O rio que agoniza
Diário da Manhã
Publicado em 28 de janeiro de 2017 às 01:31 | Atualizado há 2 semanasNa primeira quinzena do mês, o vereador Gustavo Cruvinel (PV) participou de encontro com o delegado Luziano de Carvalho, titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente (Dema), para discutir sobre a redução do nível de água do rio Meia Ponte nos últimos tempos, assim como os altos índices de poluição causados pelos lançamentos de esgotos domésticos e industriais diretamente no rio, sem receber nenhum tratamento.
De acordo com levantamento feito pelo vereador, a extensão do rio Meia Ponte em Goiânia corresponde a cerca de 10% do total da sua expansão, ou seja, menos de 50 km, apesar disso, Goiânia é a cidade que tem mais contribuído com a poluição do rio. A Capital também é a maior beneficiada, pois o rio é o principal responsável pelo seu abastecimento, sendo 58% da água abastecida na cidade provida do rio.
“Apesar de alguns esforços e projetos nos últimos anos para que o rio fosse despoluído, as águas do rio Meia Ponte ainda permanecem com sua qualidade bastante comprometida, podendo ser percebidas a olho nu pela sua cor acinzentada em alguns pontos mais críticos, além da enorme quantidade de lixo exposta em suas margens”, destaca o parlamentar no encontro para debater sobre a poluição do rio.
Em entrevista à reportagem do Diário da Manhã, o engenheiro eletricista e hidrólogo Marcos Antônio Correntino da Cunha, especialista em gerenciamento de recursos hídricos e educação ambiental, falou sobre os principais problemas enfrentados pelo rio Meia Ponte, os quais se estendem há décadas, não tendo a devida atenção por parte do poder público.
Correntino calcula que o rio Meia Ponte percorra aproximadamente 35 quilômetros dentro da cidade de Goiânia, tendo uma extensão total da nascente até a sua foz, no rio Paranaíba, de 472 quilômetros. O especialista reafirma que os principais danos que a cidade tem causado ao rio que corta a cidade são os lançamentos clandestinos de esgotos domésticos e industriais e também lançamentos de resíduos sólidos.
“O rio Meia Ponte está doente porque está bastante poluído, recebendo grande quantidade de esgotos sem nenhum tratamento e grande quantidade de lixo, agrotóxicos e resíduos industriais. Foi considerado por duas vezes pela Agência Nacional de Águas (ANA) como o sétimo rio mais poluído no Brasil, comparado com o Tietê, em São Paulo”, revela.
O hidrólogo descreve que o rio Meia Ponte é importante para Goiânia, pois corta a cidade mais populosa do Estado, e com isto ele tem importância não só para servir, em parte, como abastecimento do município, como também diluir e transportar a grande quantidade dos esgotos que deveriam ser tratados convenientemente. Mas essa parece ser uma causa perdida, no que se refere à atenção do poder público em recuperar os danos causados ao rio que a cada dia é mais explorado.
“Em 1982, um diagnóstico elaborado pela Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais (CPRM), Consócio Nacional de Engenheiros Consultores (CNEC) e Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) apontava que dentro do município de Goiânia na parte mais a jusante (mais baixa) a situação do rio era crítica, chegando a considerar que 90% da sua água era esgoto. Já se passaram 34 anos e a situação é a mesma”, revela Marcos Correntino.
Um manancial que virou rego d’água
O engenheiro eletricista e hidrólogo Marcos Correntino descreve que a bacia hidrográfica do rio Meia Ponte abrange 39 municípios e conta com 2.374.424 habitantes. É a mais densamente povoada do Estado de Goiás, em virtude da capital, Goiânia, e de algumas cidades nas proximidades. O rio Meia Ponte nasce no município de Itauçu, a noroeste de Goiânia, atravessa toda esta cidade, percorre uma extensão de 472 km até desaguar no rio Paranaíba pela margem direita.
Perguntado o porquê do rio se chamar Meia Ponte, Correntino observa que existe mais de uma versão para a justificativa do nome Meia Ponte. “Tem várias informações. Uma é creditada ao bandeirante Bartolomeu Bueno, o Anhanguera, pois o mesmo tinha construído sobre o rio uma ponte com duas toras de madeira. Veio uma enchente e só ficou uma tora, daí o nome Meia Ponte”, comenta.
