Cotidiano

Mistérios dos quintais

Diário da Manhã

Publicado em 3 de janeiro de 2016 às 15:54 | Atualizado há 1 semana

Algumas flores permanecem vivas em nossa memória desde muito cedo. Mesmo que não saibamos seus nomes, as cores brilhantes e as lembranças as mantém vivas em nossa memória. Elas estão em vários lugares. Algumas, as mais comuns, costumam nascer sem que ninguém saiba dizer quem plantou, enfeitando quintais e calçadas, pincelando o concreto cinzento com suas cores vivas. Outras são cultivadas em parques, formando mosaicos. Existem ainda as pouco percebidas, minúsculas, que dão pontos coloridos às hortas caseiras.

À procura por flores que representassem às ruas, jardins e hortas de Goiânia, percebi que várias das flores que encontrei no caminho me levavam a um período inicial da vida: a infância. Me dei conta da proximidade que as crianças tem das flores, por uma questão de tamanho mesmo. Quando somos menores as flores rasteiras estão mais próximas, parecem maiores em nossas mãos. A presença de suas cores vibrantes e de sua textura frágil nos faz querer tocá-las, amassá-las, testá-las, como uma forma de estudo pessoal.

Texturas

Um dos temas do disco ‘O mistério dos quintais’, lançado em 1983 pela banda gaúcha Quintal de Clorofila é o contato das crianças com as plantas, durante a infância e durante toda a vida. Da mágica misteriosa que envolve os primeiros contatos com todas as cores do quintal surge uma relação homogênea entre tudo que é vivo. Antes que sejamos bombardeados por inúmeras explicações sobre a vida, biologia, química, estudos e mais estudos, as folhas, árvores, flores e musgos nos ensinam na prática o que são.

No disco, os irmãos multi-instrumentistas Negendre e Dimitri Arbo convidam o público ao olhar orgânico e empático com elementos naturais. O mistério das plantas esquecido, desde que começamos a ter a impressão de que a explicação de tudo deve estar escrito em algum lugar, ganha espaço nos acordes nostálgicos e orgânicos das canções. Na faixa-título ‘O mistério dos quintais’ que encerra o disco, eles avisam: “

Existe um mistério no fundo dos quintais. Ainda mais nos quintais de casas muito antigas. Deve ser a alma da infância que ficou presa ali.Igual o balão cativo esgarçante no tempo.

Através do contato com a ideia proposta pelo disco, decidi registrar em um ensaio fotográfico essas flores sem nome, às vezes pouco percebidas devido a sua frequente e supostamente eterna presença. As fotos foram realizadas em três localidades: ruas do setor Faiçalville, na região Sudoeste de Goiânia; na entrada do Parque Macambira, no mesmo setor; e na horta e jardim da casa de uma moradora do bairro. A intenção era perceber os detalhes e o desenho de suas formas.

Mas não é só na expressividade visual das flores que mora a grande importância e relevância delas na vida das pessoas. Elas fazem referência a vários sentimentos, nomeiam pessoas e são presentes que simbolizam o que palavras não conseguem dizer. Fontes de substâncias curativas, ornamentais e recreativas, também são material de estudo para várias áreas do conhecimento. Médicos e compositores se interessam por elas.

Romantismo

As flores também servem de inspiração para artistas que a utilizam como metáforas românticas. O cantor tocantinense Juraíldes da Cruz utiliza as flores para expressar o sentimento da saudade. No disco ‘Terra’, de 1990, a canção de abertura, ‘Dodói’, traz flores acompanhadas de uma linguagem musical que remete ao campo. É uma das músicas mais famosas de Juraíldes, e começa com os versos: “Ei flor, cadê o cheiro que você prometeu? Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu. Ei flor, será que não se lembra mais deu? Ei flor, daquele cravo dijuntim seu”.

Outra música bastante conhecida no imaginário do goiano é a moda ‘O ipê e o prisioneiro’, composição de José Fortuna e Paraíso, registrada pela dupla Mococa & Paraíso no disco de estréia da dupla lançado em 1986. Conta a história de um homem confinado em uma cela, que convive diariamente com uma árvore de Ipê, planta típica do cerrado, desde que ela foi plantada. A solidão do homem se expressa na conversa que ele mantém com o “ipê florido” que viu crescer e ganhar vida:

“Quando há muitos anos fui aprisionado nesta cela fria. Do segundo andar da penitenciária lá na rua

eu via. / Quando um jardineiro plantava um ipê e ao correr dos dias. / Ele foi crescendo e ganhando vida enquanto eu sofria. / Meu ipê florido, junto à minha cela / Hoje tem altura, de minha janela / Só uma diferença há entre nós agora / Aqui dentro as noites não têm mais aurora”. A canção é um dos clássicos da música caipira, e já foi regravada por grandes nomes como Chrystian & Ralf e Liu & Léo.

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