Cotidiano

O debate dos jogos

Diário da Manhã

Publicado em 4 de outubro de 2016 às 01:50 | Atualizado há 7 dias

  • Os pais atribuem qualquer reação ou comportamento agressivo dos filhos à prática. No entanto, essa crença de que os jogos são má influência não é bem vista pela ciência, que até discorda do estigma dos jogos violentos
  • Por muitas vezes os jogos eletrônicos levam a culpa pelo comportamento agressivo de jovens que buscam neles uma forma de distração. Até mesmo a influência para cometer crimes é atribuída aos games, resultando em medidas punitivas tanto da família quanto do próprio governo de alguns países. Entretanto, não é o que acredita a ciência, bem pelo contrário. Jogos considerados violentos não influenciam negativamente os adolescentes, enquanto games de outros gêneros podem até mesmo influenciar positivamente aqueles que os jogam.

    Uma pesquisa realizada pela American Psychological Association (APA), ou Associação Americana de Psicologia dos Estados Unidos, mostrou sobre como os adolescentes são afetados pelos jogos eletrônicos. Através de um questionário, 20 alunos do ensino médio de uma escola pública, entre 15 e 18 anos de idade, tiveram o comportamento analisados por pesquisadores e especialistas na área de psicologia. O estudo, que dividiu os alunos em dois grupos, disciplinados e indisciplinados, apontou que, mesmo jogando games violentos com frequência, o comportamento e o estado emocional dos adolescentes não sofreram alteração.

    Após a análise de dados, constatou-se que os jogos violentos, tais como Resident Evil, God of War e Counter Strike, são os mais utilizados pelos adolescentes dos dois grupos em estudo, independentemente do seu comportamento escolar, disciplinados ou indisciplinados. Desta forma, não foi constatado qualquer indício através da pesquisa de que os jogos violentos provocassem mudanças consideráveis no comportamento visto que metade dos alunos questionados possui bom comportamento dentro do ambiente escolar e está dentre aqueles que mais utilizam esse tipo de entretenimento, jogos eletrônicos categorizados como “violentos”.


    Polêmica

    Desde o polêmico lançamento de “Doom”, jogo de tiro em primeira pessoa, em 1993, surgiu um debate que chega até 2014 e, aparentemente, insiste em não se encerrar. O caso é que, para a época, Doom foi considerado um jogo brutal e de uma violência exacerbada. Mesmo com a censura o proibindo para menores de 18 anos, em alguns países ele foi banido totalmente das prateleiras. E aí, em 20 de abril de 1999, aconteceu uma tragédia que serviu de “comprovação” para as teorias de que videogames incitam a violência nos jovens: o Massacre de Columbine.

    Nesse controverso episódio, dois jovens planejaram e efetuaram um massacre no colégio de Columbine de Denver, no Colorado, EUA, onde eles mataram 13 jovens e cometeram suicídio. Ao investigar a vida dos rapazes, logo foi feita uma associação dos seus crimes com dois jogos que ambos jogavam frequentemente, o já citado Doom e o Wolfenstein 3D, que foi o primeiro jogo de tiro em primeira pessoa (FPS) da história. Anos se passaram com com a história sendo rodeada por mitos mal explicados. Um desses mitos era o de que o massacre foi cometido por causa do excesso de tempo que os rapazes passavam jogando.

    O psicólogo norte-americano Peter Langman, autor do livro “Why Kids Kill: Inside the Minds of School Shooters”, estudou o caso profundamente e recentemente afirmou que os garotos não eram simplesmente meninos que jogavam videogame demais, nem muito menos garotos comuns que apenas queriam ser famosos. Segundo o psicólogo, eles eram pessoas dotadas de uma estrutura de personalidade rara, chamada de perversão ou psicopatia.

    Outro caso, um pouco mais recente, ocorreu em São Paulo, no ano de 2013. Supostamente, um garoto de 13 anos matou a própria família formada por policiais militares com precisos tiros na cabeça, cometendo suicídio logo após. Durante as investigações do caso, ao analisar o histórico do computador do menino foram encontrados vários jogos, um deles o famoso “Assassin’s Creed: Brotherhood”.

    A história do jogo acompanha o personagem Ezio Auditore durante o período histórico do Renascimento. O personagem é membro da guilda dos assassinos e tenta impedir os planos dos templários, uma organização perversa que tenta estabelecer uma nova ordem mundial opressora e corrupta. Porém, como de costume, vários fatos foram ignorados, como a tradição dos jogos da série acompanhar algum evento histórico como pano de fundo, além do personagem principal, controlado pelo jogador, raramente utiliza armas de fogo. Os tiros efetuados no assassinato também foram julgados precisos demais para uma criança de 13 anos pela perícia, sem falar que a arma era muito grande e muito difícil de ser manuseada pelo menino.

    “Além disso tudo, se analisarmos o episódio utilizando a Psicologia do Desenvolvimento, encontramos a teoria de Jean Piaget, que nos diz que a criança normalmente passa a distinguir o real do imaginário, ou virtual, por volta de 7 anos de idade”, argumenta a psicóloga Georgia Correia. Ela também refuta a ideia de que uma criança de 13 anos cometeria um homicídio por influência direta ou indireta de games.

    Especialista

    Georgia Correia também é especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e explica ao Diário da Manhã o poder que os jogos eletrônicos têm sobre os jovens. No entanto, esse poder pode, sim, ser maléfico ou benéfico. “Ou talvez o efeito dos games podem ser nulos, dependendo do gênero e da pessoa que o joga”, explica Georgia. “Os jogos eletrônicos influenciam negativamente quando existe uma superexposição do jovem a determinado jogo, principalmente se esse, em específico, é muito violento. Mas eles também podem beneficiar o as condições psicológicas do indivíduo, como desenvolvimento da capacidade de raciocínio rápido, de interpretação e até mesmo na formação do caráter, onde existem aqueles jogos que provocam o dilema moral de salvar ou não determinado personagem, por exemplo”.

    A especialista ainda fala mais sobre a questão da associação da violência nos jogos eletrônicos ao comportamento agressivo. “As chamadas mídias violentas, como videogames, televisão e filmes, são um dos elementos que podem influenciar o aumento da agressividade em jovens, junto ao sentimento de isolamento social, intimidação, preconceitos, entre outros. Ou seja, no máximo, os videogames violentos podem ser um dos diversos fatores que, combinados, podem influenciar alguém a se tornar violento”, pontua.

    Geórgia também acredita que medidas proibitivas dos pais sobre determinadas atividades dos filhos podem prejudicar muito mais o comportamento dos adolescentes. “O melhor que os pais podem fazer é estabelecer regras quanto à frequência em que os filhos jogam e o tempo gasto em frente ao computador ou videogame. O entretenimento é muito importante para os jovens e crianças, mas ele não pode prejudicar outras atividades e obrigações, como os deveres e trabalhos escolares, por exemplo”, conclui a psicóloga.

     

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