Cotidiano

O silêncio do eleitor

Diário da Manhã

Publicado em 15 de setembro de 2018 às 23:22 | Atualizado há 2 semanas

  •  As denúncias de corrupção envolvendo políticos de todos os partidos levaram o eleitor a se distanciar do processo eleitoral. Muitos políticos processados buscam a reeleição deixando os eleitores paralisados diante da falta de uma luz no fim do túnel
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    Já foi o tempo em que o eleitor se empolgava com o pleito de sua cidade ou de seu estado. Hoje a realidade é outra. As pes­soas se cansaram de um blá-blá­-blá interminável e dos ataques entre os candidatos no horário eleitoral, que chocam a todos. Fal­tam propostas. A Lava Jato trouxe à tona um assunto velado somen­te autorizado para uma cúpula seleta e não mais intocável: a da turma da corrupção. As cifras são assustadoras. Fala-se em desvio de muitos e muitos milhões.

    Dos 594 parlamentares (depu­tados federais e senadores), 238 são investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF)–ou seja– um em cada três parlamentares do Congresso Nacional responde a processo, mais da metade do Se­nado é acusada de crime.

    Entre os 513 deputados fede­rais, 190 são investigados pelo STF. Já em relação aos senadores, a porcentagem é ainda maior. Qua­se 70% dos senadores estão sendo investigados pela justiça, ou seja, mais da metade do Senado é acu­sada de crime. Poucos se salvam: apenas 25 senadores não carre­gam nenhum processo nas costas.

    Principais protagonistas da po­lítica brasileira nas últimas déca­das, MDB, PSDB e PT também li­deram a relação dos partidos no Senado com mais problemas na Justiça. O PSDB é a legenda com mais senadores investigados em proporção ao tamanho da banca­da (69%). Juntos, PSDB, MDB e PT somam 27 dos 44 senadores que estão sob investigação.

    Este é o quadro mais bem aca­bado da falência política brasileira, e o eleitor sabe disso. “As pessoas estão desacreditadas. Em outros anos, todos falavam bastante em política. Até apoiavam os candi­datos. Neste ano ninguém quer apoiar ninguém. Lá no meu ser­viço, ninguém aceita tocar no as­sunto, e quando falamos em políti­ca, logo vem a resposta: moço, vou votar nulo mesmo”, afirma o cami­nhoneiro Osias de Campos Silva.

    APATIA

    Igual a ele, milhares de brasilei­ros estão apáticos em relação às elei­ções deste ano. São muitos os mo­tivos: Os eleitores estão céticos, não confiam mais nos políticos e duvi­dam do que eles dizem. As propa­gandas eleitorais viraram palco de promessas vergonhosas e vazias. O eleitor vive um estado de insensibi­lidade emocional ou esmaecimento de todos os sentimentos diante do resultado não concretizado daqui­lo que foi proposto pelos candida­tos nas eleições passadas.

    CETICISMO

    O ceticismo tomou conta da mente dos eleitores, que já não acre­ditam mais em promessa alguma. Um exemplo disso foi a promessa do trem-bala, proposta do então go­vernador Marconi Perillo, que liga­ria Brasília a Anápolis, e Anápolis a Goiânia. A previsão de inauguração era para o ano passado.

    Inaugurado três vezes pelo go­vernador Marconi Perillo, o com­plexo Mauro Borges não fornece água às torneiras dos goianos. A promessa era de que a Barragem do Ribeirão João Leite seria tão suficiente que Goiás poderia fi­car 30 anos sem chover, que não faltaria água. De modo contrário, faltou água em mais de 80 bairros o ano passado e este ano o racio­namento já foi anunciado.

    DESÂNIMO

    Muitas pessoas estão entre­gues ao conformismo político. Fi­cam tristes, abatidas e deprimidas quando tocam no assunto. Então, melhor não comentar. Em 2013, o povo brasileiro foi às ruas para pe­dir mudanças porque queria mais qualidade na saúde, educação e segurança pública.

    Alguns dizem que os movimen­tos populares foram apropriados por políticos gatunos que aprovei­taram-se do desânimo da popula­ção para avançar contra ela em di­reitos, ao invés de promoverem o progresso, como todos esperavam.

    A reforma trabalhista veio como um tapa na cara dos protestantes, bem como a ameaça da reforma previdenciária, que atingiria ape­nas a classe trabalhadora, manti­dos os privilégios a outras classes.

    O desânimo é como uma vela abafada por um copo: logo a cha­ma se apagará por falta de oxigê­nio. Os eleitores estão com a cha­ma apagada para a política.

    DECEPÇÃO

    O problema da decepção é que ela nunca vem de um inimigo. É um sentimento de desgosto que toma conta do coração em virtude de um desapontamento causado por uma circunstância imprevista.

