O custo de uma separação
Diário da Manhã
Publicado em 9 de abril de 2018 às 02:45 | Atualizado há 6 dias
Apesar do que rege a frase: “até que a morte os separe” e sendo o casamento um compromisso de vida de importância especial para as pessoas, o conceito anteriormente citado há tempos não é mais seguido à risca. O divórcio ainda gera muitas dúvidas, mas, para os casos em que o casal não vê outra alternativa, as sociedades modernas o têm permitido com mais facilidade e naturalidade.
Ninguém casa pensando em separação ou divórcio, mas, perante um casamento não satisfatório, começam a surgir inúmeros problemas no convívio e no relacionamento, os quais, consequentemente, resultam em crises emocionais e outros conflitos inerentes ao término de uma relação. Contudo, qual a melhor opção para colocar um ponto final na história?
Em entrevista à reportagem do Diário da Manhã a advogada Sylvia Christiane Meira de Moura explica passo a passo os direitos e deveres de cada parte no processo de separação/divórcio e qual a melhor opção para cada caso. A especialista observa que o primeiro passo é saber qual foi o regime patrimonial escolhido quando os cônjuges se casaram. Sendo os tipos de regimes de bens: regime da comunhão parcial de bens, regime da comunhão universal de bens, regime de participação final de aquestos e regime da separação de bens.
Sylvia descreve que o regime de bens mais escolhido entre os casais é o regime da comunhão parcial de bens. “A aceitação ao regime parcial se deve ao fato dos bens anteriores ao casamento não entraram na comunhão/divisão de bens, em caso de divórcio ou separação, somente se comunicando os bens, após o casamento”, menciona. Ela destaca que a separação mais recomendada é a consensual, pois esta minimiza os custos, tanto financeiros quanto emocionais.
“No divórcio consensual não há necessidade de processo judicial, não há demora. Quem procura essa solução, quer se desvincular de seu ex cônjuge de maneira rápida. Dessa forma, não há brigas, e sim um acordo entre as partes. Em regra, não há necessidade de advogado, e nem de custas judiciais, é simplesmente uma decisão racional e direta, onde ambos vão ao cartório, onde se casaram e requerem o divórcio com a consequente averbação”, define. A advogada acrescenta que o único gasto que as partes terão é com o cartório respectivo.
“Vale salientar, que na existência de filhos menores e/ou incapazes, mesmo que o divórcio seja consensual, haverá a necessidade de ter que entrar com um processo judicial, haja vista a necessidade de intervenção do Ministério Público, que é o responsável para verificar se estão sendo respeitados nesse divórcio, os direitos da criança e do adolescente; no que diz respeito à guarda, visitas, alimentos, vestuário, lazer, educação, entre outros. Esse processo judicial, também é rápido”, esclarece.
Em contrapartida, descreve Sylvia, no divórcio litigioso, há a necessidade de um advogado, especialista na área, que desenvolva um trabalho técnico, verificando a possibilidade de divisão dos bens, tentando igualar as vantagens patrimoniais adquiridas no casamento, esse trabalho se transformará em um processo judicial, em que se verificará a justa repartição dos bens. Também, será analisado, afirma a advogada, se há direito de pensão a um dos ex-cônjuges, bem como se houver filhos, a fixação de alimentos, guarda, visitas, vestuário e lazer, etc.
“No divórcio/separação litigiosa, além dos gastos com o advogado contratado, ainda haverá as custas iniciais, as diligências aos longo do processo e ainda as custas finais. Vale lembrar que caso não se possa arcar com os custos para a propositura da ação, deverá demonstrar ao Juiz, a incapacidade financeira, caso seja comprovada essa incapacidade, não haverá custos processuais”, expõe.
QUANDO HÁ FILHOS
A advogada Sylvia Meira menciona que se o casal tiver filhos menores de idade, o acordo ou a sentença do juiz deverá prever questões de guarda, convivência e pensão alimentícia. “O relacionamento termina, mas não o convívio familiar. A criança e o adolescente deve ter a companhia de seus pais e é regulado em lei. Caso o direito ao acesso da criança ou adolescente seja impedido ou barrado de alguma forma, poderá entrar com um pedido judicial de direito de visitas”.
