de motorista. O Brasil parece muito moralista, não? Quando avançará?”.
IMPOSTOS
Na Holanda, a prostituição foi legalizada em 2000, a partir de um acordo tarifário. O advogado Leandro Mendes, que é de Goiânia e está na Bélgica para finalizar seu mestrado, afirma ao DM que a regra do país vizinho Holanda “tem duas vias”: “O Fisco cobra impostos. Os serviços de sexo chegam à casa dos 900 milhões de dólares ao ano. As prostitutas são visitadas pelo fisco, que avalia agendas, contabilidade e realiza sua taxação. Ou seja, ser reconhecido como trabalho ou prestação de serviço tem lá seu lado negativo”.
Ana Amélia diz que as jovens que trabalham com ela e outras “irmãs de causa” pretendem realizar manifesto em Brasília, junto a outras “profissionais do sexo”: “Atendemos os políticos e eles sequer se mexem para nos atender, aceitando que somos, sim, trabalhadoras. Não movem uma palha para aprovar a profissão de prostituta. Mas nos paga!”.
[box title=”‘Deusa’ spartana protesta em Brasília”]
A prostituta paulista Spartana Hera, que pede para não ser identificada, afirma que se inspirou nas manifestações que ocorrem no país para pedir que o governo faça seu “habitual esforço para aprovar projetos de lei” e torne a proposta de Jean Wyllys em norma efetiva.
Já reconhecida na mídia, a prostituta afirma que gosta do que faz e que encara seus serviços como “trabalho sério e dedicado”. A frase que costuma levantar nos manifestos é “Seja deputado ou puta, todo mundo merece respeito!”.
Ela explica que tem realizado várias viagens para Brasília, onde agrada clientes inclusive no Congresso Nacional. A prostituta diz que recebe cerca de R$ 30 mil ao mês com a prática de seus serviços e que crise não a atingiu, mas o mercado de prostituição sentiu os “erros de Dilma”. O “cachê” de Spartana, que não é legalmente salário, é a junção de dois ou três programas por dia.
Spartana diz que a insatisfação das prostitutas é geral e “negar seus direitos” é o ápice do “preconceito mais sórdido”.
[/box]
]]>