Ver o rio se tornar um esgoto a céu aberto é motivo de desesperança para a aposentada Denise Costa, de 78 anos, moradora do Setor Jaó. “O rio Meia Ponte virou um rego d’água, esse rio enchia de transbordar, a gente ia para a ponte para ver o rio cheio, era uma beleza, parecia um mar, era um rio forte, não tem mais isso. A gente ia ver a beleza do rio na época das cheias. Meu marido gostava de ver o rio cheio, o rio não enche mais, não existe beleza alguma para ver, agora acabou tudo. Existem muitas pessoas que jogam seu esgoto no rio, ou seja, virou um esgoto a céu aberto”, lamenta.
Barbara Pinto, 60 anos, contou à reportagem do DM que desde que mora no Bairro Goiânia II, há 11 anos, que o problema do mau cheiro vindo do rio persiste, mas ela afirma que de uns tempos para cá a situação tem se agravado. “O rio está sem água e tem muita gente que despeja o esgoto lá dentro. De uns cinco anos para cá piorou muito, a situação ficou muito ruim. Quando a gente acorda com o mau cheiro, por volta da meia noite, a gente tem dificuldade para respirar”, expõe.
Marcos Correntino explica que o crescimento da cidade e a especulação imobiliária contribuem para o aumento da impermeabilização da cidade e aumento dos resíduos sólidos que vão direto para os córregos afluentes e daí para o Meia Ponte. “A impermeabilização contribui para provocar enchente no período de chuva e reduzir o volume de água no período de estiagem. Com a redução do volume ou vazão a água fica pouca para diluir os esgotos, causando o mau cheiro”, esclarece.
A regra é explorar até esgotar
De acordo com o especialista em hidrologia, recursos hídricos e meio ambiente Marcos Correntino, a bacia do rio Meia Ponte sofreu sérios problemas de desmatamento em decorrência da implantação de atividades agropecuárias. Ele explica que atualmente restam pequenos fragmentos de vegetação nativa que assumem grande importância na conservação dos recursos genéticos da fauna e da flora da região.
“Os danos pelo desmatamento são vários e de diversas magnitudes, podem provocar a diminuição da vazão nos pequenos cursos de água e nas nascentes, podendo até secá-las, podem fazer aumentar os sedimentos carreados para os cursos de água e reservatórios, influenciam no regime de chuvas e causam impactos negativos na biodiversidade”, adverte.
Ele acrescenta que os principais problemas da bacia do Rio Meia Ponte são: desmatamento, impermeabilização nas zonas rural e urbana, lançamento de esgotos sem tratamento nos afluentes e no próprio rio e captação de água superficial e subterrânea sem outorga para o uso da água. Além de faltar também o Plano da Bacia.
E, para gerar mais dúvidas sobre um destino incerto para o rio, enquanto este agoniza quatro projetos de implantação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) ao longo do Rio Meia Ponte estão em fase de licenciamento na Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (Secima) esperando apenas liberação para avançar com a proposta as quais poderão colocar em risco até mesmo esses fragmentos restantes.
Para Marcos, o que precisa ser feito para que o rio Meia Ponte não continue agonizando a curto e longo prazo “é evitar os lançamentos clandestinos de esgotos nos seus afluentes e no próprio rio, evitar que os lixos das cidades da bacia do Rio Meia Ponte sejam carreados para os cursos de água e melhorar as eficiências das estações de tratamento de esgotos”.
Enquanto nas palavras do vereador Gustavo Cruvinel (PV) é preciso “buscar junto às autoridades responsáveis, soluções práticas a curto, médio e longo prazo de forma com que consigamos melhorar a qualidade da água do rio Meia Ponte, assim como, preservá-lo em suas nascentes para que não venhamos em um futuro próximo sofrer com a falta de água potável na cidade de Goiânia, como aconteceu no ano passado”.
Preservação do meio ambiente
O vereador ressaltou ainda que “um dos caminhos para conseguir esse êxito é explorar bastante a política de educação pela conscientização da preservação do meio ambiente, em especial os recursos naturais como a água doce, que está cada vez mais escassa, primordial para a existência da vida”. Ele pretende assim que voltar às sessões do plenário, marcar uma audiência pública para discutir sobre o assunto.
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