Já em relação à guarda da criança e/ou adolescente, ela evidencia que será analisado a idade e as necessidades e possibilidades entre os genitores e avaliado cada caso. “Se houver inconformismo, ou mesmo disputa em relação aos pais, deve-se entrar com um pedido de guarda, e em regra tem – se decidido pela guarda compartilhada”, enfatiza.
Sobre os alimentos, Meira expõe que estes são devidos para a subsistência da criança e adolescente que podem ser ofertados por um dos genitores, ou mesmo solicitados ao juiz, por meio de processo judicial, o processo serve para analisar a necessidade e a possibilidade do pagamento dos alimentos, binômio possibilidade/necessidade.
“A demonstração clara da necessidade com a indicação da rotina e dos afazeres da criança e/ou adolescente, bem como a possibilidade de acordo com o valor que recebe um dos genitores serve como parâmetro para a fixação da pensão alimentícia para os filhos. Não tem como o juiz arbitrar um valor alto de pensão alimentícia se o genitor (a), que não está em posse da guarda, não tem condições de pagar uma quantia alta. No processo se houver ocultação de patrimônio ou bens para reduzir o valor da pensão poderá prejudicar a parte que o fizer, dessa forma aumentando consideravelmente o valor da pensão”, destaca.
PATRIMÔNIO
Depois dos filhos, a maior preocupação dos casais que se separam é com os bens. Em relação ao patrimônio, esclarece Sylvia, se houver questionamento dos bens, esses deverão ser discutidos. Há a aceitação do casamento pelo regime de comunhão parcial de bens, dessa forma, vale a premissa de que haverá a discussão de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio, lembrando que tem exceções de percentual a maior para um dos ex-cônjuges, exceções.
“Não vale pensar que como o patrimônio foi adquirido com o esforço particular e individual de um dos cônjuges, que outro não terá direito a metade que lhe cabe, se ambos estão submetidos a um regime de casamento de comunhão parcial de bens. O esforço comum é verificado de acordo com muitos fatores. Não é porque a manutenção da renda familiar é trazida por um dos cônjuges, que o juiz não irá considerar o apoio familiar, educação de filhos, manutenção do lar, e tempo dedicado à família”, adverte.
Sylvia ressalta que a sensibilidade de um juiz da Vara de Família e Sucessões percebe todas as questões que envolvem essa problemática. “Se não quiser dividir bens, tem que se adotar o regime de separação de bens, pois nesse regime não há comunhão/divisão em caso de separação, o que cada um contribuir financeiramente é o que se leva em consideração. Não colocou dinheiro no bem, não registrou em seu nome, não é seu”, afirma.
Sobre o regime de participação final de aquestos, a especialista cita que este é pouco divulgado já que toma como divisão/separação o que cada um efetivamente contribui na relação, como uma balança, em que cada um tem o domínio/posse individual do bem até a separação, que é quando há a verificação do quanto influenciou ou contribuiu. “Pode ser que um dos cônjuges tenha a individualização completa do bem, mas quando separa há a integração desse bem ao patrimônio do casal, como gera insegurança não foi muito bem recepcionado”, avalia.
Ela explica que na comunhão universal de bens há a comunicação do patrimônio antes de casar, ou seja, caso tenha adquirido um imóvel antes do casamento, sendo ele quitado, mas há a decisão por esse regime, em caso de separação/divórcio haverá a necessidade de divisão com o outro cônjuge desse bem.
“Vale explicar que a melhor maneira para a preservação do patrimônio é antes de casar a assessoria de um advogado que verifique a situação do casal. Caso ocorra o evento separação/divórcio não haja uma guerra infinita pelo patrimônio, com gastos de custas processuais e honorários e o desgaste emocional”, conclui.
“Toda separação é sofrida e turbulenta em algum grau”
A maioria dos divórcios tem na sua origem uma causa de carácter negativo que implica ou envolve crises emocionais e outros conflitos inerentes ao final da relação. Em entrevista à reportagem do Diário da Manhã a psicóloga e psicanalista Marcella Haick Mallard fala sobre os conflitos emocionais e outros fatores psicológicos que determinam uma separação.
Diário da Manhã–Quais as principais causas do divórcio?
