“O que aconteceu foi uma omissão do Estado em relação à condição dos menores”
Diário da Manhã
Publicado em 26 de maio de 2018 às 01:26 | Atualizado há 2 semanasO centro de internação provisória para adolescentes do 7° Batalhão da Polícia Militar (PM) foi alvo ontem de incêndio que deixou nove mortos e um ferido em Goiânia. Em entrevista ao Diário da Manhã no final da tarde, a coordenadora do núcleo de direitos humanos da Defensoria Pública, Fernanda da Silva Rodrigues Fernandes, afirmou que a situação encontrada no CIP é “calamitosa” e, por conta da estrutura aquém da considerada ideal, uma tragédia estava prestes a acontecer em qualquer momento. “O centro de detenção para menores infratores está localizado em um local que por si só é inadequado e inconstitucional: um batalhão da Polícia Militar. O que aconteceu lá foi uma omissão do Estado em relação à condição dos menores”, destaca a defensora pública.
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), por sua vez, disse que a Defensoria Pública entrou em 2013 com ação civil pública onde determinava que houvesse limitações de vagas a internos, mas até hoje a unidade enfrenta problemas provocados pela superlotação. De acordo com Roberto Serra, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, o descaso em relação aos reeducandos deve ser exposto em breve aos órgãos internacionais de direitos humanos. “Iremos trabalhar junto e iremos denunciar esse problema”, garante. Ao todo, o CIP dispõe de capacidade máxima para 50 internos, porém nos últimos dias esse número chegou a quase 100.
Em função disso, o defensor público e coordenador do núcleo da defensoria de infância e juventude, Tiago Gregorio Fernandes, reforçou que a estrutura do CIP é inadequada e deficitária. De acordo com ele, dos nove adolescentes que morreram no incêndio apenas um estava em situação provisória. “O fato é lamentável e compadecemos em relação aos adolescentes e suas famílias”, diz. Segundo o defensor, na história de Goiás nunca houve um episódio dessa magnitude, e, para evitar que novos casos como esse aconteçam novamente, é preciso repensar toda a estrutura do sistema socioeducativo. “Falta projeto pedagógico e ações de aprendizagem. Os adolescentes têm direito a 15 minutos de banho de sol, enquanto adultos em regime fechado tem direito a duas horas”, compara.
Mesmo sendo uma instituição que estava sob responsabilidade estadual, a PM declarou que não irá se pronunciar acerca do episódio no centro de internação para adolescentes e frisou que a Secretaria Cidadã de Goiânia poderia ter maiores informações sobre o caso. Em nota, a polícia disse que não houve rebelião, e não explicou o que teria gerado as chamas no CIP. A PM garantiu que passará todos os detalhes referentes aos prejuízos para que as providências necessárias sejam tomadas o quanto antes. Por outro lado, o governador de Goiás, José Eliton, estava em Cuiabá para um encontro com governadores no momento em que a tragédia aconteceu. No início da tarde de ontem, porém, ele retornou à Capital.
Após o incêndio, o governo de Goiás afirmou que o incêndio “foi provocado pelos próprios menores infratores”. Em nota, o Estado declarou que providências foram tomados imediatamente para conter o fogo e evitar um dano maior. Por fim, o Governo de Goiás lamentou o ocorrido “e externa sua solidariedade aos familiares dos adolescentes mortos”, embora parentes das vítimas estivessem em estado de choque por conta do episódio. Uma tia de um dos internos disse que toda a família está aflita por não ter notícias do menino há um mês, tempo que ele ficou na unidade socioeducativa.
DESDE A DÉCADA DE 1970
Parceria entre o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), Polícia Militar (PM) e Secretaria de Estado, o centro de internação para menores funciona de forma improvisada no batalhão da Polícia Militar desde 1992 e tem problemas em função da infraestrutura precária, como fios elétricos expostos e paredes com infiltrações. De acordo com a doutoranda em educação, ciência e matemática, Aline Neves Vieira Santana, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que os adolescentes não poderiam estar em um batalhão fechado. “Mas em Goiás o Estado não cumpre essa medida”, explica a pesquisadora.
Para ela, é necessário que sejam construídas mais unidade socioeducativas, mas, além disso, os adolescentes devem ter tratamento humanizado. “Atualmente, os meninos não são tratados dessa forma. Nossa sociedade não os vê assim”, esclarece Aline. No entanto, o artigo 116 do ECA frisa que “em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promovendo o ressarcimento do ano, ou por outra forma, compense o prejuízo da vítima”. Por isso, salienta a doutoranda, o CIP não poderia estar superlotado. “O maior problema nesse sentido é a ausência de política pública destinada que contemplem os adolescentes”.
A pesquisadora ressaltou ainda que o último dado disponibilizado em Goiás sobre a condição dos reeducandos é de 2013. Segundo ela, “a gente sabe que a rotatividade alta, inclusive no Gecria, eles não tem uma pessoa para fazer essa análise estatística”. Desta forma, afirma ela, é difícil fazer uma análise sobre a situação. “Hoje, o adolescente é marginalizado, ninguém quer vê-lo, aí a gente tem o Poder Público que trabalha para que essa imagem se perpetue. Não sabemos quem é esse adolescente, se ele é reincidente, se ele vai à escola estudar, tudo é muito mascarado”, ratifica.
O fato é lamentável e compadecemos em relação aos adolescentes e suas famílias” Tiago Gregorio Fernandes, defensor público O maior problema nesse sentido é a ausência de política pública destinada que contemplem os adolescentes” Aline Neves Vieira Santana, doutoranda em educação, ciência e matemática
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