    A frustração do eleitor refere-se ao fato dele descobrir como o di­nheiro dos impostos estava sendo gasto ou para onde ele estava indo. Imagens políticos com dinheiro na cueca, em malas, fazendo festas e farras até no exterior deixaram os leitores desacreditados com a clas­se política. Veio como uma bomba também o fato de que a constru­tora Odebretch tinha em sua sede um departamento de propinas que girou US$ 3,37 bilhões.

    As cifras, em bilhões de dóla­res, causaram um entristecimen­to na população brasileira que está convencida de que se não fosse a corrupção, o Brasil seria um país de primeiro mundo. Políticos são aqueles ‘mui amigos’ que em época de eleição mendigam o voto do elei­tor para depois desaparecer dele.

    AVERSÃO

    É um sentimento reativo do ser humano. Quem pensa que o elei­tor está dormindo, engana-se. Ele está informado e inconformado. Por isso, de forma consciente ou in­consciente ele reage de forma ne­gativa não só contra os políticos, mas contras os poderosos–aqueles que detém o poder, seja do execu­tivo, legislativo ou judiciário, bem como da iniciativa privada.

    Ojeriza significa nojo ou re­pugnância por qualquer coisa que provoque esta perturbação. É clas­sificada como uma emoção que en­volve uma expressão facial espontâ­nea e muito característica. Ojeriza é também um sentimento de antipa­tia ou mesmo raiva de uma pessoa. Quando se tem ojeriza de alguém, normalmente há demonstração de má vontade ou tentativa de evitar qualquer aproximação. Por exem­plo, ojeriza pelo prefeito, pelo de­putado, pelo governador, pelo pre­sidente da OAB, da Fiesp, etc.

    No pleito atual, os eleitores não querem proximidade com os políticos. Não estão disponí­veis nem para uma fotografia, e quando os encontram, partem para o ataque em demonstrações de inconformismo gravadas e es­palhadas pelas redes sociais.

    CONFLITOS

    As novas complexidades polí­ticas locais e internacionais gera­ram multipolaridades econômicas e novos centros de poder no mun­do.Embora ainda ocorram, as guer­ras interestatais já não são o tipo de confronto armado predominante atualmente no mundo. Por sua vez, proliferaram-se os conflitos inter­nos, como guerras civis violentas de cunho étnico, religioso ou político, bem como atos e atentados de gru­pos ligados ao extremismo político.

    Esta é uma das razões que as pessoas estão evitando tocar no as­sunto. Os ânimos acirrados estão sendo responsáveis por desfazer amizades antigas, e ninguém quer mais perder amigos para as discus­sões políticas. Até porque as dis­cussões políticas se tornaram peri­gosas, e as pessoas estão evitando falar no assunto para não serem alvo de violência. Ninguém quer tornar-se alvo do ódio alheio. Eis porque nem citrus ou adesivos es­tão mais sendo vistos nos veículos ou carros da população. Ninguém se identifica e todos se calam a res­peito de seus posicionamentos po­líticos. O silêncio é a ordem do dia.

    VOTO

    Eis a oportunidade ideal dos eleitores expressarem, nas urnas, os seus sentimentos negativos em relação à política, ou não, absten­do-se delas. Muitas pessoas escon­dem seus sentimentos negativos, impulsionadas pelo medo de re­taliação. Entretanto, se há um lu­gar para as pessoas expressarem seus sentimentos sem medo e de forma eficaz, são as urnas.

    Não importa se você está anima­do, frustrado ou triste. Expresse seus sentimentos da maneira que achar mais confortável. Todos estão preo­cupados com os conflitos que esses sentimentos podem gerar com pes­soas próximas. A era de inseguran­ça que vivemos nos faz nos prote­germos de conflitos banais, como são considerados os políticos, por­que, ao final, nada vai mudar. Pelo menos assim pensam os eleitores.

    REELEIÇÃO

    Dos 513 deputados federais da atual legislatura (2015-2019), apenas 31 desistiram de conti­nuar na vida pública. Outros 407 tentarão se reeleger em outubro e 106 vão trilhar outros caminhos político-eleitorais, como disputar os postos de vice em governos es­taduais, deputados estaduais, su­plência no Senado e até mesmo a presidência da república.

    A eleição para o Senado neste ano deve ter um número recorde de candidatos em busca da ree­leição. Dos 54 parlamentares elei­tos em 2010, ao menos 35 deles ou 65% devem tentar renovar seus mandatos por mais oito anos.

    Desse cenário lamentável, o que se espera é que haja um pro­cesso de saneamento na política brasileira. Mas com tantos candi­datos repetidos, fica difícil acre­ditar na mudança.

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