Marcella Haick Mallard–É usual a atribuição da causa da separação a fatores como desgaste do relacionamento ao longo dos anos, relações extraconjugais, não valorização dos afetos, problemas sexuais, problemas financeiros, problemas com filhos, problemas com família do cônjuge dentre outros. Entretanto todos esses fatores são, do ponto de vista psicológico mais efeito de como a relação do casal foi construída do que propriamente a causa. Assim, cada caso é um caso pois há fatores subjetivos do laço do par conjugal e de cada membro individualmente que definem se terão maiores ou menores recursos em cada uma dessas situações para lidar com as crises, desencadeando ou não uma separação.
DM–Quais são os danos emocionais e outros conflitos inerentes ao final da relação?
Marcella Haick -Toda separação é sofrida e turbulenta em algum grau, pois envolve perdas significativas tanto de caráter externo (alteração de grupos sociais, mudança de hábitos de vida, perdas econômicas, reorganização da relação com filhos) como perdas internas, principalmente pautadas no ideal de casamento que se construiu no início do relacionamento.
DM–Quais são os fatores psicológicos que determinam uma separação?
Marcella Haick–As situações de sofrimento psíquico que ocorrem durante um processo de separação são marcadas pelo retorno de sentimentos muito primitivos, próprios da experiência infantil, como abandono e desamparo, que até então estavam recalcados em cada um dos cônjuges. Decorrente disso, as reações tão comuns de dor, brigas, agressões verbais e físicas, raiva, sentimento exacerbado de posse, ameaças, não são raras. São todas reedições de situações infantis.
DM–Quando ocorre a separação, o casal passa por um período na maioria das vezes de sofrimento, consequência direta e natural da perda da relação. O que se recomenda que o casal faça para minimizar o sofrimento?
Marcella Haick–Para que essa experiência possa ser elaborada, é importante que em primeiro lugar, se possa realizar o luto do casamento desfeito. Mais do que perder a pessoa com quem o cônjuge dividiu uma vida, perde-se o lugar ideal que ambos construíram, na família, nos relacionamentos, na posição social que cada um ocupava no casamento e que davam uma identidade social e uma posição subjetiva. A música Trocando em Miúdos de Chico Buarque ilustra bem esse movimento de luto. A partir desse luto o processo de elaboração se daria em três tempo: num primeiro momento retira-se os investimentos afetivos depositados na pessoa e no casamento, volta-se esses investimentos para si próprio, num momento de maior introspecção (não caracterizando necessariamente uma depressão), para que somente num terceiro momento possam ser reinvestidos os afetos em outros alvos e expectativas (sejam novas relações amorosas ou projetos de vida) que abram uma perspectiva de uma nova vida. Tentar apagar o vazio deixado pelo outro investindo rapidamente em outra relação é uma saída comum mas que apenas tampona o vazio deixado pelo ex-parceiro ou parceira. É preciso tempo para que o processo seja elaborado.
DM–Como ficam as crianças e adolescentes com o divórcio, quais os efeitos do divórcio nos filhos dos casais separados e como os danos podem ser minimizados?
Marcella Haick–Como acontece um transbordamento dos excessos emocionais, os mesmos acabam se apresentando na relação com os filhos também. Alguns pais para compensar a ausência do companheiro, apegam-se exageradamente aos filhos; compartilham dos sentimentos de hostilidade que trazem do ex-parceiro com eles; ou passam a angariar cumplicidade dos mesmos nos sentimentos de repúdio “contra” a figura parental ausente , o que culmina muitas vezes numa situação de alienação parental. A despeito da dificuldade emocional da situação, o ideal é que, em primeiro lugar, pai e mãe se posicionem como tais, compartilhando da responsabilidade do cuidado com os filhos e acolhendo o sentimento de dor dos mesmos. Lembrando que os adultos da situação são eles e que transformar o filho em substituto do cônjuge, conselheiro, confidente ou qualquer posição que não a de filho, recai sobre eles como uma avalanche muitas vezes insuportável, gerando sintomas nas crianças ou adolescentes. Quando o sofrimento for intenso é importante buscar acompanhamento psicoterápico para as crianças, pais e muitas vezes para família.
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