“Nós estamos vivendo um colapso social”, afirma sacerdote
Diário da Manhã
Publicado em 6 de julho de 2018 às 00:26 | Atualizado há 7 anosAos 58 anos, o padre Luiz Augusto Ferreira da Silva quer mais do que nunca desabafar contra as injustiças sociais que tomam conta do mundo e prejudicam o próximo. Em entrevista ao Diário da Manhã durante a tarde de ontem na paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, em Aparecida de Goiânia, ele disse que a família está sendo destruída a passos rápidos por conta do consumismo.
Afirmou que os jovens estão sendo movidos por drogas e bebidas. Revelou conversas que teve nos últimos dias com pessoas que lhe confessaram casos de prostituição. Contou cenas que viu em suas visitas aos presídios. E destacou a burocracia e a má vontade dos órgãos públicos em relação à saúde dos mais necessitados.
ENTREVISTA
DM–Como o senhor vê o panorama social e político?
Em todas as áreas, dentro de casa e fora de casa, a situação está calamitosa. O sistema penitenciário não recupera as pessoas. Nos hospitais, o abandono é total. Em casa, os pais e os filhos não se entendem. Os pais estão entrando na bebedeira e nas drogas. As pessoas que têm poder de decisão estão se omitindo, sempre passando os problemas para outros resolverem. E, infelizmente, o povo não reage. Parece que perdeu a consciência e está entorpecido. Então, estamos em um momento crítico. As pessoas não estão acordando. Agora mesmo recebi uma notícia de que um adolescente de 16 anos caiu de um prédio. O câncer como enfermidade física virou epidemia, o suicídio é uma epidemia e a violência também.
DM–Frequentemente, a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) divulga estatísticas que mostram redução da violência. É verdade?
É mentira, é propaganda enganosa. Nós sabemos que não é dessa forma, pois vemos assalto o tempo todo, violência o tempo todo. É mentira, porque propaganda em época eleitoral é muito fácil de fazer. Não existe essa redução. Dentro dos presídios, por exemplo, os presos não têm condição alguma de conversão. Uma pessoa que é presa precisa ter condição de mudança de vida. Deve pagar pelo crime com justiça, mas não há justiça lá dentro e nem aqui fora. Em ano eleitoral, é fácil fazer propaganda com carros pela rua e discursos na televisão. Porém, isso não é verdade. Está cada vez pior. E essa violência que a gente pensa é muito maior diante da violência que a gente vê, diante do descaso nos hospitais e nas escolas, cujo ensino é de péssima qualidade e onde os meninos estão mexendo com drogas e não recebem educação para a vida. É preciso acordar.
DM–O que poderia ser feito para melhorar essa situação?
A população precisa se unir pela justiça de verdade. Todo mundo acha que matar criminoso é a solução para os problemas. Não levam à sério a palavra de Deus, não respeitam a família. Ah, vamos voltar o regime militar. Vai resolver o quê? As pessoas são as mesmas, não mudam de coração, não mudam de decisão. Atualmente, o problema social é a família, porque tudo começa pela família.
DM–Por que a Ditadura Militar seria ineficiente para solucionar os problemas do Brasil?
Porque mudar o regime não adianta nada. Não haveria diálogo, não haveria uma participação mais efetiva da população. Não é a ditadura que vai resolver. Quanto aos homens que estiverem no Poder, precisam pôr esses serviços nas mãos do povo e fazerem o que tem de fazer. Quando eu ligo para um juiz, por exemplo, ele diz que não é da sua alçada um preso estar em trânsito. Mesma coisa para alguém que está sem tomografia. Não adianta o Ministério Público pedir algo se não houver ações efetivas. Tudo isso que te falo é um desabafo de quem vê esses problemas todos os dias.
DM–Como a população deveria agir no período eleitoral?
Com consciência. O povo só tem uma força, que é voto, mas o vende por R$ 15, por gasolina. Eu vejo isso durante as eleições, porque todo mundo sabe que acontece. Até brinco: se você vendesse seu voto, mas não votasse no candidato, tudo bem. Contudo, você vende seu voto e acaba votando em um pilantra.
DM–Padre, você acredita que a distribuição de renda no Brasil é desigual?
Sim. Como que um pai de família, que possui despesas fixas, paga conta de água, energia, alimentação, aluguel, vai conseguir arcar com essas responsabilidades ganhando salário de R$ 1,200? Como ele tem condição de viver? Hoje, com esse valor nem uma pessoa solteira consegue viver, não consegue estudar, não consegue fazer nada. Não tem jeito. E quando tem algum valor vão beber. Goiás é o lugar onde mais se bebe e prostituição está estampada.
DM–Como está a saúde pública?
Vou aos hospitais todos os dias. Ontem mesmo fiz 18 visitas em lugares diferentes. Fui a uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) visitar uma pessoa que estava internada com câncer em estado grave. Nessa UTI havia duas mulheres, e uma delas estava passeando e esperava internamento em outro hospital. Na semana seguinte, encontrei ela no Hospital das Clínicas (HC) em um quarto normal. Não tinha de estar na UTI. Então, estava ali por quê? Por que ficou 13 dias esperando por um médico especializado? Estou falando de coisas sérias.
DM–E o sistema educacional, como senhor o vê?
Onde existe educação nesse País? Está cada dia pior, cada dia sem qualidade nenhuma. Os professores são reféns e não podem reprovar os alunos. Isso ocorre no sistema privado também. As escolas não recebem verba se houver alto índice de reprovação. É uma vergonha. Não tem educação sexual, afetiva, nada. No regime militar, funciona. Mas fora disso, não funciona.
DM–Como o senhor enxerga a vida nestes tempos de modernidade líquida?
Está cada dia mais difícil. As famílias estão destruídas. Divórcios acontecem o tempo todo. Esposas e esposos estão sempre fora de casa. Fiz retiros para vários jovens. As cartas deles falam de suicídio e clamam por atenção. Ou você acha que está tudo certo com pais voltando tarde da noite? Não dá. Pais e mães não trabalham pelo bem de seus filhos, porque eles não sabem que acontecem com suas crianças e adolescentes.
A população precisa se unir pela justiça de verdade. Todo mundo acha que matar criminoso é a solução para os problemas” O sistema penitenciário não recupera as pessoas. Nos hospitais, o abandono é total”]]>